Jogador português passa escola, supera drama e luta pela vida
António Rosado cumpre hoje 31 anos e celebra a data em Joanesburgo, onde reside desde dezembro de 2013, com a satisfação de ontem ter superado, pelo segundo ano consecutivo, a Escola de Qualificação do Sunshine Tour, a primeira divisão do competitivo golfe profissional sul-africano.
“É sempre bom quando passas na Escola de Qualificação, porque são quase 300 jogadores e se ficaste nos primeiros 30 isso significa que jogaste bom golfe e que foste consistente durante cinco dias. O outro lado positivo é que dá-me acesso a um dos melhores circuitos mundiais”, disse hoje ao Gabinete de Imprensa da FPG.
O campeão nacional de 2009 totalizou 350 pancadas em cinco dias de prova, 10 abaixo do Par do torneio disputado em dois campos – o Bloemfontein Golf Club e o Schoeman Park Golf Club –, depois de juntar voltas de 65, 71, 74, 72 e 68.
O prémio monetário de 3.300 rands que embolsou é inferior a 200 euros, embora seja de notar que o custo de vida é inferior ao europeu.
Tó Rosado terminou no 12º lugar, entre 272 participantes, e integrou à vontade o top-30 que se apurou para o Sunshine Tour. Chegou mesmo a coliderar o torneio nos dois primeiros dias e o cartão de 65 (-7) referente ao percurso de Schoeman Park foi um dos melhores da sua carreira, com 2 eagles e 8 birdies!
O terceiro dia de prova foi o único em que jogou acima do Par, no mais difícil Bloemfontein, caindo de 1º para 12º.
O algarvio viu-se forçado a um esforço de concentração suplementar, num dia em que ainda teve de acompanhar ao hospital a sua namorada, Rita, com quem vive.
Em campo as coisas estiveram bem complicadas: “Fiz um erro no campo, ao mover um tronco de uma árvore, quando tinha a minha bola dentro de um obstáculo de estacas vermelhas e depois peguei na minha bola sem marcá-la. Levei 1 pancada de penalização por levantar a bola e 2 por mover o tronco da árvore, acabando por fazer 8 pancadas no Par 4 (buraco 17). Isso mostra como a minha concentração não estava boa”.
Rita voltou para casa, Tó recompôs-se, no quarto dia passou o cut à vontade no 14º lugar, para terminar ontem no tal 12º posto, a dominar finalmente o campo de Bloemfontein, com a sua segunda melhor volta do torneio.
Há um ano tinha cometido a proeza de passar a Escola de Qualificação do Sunshine Tour, um dos cinco circuitos profissionais mais importantes do Mundo, no 28º lugar (-4).
Foi um feito para o golfe nacional e culminou uma época de 2014 em grande, em que se tornou no primeiro português a vencer uma Ordem de Mérito de um circuito internacional de alguma relevância – o IGT Pro Golf Tour, vencendo 5 torneios nesse trajeto triunfal.
A experiência do ano passado veio a revelar-se importante para esta sua segunda passagem pela Escola de Qualificação, que foi necessária por ter terminado o ano no 135º posto da Ordem de Mérito do Sunshine Tour, com apenas três cuts passados, dois no Sunshine Tour (primeira divisão) e outro no Big Easy Tour (segunda).
“Em termos tácitos, (o jogo na Escola) foi perfeito e não poderia ter sido melhor. A nível técnico também sinto que melhorei um pouco. A nível mental é que já não posso dizer o mesmo. Penso que este ano foi um pouco mais fácil (jogar a Escola) porque de momento estou a jogar bastante bem, mesmo estando menos rodado (do que no ano passado). Por outro lado, o meu estado mental não está nas melhores condições”, admitiu, com sinceridade, como é sua característica.
Em 2015 só jogou 19 torneios (em 2014 fora quase o dobro) e a sua melhor classificação foi um 14º lugar no Sun Fish River Sun Challenge, numa fase já muito adiantada da época, em outubro. Esse foi também o seu melhor resultado (-4 no agregado), aliás, só em três torneios terminou abaixo do Par.
“Foi um ano bastante complicado. Tentei jogar o máximo possível e não treinei como devia. Isso viu-se nos meus resultados. Mas a verdade é que o golfe não foi a minha prioridade este ano, pelo que (até) estou bastante contente com o que fiz no golfe. Nos últimos três meses voltei a treinar bem. Mas vamos ver como as coisas correm e esperar que tudo melhore no próximo ano e que possa ter mais alegrias”, analisou aquele que foi um dos melhores amadores portugueses da década passada, integrando uma grande equipa vice-campeã europeia do Clube de Golfe de Vilamoura e várias seleções nacionais da FPG.
