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Por favor peguem neste diamante – e José Ferreira pegou
19/01/2020 17:02 Rodrigo Cordoeiro
Sofia Sá em actuação a 12 de Janeiro no Sir Henry Cotton Championship Course da Penina, por ocasião do 1.º Torneio Drive Tour © FILIPE GUERRA/GOLFTATTOO/FPG

Sofia Sá tem no Academy Manager & Head Coach da Quinta do Lago o seu primeiro treinador profissional

Foi por acaso que, em Maio do ano passado, num final de tarde, encontrei José Ferreira em Olhos D’Água, no Algarve, num café na artéria principal, onde aquele que é o Academy Manager & Head Coach na Quinta do Lago ia deixar a sua aposta no Euromilhões ou jogo que o valha, tantos tem já a Santa Casa, autêntico maná. Ficámos ali à conversa e, a dada altura, ele referiu-se a Sofia Sá, classificando-a como a melhor jogadora portuguesa de sempre. Disse-o com um ar sentido, como se estivesse na posse de uma verdade que mais ninguém compreendia.

Nenhuma surpresa, portanto, quando soube que ele entretanto se tornara no primeiro treinador profissional da jovem fenómeno, que fará 16 anos a 14 de Março. Até aqui, tinha sido sempre o seu pai, António Sá. Em Colmeal da Torre, concelho de Belmonte, distrito de Castelo Branco, onde residem. Sem nenhum campo de golfe por perto, apenas um buraco improvisado com um tapete no exterior de casa onde a filha pode bater shots até 85 metros.

Ainda hoje é assim, o que suscitou aquela que é para mim a frase mais impressionante da entrevista conjunta que se segue, feita por Messenger, num grupo a três criado propositadamente para o efeito: “Jogar em campo só jogo mesmo nos torneios.” É como se Cristiano Ronaldo ou Messi, depois de descoberto o seu potencial, continuassem a jogar no pátio da escola, comparecendo nos relvados apenas para estágios e jogos.

José Ferreira diz que, se pudesse, acolhia-a no Algarve, e defende que a Federação Portuguesa Golfe deveria instituir um sistema de bolsas de estudo e golfe para jovens jogadores de elite. Sofia não desdenharia mudar de ares e os próprios pais procuram formas possíveis para que a filha possa competir em igualdade de circunstâncias com as restantes atletas, progredir e representar o país ao mais alto nível.

Esta entrevista antecede a participação de Sofia no 90.º Campeonato Internacional Amador de Portugal, no Montado Hotel & Golf Resort, o seu primeiro grande teste do ano, depois de ter vencido de forma categórica, a 12 de Janeiro, na Penina, o 1.º Torneio Drive Tour – Campeonato Nacional de Jovens, no escalão Sub16.

 

 

GOLFTATTOO – Gostava de começar por perguntar a um e outro quando e como começaram a trabalhar juntos…

SOFIA SÁ – Começámos a trabalhar em Agosto, foi aí que tudo começou. Eu fui fazer um fitting à Quinta do Lago porque ele tinha proposto e já se tinha disponibilizado várias vezes para ajudar em alguma coisa que eu precisasse. A partir daí o Zé começou a ajudar-me... Venci na Escócia* já depois de algum trabalho realizado com ele. Comecei a melhorar em alguns aspectos do meu jogo, com muito trabalho por parte dos dois, sem dúvida.                                                  

Mas o que te fez optar por ele? O interesse que ele vinha demonstrando?                     

SS – Senti sempre que ele seria a melhor pessoa para me ajudar neste caminho que quero perseguir, foi uma opinião que criei enquanto o fui conhecendo. Os objetivos são conjuntos, não são só dele, nem só meus, são nossos, e isso torna a parceria especial. Com o apoio e toda a entrega de querer sempre melhor. 

JOSÉ FERREIRA – @GolfTattoo Fui o mais barato. 

SS – Uma pessoa a esforçar-se e depois retribui assim... 

JF – Ahahaha. De facto, eu já admirava o jogo da Sofia e tinha noção do seu potencial. Em conversa com ela e com o pai, disponibilizei-me para ajudar, quer com o equipamento, quer com qualquer outra coisa que lhe fizesse falta. E, de facto, o pai sentia que lhe fazia falta um apoio mais profissionalizado. Durante o Campeonato Nacional Absoluto, tive oportunidade de dar uma olhadela ao saco dela e vi que  necessitava urgentemente de tacos personalizados. 

