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Uma golfista cidadã do mundo de alma portuguesa
21/12/2015 12:17 HUGO RIBEIRO
Joana de Sá Pereira em actuação no Açores Ladies Open / © LUÌS RIBEIRO SOARES

Joana de Sá Pereira quer jogar na alta-roda mundial sob as cores nacionais

Foi poucas semanas antes da 5.ª edição do Açores Ladies Open, do qual GolfTattoo foi parceiro de media, que soube da existência de Joana de Sá Pereira. Susana Ribeiro e Mónia Bernardo estavam a jogar o Campeonato Nacional PGA Solverde e perguntaram-me se eu sabia que havia outra portuguesa a competir no circuito internacional. 

Recordei-me que Susana já me tinha falado que contactara pelas redes sociais uma portuguesa que andava no Ladies European Tour Access Series. Pedi-lhes o contacto e comecei a conversar várias vezes, à distância de um clique, com Joana de Sá Pereira que, para minha surpresa, preferia escrever-me em português do que em inglês ou em francês. 

E quando já em pleno Clube de Golfe da Ilha Terceira me deu esta entrevista, voltou a sublinhar que queria que fosse na língua paterna, que domina com um encantador sotaque nortenho, remetendo-me imediatamente para os primeiros contactos que tive há 11 anos com Filipe Lima. 

Joana também reside em França, mas é cada vez mais uma cidadã do Mundo, de tantas experiências diferentes que viveu. Mas por muito que viaje, sente-se sempre muito portuguesa e essa é-lhe uma questão muito cara e recorrente quer nesta entrevista, quer nas frequentes conversas que temos tido onde o sorriso fácil e as convicções fortes foram outras características que saltaram à vista, tal como o seu porte atlético. 

GolfTattoo dá-lhe a conhecer um pouco mais a outra portuguesa que há pouco mais de uma semana esteve em Marrocos a lutar, sem êxito, pelo cartão do Ladies European Tour de 2016. 

GOLFTATTOO – Joana, não sabemos nada de ti, conta-nos um pouco da tua vida porque não me parece que tenhas nascido em Portugal. 

JOANA DE SÁ PEREIRA – Nasci em Berna, na Suíça, no dia 23 de julho de 1990 [25 anos] e resido em Cannes, no Sul da França. O meu pai, Mário de Sá Pereira, nasceu em Ervedosa (no concelho de Vinhais, distrito de Bragança) e é um empresário hoteleiro, tendo estudado hotelaria em Lausana (Suíça). A minha mãe, Paula Maria Lopes Morais, é de Bragança.

Bem, vou precisar que elabores um pouco mais…

Saí da Suíça para as Bahamas quando tinha uns 3 ou 6 meses. Nunca mais voltei à Suíça para morar. Os meus pais são portugueses, mas o meu pai estudou na escola de hotelaria em Lausana e depois numa universidade nos Estados Unidos. Teve então um trabalho como General Manager nas Bahamas e daí fomos para a China, Portugal.

Fui para Portugal por volta dos 7 anos, voltámos às Bahamas, o meu pai teve um trabalho na China, eu a minha irmã mais nova (Sofia, de 21 anos, jogava golfe e parou) e a minha mãe fomos com ele para a China, a adaptação foi difícil e fomos para Macau teria eu uns 8 anos. De férias, fomos visitar o meu pai a Sanya em Hainan, e um dos melhores amigos dele era profissional de golfe. O meu pai meteu-me um taco nas mãos, tive uma lição com o JoJo. No início achei que era um desporto de idiotas, mas fui gostando cada vez mais e transformou-se num vício. Eu a minha irmã e a minha mãe regressámos a Portugal, teria uns 9 anos, comecei a jogar golfe seriamente em Portugal e aí fiquei entre 1998 e 2001, jogávamos na Quinta do Fojo porque morávamos no Porto.

O meu pai ficou na China sete anos e Portugal era muito longe. Então fomos morar para a Austrália, porque ficava “só” a dez horas de voo da China. Morávamos em Brisbane, no Queensland, e continuámos a jogar golfe. Fui fazer um estágio numa academia onde conheci o Jason Day quando ele tinha uns 14 ou 15 anos. Tínhamos um programa de golfe na escola, a minha mãe levava-nos para os torneios e fazia de caddie ora de uma, ora de outra.