No verão passado, Tó Rosado contou ao Gabinete de Imprensa da FPG o drama que estava a viver, a luta pela vida que o leva a dizer, compreensivelmente, que o golfe não foi prioritário em 2015. Foi uma conversa num registo “off the record”, integralmente respeitado, mas, passado quase um ano do infortúnio com que tem convivido, julga que “já é possível contar”.
Tem a noção de que é importante que as pessoas, os fãs e os amigos saibam, mas a sua principal preocupação foi nestes últimos meses proteger a sua namorada de tensões desnecessárias. Eis o resumo da conversa de hoje, agora já em “on the record”.
FPG – Olá Tó, parabéns pelo aniversário, parabéns pela Escola de Qualificação. Crês que já é possível explicares ao público porque razão este ano está a ser tão difícil para ti?
AR – A Rita descobriu este ano que tem um tumor no cérebro que, infelizmente, é maligno. Já foi operada mas não puderam removê-lo todo porque poderia danificar-lhe o cérebro. Desde a operação teve de voltar mais duas vezes ao hospital. Umas vezes melhora e tem tido períodos bons mas temos de viver o dia a dia sem fazer planos. Ainda na quinta-feira passada tive de ir com ela de novo ao hospital porque sentiu-se mal.
FPG – No ano passado, apesar de todo o sucesso desportivo que tiveste, os rendimentos foram baixos, por o IGT Pro Golf Tour ser um escalão inferior. Não te ficou de certeza muito dessa época. Como conseguiste sobreviver financeiramente em 2015?
AR – Este ano foi muito difícil, a irmã da Rita paga-nos a renda da casa e disse para não nos preocuparmos muito com isso. Também comemos muitas vezes em casa da mãe dela…
FPG – Lembro-me de que há um ano falaste-me da importância do patrocínio dos Red Skins, um clube de portugueses residentes na África do Sul. Eles continuaram a apoiar-te este ano?
AR – … Os Red Skins têm-me dado um apoio enorme. Aqui na África do Sul há uma espécie de Segurança Social e a Rita recorreu a ela, mas quando quisemos ir para um médico melhor que não tinha acordos com essa Segurança Social não tínhamos dinheiro para pagar nem os tratamentos nem os medicamentos. Falei com os Red Skins e eles ajudaram-me em tudo. Não posso dizer que me tenham exatamente patrocinado a ida a torneios como no ano passado, mas têm-me ajudado muito mais e em coisas muito mais importantes. Um dia estava numa farmácia para comprar medicamentos, eram 26 mil rands (quase 1.500 euros), eu não tinha dinheiro, não lhes tinha pedido nada, mas um dos membros dos Red Skins foi lá e pagou a conta. Nem sei como agradecer-lhes. Já lhes disse que, aconteça o que acontecer, irei sempre jogar com o equipamento dos Red Skins.
FPG – Mas então como conseguiste, apesar de tudo, jogar alguns torneios e esta Escola?
AR – Há outro grupo de portugueses na África do Sul, chamado os Challengers, mas que, na realidade, é composto em 90 por cento por pessoas que também pertencem aos Red Skins. Eles financiaram-me alguns torneios. E os Red Skins perguntaram-me se eu ia jogar de novo a Escola de Qualificação e disse-lhes que não, mas eles não aceitaram isso, pagaram-me a inscrição e disseram-me que eu tinha de jogar.
FPG – É nestas situações, Tó, que vemos a força dos emigrantes portugueses, como eles sentem o nosso país, às vezes com mais força do que os que cá vivem…
AR – …É, é, eles sabem tudo o que de importante se passa no golfe português. Seguiram atentamente o ano do Ricardo Santos e a descida dele ao Challenge Tour; vibraram com os êxitos do Ricardo Melo Gouveia; ficaram com pena de verem o Tiago Cruz falhar a Escola por 1 única pancada (play-off); talvez não saibam, é certo, o que se passa nos torneios da PGA de Portugal, mas seguem atentamente tudo o que fazem os melhores portugueses.
FPG – Há um ano disseste-me que se tivesses sido convocado, terias vindo a Portugal jogar a Taça Manuel Agrellos e que pensavas em fevereiro ou março vir a Portugal, visitar a família e que se houvesse torneios da PGA de Portugal nessa altura até jogarias alguns. Claro que acabou por não ser possível e calculo que agora já nem saibas quando poderás visitar Portugal?
AR – É impossível fazer planos. Temos de viver o dia a dia. É claro que não vou a Portugal se isso significar deixar a Rita sozinha. Se ela puder viajar de avião, talvez tente, mas é uma pergunta impossível de responder. Mesmo aqui, sei que irei jogar alguns torneios que são mais perto, em Joanesburgo, mas de resto não posso planear muito. Mas se vais estar com o “pessoal” na Taça Manuel Agrellos para a semana, manda um abraço meu a todos.