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Quatro dias com Arnold Palmer
Crónica
22/10/2016 10:27 Fernando Nunes Pedro
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Texto publicado a 16 de Maio de 2005 no site Portugalgolf.pt

# O jacto privado Citation X acaba de aterrar no Aeroporto de Faro. A pilotar vem o seu proprietário, o legendário jogador de golfe Arnold Palmer: o King.  

# Arnold Palmer. O responsável maior pelo sucesso do golfe a nível mundial. Foi Arnold Palmer quem pôs o golfe na televisão americana. Porquê? Simplesmente por ter carisma. A famosa “Arnie’s Army”, antigos camaradas da base naval onde fez o serviço militar, acompanhava-o nos campeonatos em que jogava. Claro que a “armada” foi aumentando e bem cedo a Televisão americana descobriu o filão e, com a ajuda de Mark McCormack, da IMG, o nome Arnold Palmer tornou-se em apenas dez anos como uma das maiores marcas dos Estados Unidos. Palmer vendeu tudo e de tudo. De tractores a bolas de golfe. De tacos, a medicamentos. De fertilizantes, a aviões. De automóveis a buggies. De projectos de golfe a cartões de crédito. De TV – é o maior accionista do Golf Channel – até aos Resorts como Pebble Beach na Califórnia. Aqui senta-se ao lado do seu amigo Clint Eastwood nas Assembleias Gerais de accionistas.  Imaginem-se as marcas de maior prestígio e Arnold Palmer está lá. Curiosamente com um aspecto que deve estar incluído nos case study do marketing  mundial.  É que,   em vez de publicitar os diversos produtos como um vencedor, ele vendia apenas o seu nome. Quando deixou de ganhar, continuou a facturar. Ainda hoje Palmer aos 75 anos de idade, é o terceiro golfista profissional mais bem pago fora dos relvados: US$23,7 milhões de dólares em 2004. 

# Quando o nosso autocarro chegou junto do avião, ele já lá estava debaixo da carlinga a inspeccionar o estado do avião. Arnold Palmer tem mais de 18 mil horas de voo. Um pouco mais de dois anos a pilotar. É a sua segunda paixão. 

# Cumprimentou-nos com o seu célebre sorriso, apresentou a sua mulher  Kit – “my bride”– como ele disse, a sua enteada Lynn, o seu co-piloto Paul Luster e mulher. Ficou numa amena conversa íntima ao lado do avião com André Jordan.  

# Entre os dois há uma certa empatia. Fazem anos no mesmo dia de Setembro. De pequenos nadas se faz uma amizade. 

# O Citation X tem um registo N1AP. Number One Alpha Papa, ou... n.º 1 Arnold Palmer. Ah! Este é o n.º 1 porque ele tem outro, o n.º 2. 

# Enquanto conversava bebia Coca Cola por um copo cheio de gelo com as mesmas iniciais. N1AP.  “ Belo copo- – disse-lhe eu. Interessante” Palmer bebeu o resto da coca, atirou o gelo fora e disse: “This is for you” – Já imaginaram onde está o copo, não é verdade? Ao princípio até pensei que não o devia lavar. Talvez tivesse o ADN do AP e me pusesse a jogar golfe ao nível dele. 

# A conversa era obviamente de golfe. Que clima maravilhoso. É pena que há meses que não chova, comentamos. Quantos jogadores vêm a Portugal jogar golfe? Mais de 250 mil todos os anos!!! É quase como ter um Euro 2004 de futebol, mas todos os anos, em termos de visitantes. Claro que para ele isso não é nada. Na América o objectivo é jogarem-se no ano 2020 mais de 1 bilião de voltas com 40 milhões de jogadores. O golfe lá é o jogo da família. 

# Entretanto enquanto não arrumavam as malas no autocarro, AP ajudava o co-piloto a colocar fitinhas coloridas em todas as extremidades do avião: “ É para se saber que está parqueado. O problema é que já aconteceu que, por vezes, se esquecem de as tirar”. Confidenciou-me. “Big problems”. 

# A viagem foi curta com André Jordan e o casal Palmer conduzidos pelo Jorge, chauffeur de AJ.  

# Chegamos ao Victoria e depois dum almoço muito ligeiro, AP manifestou o desejo de descansar. Vinha de Leon em Espanha onde acabava de visitar uma fábrica super moderna de reciclagem de pneus e tubos de diferentes origens, de onde se retirava cobre, alumínio, em determinadas ligas, com aplicações das mais diversas. Sempre a procura de novos investimentos. 