Estive na Austrália dos 11 aos 14 anos. Em 2004 o meu pai ficou muito doente e aí a vida mudou. O meu pai e um amigo compraram um restaurante em Cannes, em França, onde ainda vivemos. Desde junho de 2004 que vivemos em França.

Entre 2006 e 2008 fui para a Academia IMG na Florida (David Leadbetter) onde fiz o equivalente ao 10.º e 11.º anos de escolaridade. Foi aí que conheci o Pedro Figueiredo, na escola. Voltei a vê-lo na única vez em que joguei o Campeonato Internacional de Portugal. Conheci também lá o Peter Uihlein e muitas raparigas que agora estão no LPGA e no LET.

Voltei para casa para terminar o 12.º, em 2009 tive um full scholarship para a Universidade do Texas, em 2012 integrei a equipa e descobriram que tinha um grande problema no ombro direito, fui operada, foram 14 meses de reabilitação, sem poder pegar num taco. Um ano e meio depois comecei a jogar devagarinho e ainda joguei dois anos na universidade. Devido à operação, propuseram-me que fizesse um MBA todo pago, enquanto jogava pela equipa. Nos EUA eles dão-nos 4 anos para jogarmos. Se há um acidente, uma lesão, etc., dão-nos uma extensão médica e recebemos um ano suplementar para continuarmos a estudar e a jogar. Daí o MBA acelerado. Fiz toda a licenciatura e pós-graduação em cinco anos e meio, o que também não é para qualquer uma. Acabei com nota de 3,85 num máximo de 4! Apresentei uma tese sobre a Nestlé.

Com seu pai e caddie no Clube de Golfe da Ilha Terceira © Luís Ribeiro Soares

Bem, isso é que tem sido viver de rajada. Mas na universidade em que estavas, no Texas (University of the Incarnate Word), não podias jogar na primeira divisão do NCAA. Vi que tens muitos recordes da tua universidade. Tens a noção do real valor que tinhas em comparação com as melhores jogadoras do circuito universitário americano?

Houve um momento, antes de ser operada ao ombro, em que estava no top-15 de todas as jogadoras universitárias dos Estados Unidos. Só que a cartilagem foi deteriorando e um dia, num torneio em que fiz duas voltas de 74 e acabei em 2.º, quis abrir uma porta e o braço deixou de funcionar. Tentei tratamentos, cortisona, mas nada adiantou e tive de ser operada. A cartilagem foi toda refeita e recebi enxertos. Agora só dói quando está mau tempo, mas é normal. Mas posso fazer preparação física normal, incluindo musculação. Comecei a jogar na Division II e em 2013 a universidade candidatou-se para passar à Division I porque em cinco modalidades desportivas diferentes já estávamos a derrotar com regularidade todas as escolas da Divison I. Não sei sabem como isto funciona mas para passar temos de, durante três ou quatro anos, ficar sob um estatuto de análise e nesse período transitório não podemos qualificar-nos para os Campeonatos Regionais ou Nacionais. Só em 2016, quando essa análise terminar, a minha universidade poderá ir a essas competições. Portanto, eu pude competir nos torneios normais da NCAA mas sempre sem hipóteses de apuramento para os grandes campeonatos.

Com uma vida tão atribulada, de saltimbanco, não deve ter sido fácil arranjar estabilidade de trabalho com treinadores…

Não me lembro de quem treinava comigo em Portugal, mas na Austrália tive um treinador e na Universidade também tive uma equipa de treinadores durante quase seis anos. Mesmo depois da operação foram eles que me ajudaram a começar de novo e senti que o golfe era como andar de bicicleta, não se esquece.

Essa operação deve ter-te obrigado a alterar a tua técnica.

Alterei o meu swing de acordo com o que foi preciso para poder adaptar um novo swing ao novo ombro. Antes, eu não tinha tanto lag no swing e depois deste problema fiquei com um bocadinho mais de lag. Não foi assim tão difícil. Não voltei nem gostaria de voltar ao swing anterior.

E agora que já vives há alguns meses em França tens algum treinador?