SS – Eu fiz o fitting a 4 de Agosto, mas só mudei de tacos no final de Outubro, estreei-me com eles na Grande Final do Drive Tour. Embora os resultados não tenham aparecido logo, senti-me bastante confortável com eles, achei que se adaptavam bastante a mim. 

GT – Sofia, por favor, confere: o teu pai foi o único treinador que tiveste antes do Zé? 

JF – Fez um excelente trabalho. 

SS – Sim, foi com muito apoio e dedicação por parte dele que eu realmente estou onde estou. Sem o apoio incondicional e o trabalho que ele teve sempre para comigo, a preocupação que ele teve de ir tirar o curso de treinador de Grau 1… Acho que se não tivesse sido ele sempre a puxar por mim não estaria onde estou. O município de Belmonte também me tem dado muito apoio.

JF – Se para um pai com todas as condições já se torna complicado ajudar neste processo, penso que no caso do António e da Sofia teve que existir grande paixão e perseverança neste processo.

Sofia Sá com o seu pai, António, o seu treinador e caddie de sempre e que agora deixou de o ser em ambos os capítulos © FILIPE GUERRA/GOLFTATTOO 

GT – Tenho curiosidade em saber sobre os teus novos tacos. 

SS – Os ferros são TaylorMade M5, stiff, 80 gramas. E o driver e as madeiras M6, também stiff. Depois de um tempo, com driver, optei por continuar com a vareta que tinha antes. 

JF – Dado o potencial da Sofia, a TaylorMade decidiu apoiá-la e incluí-la como partner, o que trás alguns privilégios. 

GT – E em relação ao putter? 

SF – O putter só mudei para um novo no último torneio do Circuito Cashback World [em Novembro], é o Spider x. 

JF – Sim, a alteração do putter só se deu mais tarde, porque foi uma área sensível e que trabalhámos arduamente até melhorar a sua técnica. Aí optámos por esse putter. 

GT – Zé, falaste no potencial da Sofia. O que a distingue? 

JF – É uma jogadora especial. Apresenta uma grande garra e uma enorme vontade de vencer. É bastante focada e tem capacidades atléticas muito fortes – tem velocidades do swing dentro das médias do LPGA Tour. 

(Aqui, na minha imaginação, Sofia podia ter-se vingado: “@GolfTattoo Na verdade, o que ele quer dizer é: ‘Como é que é possível ela jogar assim?’”) 

GT – Inicialmente, quais foram os aspectos do jogo ou do swing em que se focaram? 

JF Full swing numa primeira fase. Foram aspectos técnicos, pois nessa altura a Sofia estava atravessar uma fase menos boa e apresentava algumas falhas a esse nível. 

GT – Estando um no Algarve e outra em Belmonte, como desenvolvem o vosso trabalho conjunto? 

JF – Desde 4 de Agosto em diante temos vindo a trabalhar à distância. com recurso aos vídeos e a software específico. Um grande desafio. Mantemos contacto regular, tentando manter uma continuidade no processo. 

GT – A Sofia tem esse handicap de viver num lugar sem infra-estruturas de golfe por perto, o que só vem dar mais valor ao que tem alcançado e à atleta em que se tornou… 

JF – Sim, julgo que se trata de um caso muito particular, e daí também influenciar o perfil da jogadora. Tive oportunidade de dizer que era uma jogadora com garra e vontade – e só o pode ser. Alguém com estas limitações continuar a jogar golfe com este tipo de resultados tem que ter talento, gosto e trabalhar muito e bem. Esse foi um dos factores que me fez prontificar a ajudar a Sofia. 

GT Sofia, como é para ti não teres uma facilidade de golfe perto de casa? Até que ponto sentes que isso te prejudica? 

SS – Não é fácil, porque não tenho as mesmas condições das outras jogadoras. 

GT – Sentes que isso te impede de progredir mais rapidamente? 

SS – Às vezes sim, sinto, porque não treino com tanto rigor e as condições não são as melhores. 

Quais são essas condições? 

SS – O meu pai comprou-me um tapete com a altura da relva do green com 5 m de comprimento e arranjei um buraco fictício numa área no jardim. O meu avô tem um patamar onde posso dar shots até aos 85 metros. Treino aqui, e só posso treinar quando não tenho testes, porque normalmente só termino as aulas às 17h30. Então costumo treinar mais às quartas, sextas, sábado e domingo, quando não tenho torneios. Jogar em campo só jogo mesmo nos torneios. 