# “Preciso de dormir uma hora, fazer um pouco de strechting e venho bater umas bolas” disse AP. E assim foi. Por volta das cinco da tarde, lá estava a bater bolas no Victoria. 

# Começou com um sand wedge, a 20, 30 metros. Depois de meia dúzia de bolas, aumentou o ritmo e nunca mais parou. Eu estava uma vez mais embasbacado. Como é que é possível bater todos os ferros e madeiras do saco sempre a distâncias regularmente maiores, com cada taco mais comprido? E aos 75 anos de idade? E o  jet-leg? E a direcção das bolas? É curioso que quase todos os grandes profissionais se viram sempre para o lado esquerdo do driving-range para bater bolas. Porquê? Não sei. Mas a direcção das bolas foi sempre a mesma. 

# Esta sessão não estava combinada. Aconteceu. Nem por certo se esperava que aparecesse alguém para o ver bater a não ser as pessoas que estavam por dentro. Mas há coincidências fantásticas. Cerca de 50 a 60 pessoas, quase todos estrangeiros, sentaram-se na relva a observar, em perfeito silêncio, AP a bater como se fora uma máquina. Com milhares de quilómetros, mas, mesmo assim, uma máquina. No fim da sessão, toda a gente que ali estava desatou a bater palmas. Subitamente, um deles aproximou-se de AP, estendeu-lhe a mão: “ Excuse me Mr. Palmer”, “ chamo-me David, sou irlandês, acabei de jogar o Victoria, um campo espectacular, parabéns, mas gostava que assinasse o meu cartão”. Eu nem queria acreditar. Como é que aquele intruso tinha a desfaçatez de se aproximar, assim sem mais nem menos, do King, para lhe pedir um autógrafo. “ Do you know Mr. Palmer?.”Esta é uma feliz coincidência. Acabei de fazer um hole-in-one no buraco 16 e tenho aqui o arquitecto do campo e ainda por cima o meu herói do golfe. “ You! Mr. Palmer!”. 

#No dia seguinte, o “Arnold Palmer Day” era o “Grand Opening do Victoria”. Tudo tinha sido combinado antecipadamente com a Liz McCarthy, responsável de todos os eventos da Palmer Design Company. Tudo muito simples. Mas que foi milimetricamente  estabelecido através de um programa de seis páginas. Chega-se ao campo às 8h30. Cumprimentos. VIP Photo opportunity. 4 Dúzias de bolas novas da Callaway. Três toalhas, duas secas e uma húmida. Etecetera. Depois foi a mesma sessão do dia anterior. Não falhou uma bola. Esteve mais de meia hora a falar e respondeu a todas as perguntas que lhe fizeram. A assistência era uma pequena multidão de mais de 500 pessoas. Não muito grande, mas que deu muito trabalho aos doze residentes estrangeirosque fizeram o favor de fazer de “marshalls” trocado por uma foto com o King e um autógrafo no boné. 

# Mais de 500 pessoas acompanharam o King na sua primeira experiência no Victoria.

Jogou os segundos nove do Victoria. Fez uma acima do par. No buraco #13, o último do Victoria Corner, um par 3 de apenas 164 metros foi para o bunker, não saiu à primeira, tirou à terceira e meteu o putt. No 16, o do hole-in-one do irlandês com vento contra fortíssimo, jogou o drive. Perfeito, sobrevoou a bandeira e ficou no fim do green. Uauuuu! Gritou ele entusiasmado com o shot

# O seu assistente como caddie foi uma vez mais o nosso Joaquim Sequeira do Old Course. Eu sei bem o que significou para ele trabalhar para o King durante aquela manhã. Inesquecível. “Não é verdade, Joaquim?” 

# A conferência de Imprensa decorreu ao fim da manhã na sala de jantar do Victoria. 35 jornalistas dos principais órgãos de informação europeus de golfe e os principais portugueses, bombardearam-no com dezenas de perguntas. Como conciliar os projectos de golfe com a distância a que agora voam as bolas? “Os fabricantes têm que se limitar a uma distância máxima.” “Ainda por cima agora as bolas vão sempre a direito”, comentava AP,- antigamente eu trabalhava a bola”. Por isso é que as bolas dele iam sempre a direito no driving-range! Afinal havia uma razão.

