
Ricardo Melo Gouveia na terceira e última parte de uma grande entrevista que lhe foi feita por Hugo Ribeiro
Ricardo Melo Gouveia morou no Algarve, Londres, Madrid e agora em Lisboa. Entretanto, foi pai. Nesta última parte da entrevista a GolfTattoo / Tee Times Golf Agency, o n.º1 nacional mostra o seu lado mais privado, familiar e começa a perceber que o seu papel no golfe nacional vai extravasando os bons resultados e classificações que vai alcançando no DP World Tour.
GOLFTATTOO – Já tiveste épocas em que andaste pelo DP World Tour sozinho e outras em que tiveste a companhia do Ricardo Santos, do Filipe Lima e do Pedro Figueiredo. Agora, vais estar uma época inteira com o Daniel da Costa Rodrigues. Como é que reagiste ao sucesso do Dani na Escola de Qualificação?
RICARDO MELO GOUVEIA – Fiquei bastante contente. Liguei-lhe logo ontem (a entrevista efetuou-se um dia depois do êxito de Dani em Espanha). É excecional o que ele fez e a consistência que tem demonstrado, não só cá, na Europa, mas também nos Estados Unidos. Infelizmente vai ter que abdicar de um lado, que vai acabar por ser os Estados Unidos, mas acredito que prosseguindo o percurso que tem feito, irá chegar ao objetivo dele, que é o PGA Tour, que também é o meu. Mas ter a companhia dele será muito bom. Ao mesmo tempo, fiquei triste pelo Pedro Figueiredo (falhou a subida de divisão por duas pancadas). Seria ideal estarmos os três (no DP World Tour), mas o Pedro deu tudo dele e teve uma grande atitude. Ontem, eu estava a treinar no ginásio e não estava a conseguir fazer o meu treino, porque estava constantemente a ver os resultados. Sabia que o Pedro estava ali muito perto, mas fico bastante contente pelo Dani e acho que para o golfe nacional vai ser importante ter mais um na elite europeia.
GT – O Nuno Presa Cardoso, presidente do Lisbon Sports Club, avisou-me que estás a subir muito em audiências nas redes sociais. Não tinha essa consciência, mas é algo, obviamente, importante para modalidade. Isso é importante para ti? E foi algo provocado ou foi um acaso?
RMG – Foi provocado, entre aspas. Foi um trabalho que achei que era importante e comecei a trabalhar com o Nuno, com a empresa dele, a Nossa (agência). Comecei a apostar mais nessa parte, a mostrar um bocadinho mais o que é a minha vida, a expor-me um bocadinho mais, a dinamizar mais o golfe, tendo sempre essa minha mensagem de mostrar ao atleta português que é possível chegar ao mais alto nível.
GT – O teu pai (Tomás), a dada altura, envolveu-se na política de golfe e chegou a fazer parte de uma Direção da Federação Portuguesa de Golfe. O teu amigo, Pedro Figueiredo, também envolveu-se um pouco, nos corpos sociais da PGA Portugal. E tu? alguma vez importaste-te com a política de golfe? Ligas a quem é o presidente da FPG, a quem é o presidente da PGA Portugal?
RMG – Interessa, interessa. Comecei a olhar mais para isso. Senti que era importante preocupar-me um bocadinho mais com isso e dar a minha voz. O meu pai demonstrou o que era a sua opinião, o que ele achava que deveria ser o rumo do golfe em Portugal. Acho que isso foi importante. Agora, vou estando atento às ocorrências na FPG, estou em constante contacto direto com esta Direção, tanto com o Miguel Gaspar (com o pelouro do alto rendimento, das seleções nacionais, do profissionalismo), como com o presidente da FPG, o Pedro Nunes Pedro. Já tivemos algumas reuniões e acho que é importante esta ligação entre os profissionais e a FPG.

GT – Creio que és adepto do Sporting Clube de Portugal. O teu grande amigo do circuito, o Pedro Figueiredo, até já representou o Sport Lisboa e o Benfica. Nessa altura em que ele era atleta do SLB vocês brincavam um com o outro? Olhavas para o saco dele, vias ali o símbolo do Benfica… como reagias?
RMG – Brincávamos muitas vezes, principalmente quando tirávamos fotografias juntos e ele metia o saco do Benfica virado para a frente. Eu dizia-lhe para ele meter o saco virado de lado (risos). Nós apoiamos cada um o seu clube e é uma rivalidade muito sã. O Pedro, hoje em dia, também já não é aquele fanático de antigamente. Da minha parte, houve ali uma fase em que o Sporting não estava tão bem, então, deixei de interessar-me muito pelo futebol português. Estava mais a ver a Premier League, mas, depois, com a conquista de títulos, a passagem do Ruben Amorim e esta fase tão boa agora, voltei a ver com muito entusiasmo o grande Sporting regressar às vitórias e a dar alegrias aos sportinguistas.