JF – Sim, seria importante um contacto mais regular com a relva.

GT – Gostarias de vir estudar para Lisboa ou assim, integrando, por exemplo, o Centro de Alto Rendimento do Jamor? 

SS – Não sei, seria uma hipótese. Acho que se me convidassem aceitaria com todo o gosto. É uma questão que tenho falado muito com a minha família. 

JF – Tive a oportunidade de falar com os pais dela por diversas vezes e tenho a noção de que procuram alternativa e formas possíveis para que a Sofia possa competir em igualdade de circunstâncias com as restantes atletas, mas, mais do que isso, que possa progredir e representar o país ao mais alto nível. Eu, se tivesse hipóteses, traria a Sofia para o Algarve. Tenho a certeza que iria fazer toda a diferença ter treino regular e campos competitivos para jogar. 

SS – Sim, tanto que se eu fosse estudar para “fora”, preferia ir se calhar para o Algarve, porque iria poder estar com o Zé no treino. E o clima. Mas não deixaria ser espectacular ir para o Jamor, se tivesse esse convite. 

JF – Penso que para a Sofia seria importante ter melhores condições. Isso acima de tudo. A Federação tem de pensar em criar uma plataforma para ajudar jogadores de elite. Por que não um esquema de bolsa, pode não ser necessariamente o Jamor, mas algo que permita estudar e jogar golfe?

GT – Está a ser feito algum trabalho específico para o Campeonato Internacional Amador de Portugal que se joga no final do mês no Montado? 

JF – Sim o putting tem sido uma prioridade bem como tentar afinar os wedges. Como tivemos a oportunidade de dizer, o full swing foi onde iniciámos, mas agora temos estado focados no scoring zone

*Sofia venceu a 12 de Agosto o Scottish Girls’ U16 Open Championship no Murrayfield Golf Club, sucedendo na lista das campeãs à também portuguesa Filipa Capelo, outra pupila de José Ferreira, que conta ainda na sua tropa de elite feminina com Sara Gouveia. 

Sara Gouveia que, em Outubro último, travou Sofia Sá na tentativa desta de vencer a Taça da Federação pela terceira vez seguida, batendo-a nas meias-finais no Tróia Golf Championship Course, mas perdendo depois a final para Rita Costa Marques. 

Em 2017, no Estela Golf Club, Sofia tornara-se, com apenas 13 anos, a mais jovem vencedora desta competição, um dos dois majors do golfe amador nacional, a par do Campeonato Nacional Absoluto – Audi. E em 2018 revalidara o título no Ribagolfe I derrotando Beatriz Themudo no jogo decisivo. 

Também em 2018, então com 14 anos, fez parte do trio que representou a selecção nacional no Troféu Espírito Santo, o Campeonato do Mundo Amador por Equipas Senhoras, em Carton House, na Irlanda, a par de Sara Gouveia e Leonor Bessa. 

Actualmente, tem em Leonor Medeiros – outra fora-de-série, de 16 anos, que eu colocaria ao mesmo nível de Sofia em termos de talento, ambição, garra e futuro – a sua grande rival e juntas têm protagonizado grandes duelos, com destaque, em 2019, para aquele a que se assistiu no Campeonato Nacional Absoluto – Audi no Montado, favorável a Leonor. 

Morando longe, Sofia tem tido na Quinta do Peru, do grupo Orizonte, o seu home club, o mesmo de Leonor. Juntas, este ano, a jogar em casa, conquistaram a Taça Nini Guedes Queiróz, referente à prova feminina do Campeonato Nacional de Clubes. 

Também formaram dupla na Taça Manuel Agrellos no Montado, a Ryder Cup à portuguesa, entre as selecções de profissionais (PGA Portugal) e da amadores (FPG), superiorizando-se nos encontros de pares e singles frente à dupla de profissionais composta por Susana Ribeiro e Leonor Bessa. Desde Janeiro, no entanto, Sofia é jogadora da Quinta do Lago.

Este ano é ano de Troféu Espírito Santo, é de 14 a 17 de Outubro em Hong Kong, e, com Sofia e Leonor, e com Rita Costa Marques, Sara Gouveia e Beatriz Themudo à espreita para completar o trio (Filipa Capelo não pode ser deixada de fora, mas uma lesão o ano passado impediu-a de se chegar mais à frente), Portugal vai apresentar-se com aquela que é de longe a mais forte equipa de sempre na competição. Para fazer história.