Cheguei a França em dezembro de 2014 e o meu pai passou a ser o meu treinador. Ele joga muito bem, tem handicap 10, mas joga para nível de 6, 7 ou 8 e tem olho para ver os erros dos outros. É bom a corrigi-los. Por isso, prefiro treinar com ele até porque conhece bem o meu swing, sabe como funciona, pode estar comigo muitas vezes, é o meu caddie. Agora, quando acabar a época e regressar a casa vou começar com um novo treinador, Aymeric Veyre, já conversámos, é uma pessoa muito certinha, aberta de bom espírito, estuda biomecânica, faz boas análises de swing. Eu tenho a sorte de ter como patrocinador um dos melhores centros de osteopatia em França e quem trabalha comigo é o fundador da escola de osteopatia e formador de osteopatas em França. O meu novo treinador também trabalha muito com eles e também gosta de muito treino físico na praia, porque cria estabilidade entre o trem superior e inferior. E como eu vivo perto da praia é ainda mais fácil. O meu treinador trabalha para o Golf Swing Institute, onde o meu pai é um dos sócios. Já tivemos muitos jovens como, por exemplo, o francês que ganhou o British Amateur, o Romain Langasque, e há também outros profissionais. Há uma italiana que está a jogar este torneio nos Açores, a Elisabetta Bertini, que também tem ido lá.

Fala-nos mais desse instituto onde treina.

O Instituto está em Sophia Antipolis, onde há cerca de 3.500 empresas, incluindo o centro Harttman, com o qual trabalhamos. Jogo em Royal Mougins, onde o meu pai é sócio, e em Cannes Mougins. Quando tinha 14 anos treinava em Cannes Mougins, onde tinha um treinador que, infelizmente, faleceu em 2005 e só há seis meses voltei a esse clube. Não sou sócia mas tenho um acordo para poder jogar nos dois campos.

E agora que te tornaste profissional, continuas a ter a carreira ligada ao IMG?

Já não tenho ligação à IMG. O meu pai e o sócio dele, o Jorge, é que tratam de tudo. É uma equipa muito familiar. O pai, o sócio, o novo treinador, o preparador físico com o qual faço trabalho físico quatro vezes por semana. Tento ter uma equipa isolada porque quanto mais pessoas, mais informação tenho e depois é mais difícil processá-la. Gosto de ter as coisas simples e não ter demasiada informação de demasiada gente.

Nesse caso, se não tens uma empresa nem um agente, como financias esta passagem de amadora a profissional?

É o meu pai que suporta financeiramente a carreira. Tenho alguns patrocínios mas até nisso são do pai. A ideia é um dia não depender dele. No início é difícil passar de amador a profissional. Uns passam mais facilmente porque têm bons conhecimentos. Mas eu estive seis anos na universidade e nesse tempo não pude ter empresários nem patrocínios. Nem sequer devo falar com eles e isso afasta-nos um pouco do meio. Mas faria tudo igual porque joguei grandes torneios e ganhei muita experiência. Para além de ter saído com um diploma. No caso de acontecer alguma coisa, ao menos tenho um plano de recurso. Há jogadoras que estão no circuito e não têm plano-B. E a formação é sempre útil para gerirmos as atividades paralelas que tenhamos à nossa carreira, como sucede com o Luke Donald e a Annika Sorenstam, que usam os conhecimentos aprendidos na universidade para gerirem os seus negócios para além do golfe.

A bandeira de Portugal no saco da jogadora © LUÍS RIBEIRO SOARES

Porque não optaste por iniciar a carreira profissional nos Estados Unidos, onde poderia haver mais oportunidades, embora seja também mais competitivo?

Passei seis anos nos Estados Unidos e já não me apetecia estar mais tempo lá. Teria de mudar toda a minha logística para lá. O que quero fazer é jogar no Ladies European Tour durante uns dois anos e depois passar ao LPGA. Estive muito tempo sem a minha família e fora da Europa. A mentalidade americana é diferente. Um dia gostaria de jogar nos dois circuitos em simultâneo. Há quem consiga fazê-lo e eu vou conseguir também. Mas inicialmente tenho de fazer primeiro um e depois o outro.

Falavas há pouco de um plano alternativo e pareces convencida de que irás passar a Escola de Qualificação do LET. E se não passares?

Ficarei um ano no LETAS (onde foi a 46ª da Ordem de Mérito este ano) se não passar a Escola de Qualificação… o que não vai acontecer… mas tem de haver sempre um plano-A, um B e um C.

Como nunca te vimos jogar antes, como te caracterizas como jogadora?

Prefiro falar dos meus pontos mais fortes… driving, o meu driver é o meu melhor amigo. Quase nunca tenho problemas com ele. Tenho um swing quase sempre igual. Tenho a vantagem de bater comprido e de fazer fairways, só que faço tudo ao carry, esteja o terreno seco ou molhado, tanto faz, a minha bola não gosta muito de rolar, aterra e fica. Tenho trabalhado muito no putting e é muito bom, o jogo de ferros também. O meu ponto mais fraco poderá ser o jogo curto mas neste momento tenho tudo a funcionar bem.