GT – Este ano fui surpreendido por uma entrevista do Pedro Figueiredo à SportTV em que ele, às tantas, começou a falar da equipa do Benfica, dos jogadores, das táticas, do que é que se podia fazer melhor para tirar partido dos jogadores, das novas contratações, enfim, um conhecimento que pareceu-me profundo. Também és assim? Muito vidrado?
RMG – Percebo minimamente, mas não ao ponto do Pedro. O Pedro, o meu irmão (Tomás, jogador no HotelPlanner Tour) e alguns dos nossos amigos têm um grupo em que jogam ao Fantasy. Isso obriga-os a estudar as táticas das várias equipas, acabam por aprofundar um bocadinho. Eu nunca entrei nisso, nunca foi muito o meu interesse, portanto não sou tão treinador nesse sentido, mas sigo e gosto de ver os jogos.
GT – E quando o Pedro teve essa relação mais comercial com o Benfica, não te passou pela cabeça poderes contactar também o SCP? Afinal, o Sporting também tem uma seção de golfe.
RMG – Houve um contacto inicial. Eu até fui a um jogo contra o Benfica, só que, foi uma coisa estranha, eles contactaram-me, fui ao jogo, a pessoa que me contactou estava lá, mas depois também não meu deu muito feedback, não deu seguimento. Senti que, na altura, o Sporting, se calhar, olhou para mim como: OK, isto é o Sporting Clube de Portugal, ele é que tem mais interesse do que nós. Portanto, acabei por seguir o meu caminho e não surgiu a oportunidade de aprofundar essa relação. Adoraria representar o Sporting na nossa modalidade, que é o golfe, e estou aberto, se quiserem, mas teria de ser uma coisa séria.
GT – E o teu filho, é sócio do Sporting, é adepto do Sporting?
RMG – Sim, é sócio. O meu irmão Tomás, que é o padrinho dele, fê-lo logo sócio desde nascença. Ele já foi ao estádio comigo e adorou. Quando vamos para a escola ele pede-me as músicas do Sporting. Quando saímos da escola, quando vou buscá-lo, pede-me as músicas do Sporting. Ontem, no carro, queria ir ao estádio.
Ricardo Melo Gouveia com a sua equipa em Wenthworth no BMW PGA Championship 2025 © RMG
GT – Há dias estive a ouvir o Rafael Nadal, que esteve em Lisboa, e ele, a dada altura, falou de como a vida se torna diferente a partir do momento em que foi pai. As saudades são muitas, a vontade de viajar já não é tanta e a forma como conseguiu resolver o assunto foi viajar o máximo possível com a família. Claro que ele pode, tem recursos financeiros que não estão ao teu alcance. Para ti não é tão fácil viajares com a tua família.
RMG – Há um equilíbrio importante. Eu adoro que eles venham, tanto a Carolina como o António, e vários elementos da minha família. Só que a Carolina também trabalha. Quando ela vai, tem que estar também concentrada no seu trabalho e levarmos o António sem o apoio de uma creche, ou da minha mãe ou do meu pai, que às vezes também acompanham-me nos torneios, torna-se difícil. Isso requer (que eu dê) mais atenção (às coisas) fora do golfe e isso, muitas vezes, tira-me momentos de descanso. Por outro lado, é muito bom, porque tira-me um bocadinho a mente (da competição). É um equilíbrio que é importante alcançar. Eu adoro tê-los nos torneios, mas infelizmente também não consigo tê-los em todos os torneios. O António, agora, também está na escola e é importante que ele crie esse hábito de ir à escola, que esteja com as educadoras, com os seus amigos. Há vários fatores que tentamos ponderar e pôr na balança.
GT – Nesta época de 2025, por exemplo, foram contigo o quê? Três, quatro vezes?
RMG – Mais. Para aí umas seis vezes. Ainda foram alguns torneios. Agora também consigo vir mais vezes a casa e quando estou uma ou duas semanas, dá para estar algum tempo com eles. Mas não deixa de ser muito difícil de cada vez que há uma partida. O António, cada vez mais, percebe que eu vou e depois volto, percebe o que vou fazer. Houve uma altura que não percebia e ficava muitas vezes chateado com essa situação – até mesmo quando falava comigo em chamadas por vídeo. Ele mostrava esse descontentamento. Hoje em dia já percebe, a coisa é diferente. Para mim é que já é mais difícil partir, porque a interação que tenho com ele é completamente diferente. Ele já tem três anos, está numa fase em que é muito o pai, gosta muito de fazer programas comigo, de estar comigo, mesmo em casa sinto isso. Daí que comece a ser mais difícil, mas faz parte da minha profissão e já estou um bocadinho calejado para isso.
GT – Ser pai mudou-te como jogador ou consegues criar uma bolha quando estás a jogar?