Gostou do campo? Acha que é um bom campo para uma prova da envergadura da World Cup? “Claro que sim. E vou fazer tudo o que puder para trazer a Vilamoura e ao vosso lindíssimo país as melhores equipas do mundo e dos Estados Unidos”. 

# Antes da conferência, foi aos vestiários e depois bebemos uma cerveja no “ Palmer Room” do Victoria, decorado com 22 fotografias da sua vida. Estávamos os quatro. O Mocas Carmona Santos e o Fernando Fragoso, grandes amigos, o AP e eu.  Foram alguns minutos de distensão muito agradáveis. Para recordar. 

# À noite, jantar de gala, presidido por Jorge Sampaio, Presidente da República. André Jordan abriu as hostilidades e fez um belo discurso introdutório. Conhecera Arnold Palmer em Buenos Aires, em 1960, quando Arnold Palmer com Sam Snead defendiam as cores americanas na Canada Cup., a percursora da actual World Cup. E era com muito prazer que tinha a oportunidade de apresentar Arnold Palmer, 45 anos depois, na abertura dum campo desenhado por ele, e que seria palco, em Novembro de uma World Cup, num campo de sua propriedade. 

# O Presidente Jorge Sampaio, fez um interessantíssimo discurso, no seu inglês irrepreensível, e condecorou Arnold Palmer com a Ordem de Mérito com o grau de Comandante, a mais alta comenda que um civil estrangeiro pode receber.  

# Arnold Palmer agradeceu, indo aos idos de 1961, recordando o The Open em St. Andrews. Lembrou a 2ª Grande Guerra para afirmar que não conhecia melhor forma de os povos e as nações se entenderem que não fosse o desporto. E que era em nome dessa paz que tinha muito orgulho em receber a condecoração do Sr. Presidente da República de Portugal. 

# Na noite do dia anterior a equipa da Palmer,  Constantino Jordan , a Gabi e este vosso escriba, tivemos um memorável jantar no “Pequeno Mundo” em Almancil. Não resisto em contar a história da noite, contada pelo próprio Arnold Palmer. 

“I was visiting South Africa with Gary and our families”,  começou o King. “O Gary fala muito mas é um grande amigo. Um dia fomos todos visitar uma mina de ouro, a 300 metros de profundidade. O Gary Player que é um grande competidor e gosta de apostas, como o nome indica, disse-me: "Olha, Arnie, a pessoa que conseguir com uma mão levantar este lingote de ouro e passar por aquela porta, pode levá-lo.” "You mean it?“ "Yes", respondia o Gary. “ Fiquei a remoer naquilo. O lingote pesava perto de 40 pounds (cerca de 18 quilos) e tinha uma forma que não ajudava nada. No fim da vista, perguntei-lhe de novo: "Gary, é mesmo verdade?" "Yes, of course,", respondia o sul-africano. “Enchi-me de energia, alarguei a mão assim,(bem, aqui entre nós, o Arnold Palmer tem os dedos mais grossos que já vi até hoje e um  antebraço que faz inveja ainda hoje a qualquer Tyson)... peguei no lingote, levantei-o assim – e punha o braço à altura da cintura e saí pela porta que o Gary me indicara, perante o seu espanto. “O Gary ainda hoje me deve esse lingote de ouro” comentava AP no meio de uma sonora gargalhada. 

# No dia seguinte fomos ao Gigi, na Quinta do Lago. Os amigos íntimos conhecem a Kit Palmer, por Gigi. Por isso o Bernardo Reino vai ficar com a foto que tirei aos dois com o Arnie. 

# Depois foi a despedida. Um aperto de mão firme. Com os olhos humedecidos, talvez do vento, ou da sangria, ou mesmo de emoção, despedimo-nos: “I want to see you in Latrobe next August, Fernando. And we’ll play a round of golf."

Então, boas tacadas (é o que espero que me desejem também os meus leitores)

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*Esta crónica de Fernando Nunes Pedro (1943-2013) é uma das muitas que escreveu para o site portugalgolf.pt, numa rubrica intitulada “Então, boas tacadas”. Depois da sua morte, os seus filhos, Patrícia, Pedro e Miguel, publicaram um livro com o mesmo nome reunindo a colectânea das mesmas. Amavelmente, permitiram a republicação da mesma no GolfTattoo.

 

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