Ficaste surpreendida com o top-10 em Hamburgo, o top-15 em Estrasburgo, o top-20 em Gravenwezel e o top-25 em Vihti antes de vires para os Açores [onde não passou o cut]?

Não fiquei surpreendida com os bons resultados no LETAS. Tudo depende do trabalho que colocamos em cima. Ter o meu pai como caddie ajuda. O meu sonho era de passar a profissional e o dele de ser o meu caddie. Ele e a minha mãe continuam a trabalhar mas ele tem a sorte de poder viajar comigo. Ele é o gestor do restaurante e ela a sub-gerente.

Em Portugal ninguém sabia que havia uma portuguesa a jogar o LETAS. E no circuito, sabe-se que és portuguesa?

Todas as jogadoras sabem que sou portuguesa. Quando eu jogo com o meu pai de caddie, as línguas podem variar do inglês no tee, ao francês no fairway e ao português nos greens (risos). Só cria confusão. Aprendi inglês e português ao mesmo tempo e o inglês é a minha primeira língua. A minha mãe quis muito que a minha irmã e eu aprendêssemos português.

E manténs alguma ligação física ao país? Vens cá com frequência?

Eu e o meu pai tentamos vir todos os anos ou pelo menos uma vez em cada dois anos a Portugal. Toda a família ainda mora neste país. Em Bragança visitamos a minha avó, mas o resto da família é de Lisboa, alguns tios e tias, e alguns primos do Porto. Mas não me lembro muito do golfe que joguei em Portugal. Nem dos campos em que joguei, nem dos treinadores que tive, nem jogadores com quem tenha jogado.

Foram duas jogadoras portuguesas que me falaram de ti…

… Sim, uma das jogadoras portuguesas (Susana Ribeiro) entrou em contacto comigo pelo Facebook e isso foi uma coisa boa porque eu ando demasiado incógnita em Portugal. 

Porque decidiste representar Portugal? Afinal tiveste oportunidade de escolher outro país?

Para mim é uma honra representar Portugal e já ando com a bandeira portuguesa no saco. Mantive sempre nacionalidade portuguesa, seja cartão de cidadão, seja passaporte, nunca tive outra nacionalidade. E mesmo se algum dia tiver dupla nacionalidade, a portuguesa será sempre a principal. Só a carta de condução é que é francesa, mas ainda hei-de pedir a portuguesa. Jogo por Portugal por que adoro e amo Portugal e sou orgulhosa de ser portuguesa e de representar o meu país.

Sabes quem é o Filipe Lima?

Sei quem é, mas não o conheço.

Encaras a hipótese de algum dia morar em Portugal? E quanto a competir mais vezes no teu país, para além deste Açores Ladies Open?

Não faço a mínima ideia se irei viver em França para sempre. E posso vir competir a Portugal quando quiserem. Não há problema nenhum. Morar é mais complicado, mas vir cá, de Nice a Lisboa são duas horas de voo. Venho quando for preciso e com todo o prazer, é só avisarem-me.

Alguma vez contactaste a Federação Portuguesa de Golfe ou foste contactada por ela? E a PGA de Portugal?

Desde que sou profissional não falei com ninguém da FPG ou da PGA Portugal e também ninguém me contactou. Mandei um e-mail ao José Correia, para dizer-lhe quem sou, para informá-lo que represento Portugal, que passei a ser profissional não há muito tempo e que gostaria de competir a representar Portugal. E gostaria muito de ser membro da PGA de Portugal. Estou à espera que ele me responda.

Sabes que temos um português provisoriamente dentro dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro? Isso seria uma perspetiva interessante para ti?

Gostaria de falar com alguém da FPG ou da PGA de Portugal para saber mais informações sobra os Jogos Olímpicos de 2016. Gostaria de saber como é que posso participar. É mais um dos meus sonhos, representar Portugal nos Jogos Olímpicos, mesmo que sejam noutros, mas também sonho de fazer parte da Solheim Cup e ganhar majors. Este ano fui à Solheim Cup, porque sou muito amiga do caddie da Melissa Reid e ele pediu-me para ir lá. Mas nos Estados Unidos não ia muito ver torneios. Na Europa também não, porque prefiro ver golfe na televisão. O plano é daqui a dois anos verem-me na Solheim Cup! 

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.