RMG – Consigo criar essa bolha e até mesmo em casa estou, cada vez mais, a criar a minha rotina. Houve ali uma altura em que foi bastante difícil alcançar essa rotina, mas já crio os meus momentos em que preciso de estar focado. A coisa começou a rolar naturalmente e, hoje em dia, já temos, tanto eu como a Carolina, uma rotina muito boa. E conseguimos ter também o nosso tempo. Temos o apoio da família, que pode ficar com o António, e quando viajamos temos apoio da família que fica com o Buba, o nosso cão. Temos a coisa muito bem gerida, estruturada e isso, para mim, é fundamental. Eu tenho de sentir que a família está bem, tenho de sentir que eu estou bem, para que as coisas possam fluir nos torneios.
Com o seu irmão Tomás Melo Gouveia no Timestamp Golf Tour Final by PGA National, Aroeira © Rodrigo Gatinho
GT – Vocês foram sempre uma família muito unida. O teu pai fez muito parte da tua carreira, continua a fazer e aparece muito a ver-te em torneios. A tua mãe também. E o teu irmão? Como é agora o teu relacionamento com o Tomás? Foi sempre muito bom, mas agora anda cada um para o seu lado, cada um no seu circuito profissional. Este ano, ele teve algumas vitórias (três em Portugal). Como estás a ver o Tomás?
RMG – No último ano não estive muito com ele, porque os calendários não casaram muito bem. Mas vejo que o meu irmão teve um início de época muito bom e vinha de uma época anterior em que fez uma coisa incrível, que foi conseguir o cartão (para o HotelPlanner tour) só com convites. Ele amadureceu muito. Sinto que o potencial dele é gigante. Ele está realmente a trabalhar para os seus objetivos, tem uma equipa técnica atrás dele muito similar à minha. Sinto que ele precisa de acreditar um bocadinho mais nas suas capacidades. Sinto que olha para si próprio como ainda não sendo o jogador que realmente já é, com o potencial que tem. Quando ele perceber exatamente aquilo que consegue fazer lá fora, vai dar um salto gigante. Teve uma época em que, no final, não atingiu o que queria. Mas vai competir no Challenge Tour e acho que poderá ser importante para ele ter uma época mais restrita de torneios do Challenge Tour. Vai poder focar-se mais e preparar-se melhor para esses torneios. E, se calhar, ter também um bocadinho mais tempo de descanso entre torneios. Isso será importante para ele. A próxima época poderá ser aquela em que o Tomás, acreditando nas suas capacidades, fazendo as coisas bem, dará o salto e, quem sabe, fazer-me companhia no European Tour no ano seguinte.
GT – Acompanhei muito o Tomás este ano. Aliás ele ajudou-nos bastante na promoção do Timestamp Golf Tour. Reparei que ele está sempre atento ao que andas a fazer. E tu? Quando ele ganha um torneio estás consciente disso e falas com ele, mandas-lhe mensagens?
RMG – Claro, estou sempre a acompanhá-lo. E, realmente, em Portugal, ou ganhava ou ficava ali muito perto. Por isso, cada vez mais penso, porque não? Se ganhamos aqui em Portugal, por que não ganhar no Challenge Tour? Claro que o panorama nacional e o internacional têm níveis diferentes, como é óbvio, mas e uma vitória é sempre uma vitória, em qualquer lado do mundo e em qualquer circuito, porque é sempre difícil ganhar. É um bocadinho encontrar esse equilíbrio, olhar para ele e acreditar que é mesmo possível essa vitória no panorama internacional.
GT – Lembro-me de que, a dada altura, andavas a mudar de casa e a procurar qual seria o melhor sítio. Falavas de um centro na Europa de onde fosse fácil viajar para todo o mundo. Moraste em Madrid e em Londres, no Algarve e agora em Lisboa. Conta-nos um pouco sobre o processo. Há quanto tempo estás em Lisboa, porque optaste por Lisboa, se está a funcionar como o tal ‘hub’ para a tua carreira?
RMG – No início, quando ganhei pela primeira vez o cartão para o European Tour, a minha mulher, a Carolina (Almeida Pires), já estava em Londres a trabalhar e fazia todo o sentido. Fui para Londres, comecei a viver lá e foram seis anos muito bons. Depois, queríamos sair de Londres, aconteceu o Brexit, as coisas estavam a mudar e queríamos começar a viver mais perto de Portugal, mas ainda queríamos ir para outra cidade fora de Portugal, embora perto. Decidimos ir para Madrid. Entretanto, a Carolina engravidou e o processo de voltarmos a Portugal surgiu mais rapidamente. Precisávamos do apoio da família, porque eu estou muito tempo fora. Decidimos vir para Lisboa, onde temos a maior parte da família e também estou perto do Algarve. Sempre que estou em Portugal, posso ir ver os meus treinadores e a minha equipa técnica que está no Algarve. Estamos em Lisboa já há três anos e não pensamos mudar tão cedo.