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Eric Abreu. Sem ele, o que seria de Melo Gouveia?
19/05/2015 11:21 Rodrigo Cordoeiro
tags: Eric Abreu
Fotografado por GolfTattoo no Hotel Magnolia, perto da Quinta do Lago / © FILIPE GUERRA

Luso-americano tem sido fundamental na transição de portugueses para os EUA

Quem conhece a carreira de Ricardo Melo Gouveia, sabe a importância que nela teve os quatro anos (2010-2014) que passou nos Estados Unidos, onde cresceu imensamente como jogador. Provavelmente, se não tivesse atravessado o Atlântico, “Melinho” não seria o jogador que é hoje, o melhor português no ranking mundial de profissionais (322.º), uma das grandes figuras do Challenge Tour. O que pouca gente sabe é que foi o luso-americano Eric Abreu, ou “Porgie”, como é conhecido, antigo futebolista profissional e histórico treinador de golfe e de futebol na Lynn University (em Boca Raton, Florida), que lhe abriu a porta para a América. “Era a nossa última esperança”, recorda o pai de Ricardo, Tomás Melo Gouveia. 

Flashback para 2009: Melo Gouveia sagra-se campeão nacional amador absoluto na ilha de Porto Santo e, dias depois, põe os tacos de lado indefinidamente, alegando desgaste de golfe e dúvidas quanto ao rumo a tomar na sua vida. Esta paragem não durou mais de dois meses, mas, entretanto, desistira já da bolsa garantida para ingressar nesse Verão na Universidade do Minnesotta. Para ir para os EUA, precisava de esperar mais um ano e de tentar encontrar uma universidade alternativa, o que, a dada altura, se afigurava impossível de concretizar.

Foi através de Rui Jóia, pai de José Maria Jóia, ou “Pepito”, companheiro de Ricardo no Clube de Golfe de Vilamoura, e também ele com vontade de ir para os EUA, que se estabeleceu o contacto providencial com Eric Abreu. Por uma mera coincidência: em Sines, em conversa com um empresário, Rui disse-lhe que tinha um filho golfista que queria ir para uma universidade dos EUA, e este respondeu-lhe que conhecia um tipo português que era coach na Florida. “Foi decisivo. Sem o Eric Abreu, provavelmente, nenhum dos dois teria ido para os EUA”, considera Rui Jóia. 

Quando tudo parecia perdido, “Melinho” e “Pepito” acabaram por ingressar na Lynn University no Verão de 2010 e contribuíram para um ano histórico dos "Fighting Knights", que se sagraram vice-campeões nacionais na Divisão 2 da NCAA (National Collegiate Athletic Association), com um recorde de sete vitórias colectivas. Individualmente, Melo Gouveia ganhou duas vezes durante a sua campanha de estreia, obtendo um total de nove top 10 e uma média recordista de 71.16 pancadas em 38 voltas. Jóia, por seu lado, venceu uma vez registando seis top 10 e uma média de 72.64, a quinta mais baixa de sempre. 

“Foi um grande ano para a Linn University”, reconhece Eric Abreu. “Tínhamos uma equipa fantástica em todos os aspectos, com dois portugueses, dois escoceses e um suíço. Acabámos no segundo lugar a nível nacional, falhando o título por uma pancada apenas no NCAA Division 2 Men’s National Championship. Os dois portugueses foram grandes activos na equipa. Não só grandes jogadores, mas bons estudantes, tendo representado de forma magnífica a Lynn. Foi uma honra tê-los connosco, e um prazer ser o seu treinador.”

Eric Abreu de férias no Algarve, em conversa com GolfTattoo / © FILIPE GUERRA

Infelizmente para a Lynn, esta seria a primeira e única temporada dos dois portugueses ao serviço dos Fighting Knigths. Os seus desempenhos não tinham passado despercebidos: foram ambos eleitos para a All-Freshmen Team, a equipa de sonho dos caloiros do circuito universitário americano, e Melo Gouveia foi eleito o melhor rookie da Divisão 2. No seu segundo ano nos EUA, Ricardo e José Maria mudaram-se para a Divisão 1 da NCAA, para os Knights da University of Central Florida (UCF), em Orlando, onde Melo Gouveia se tornaria o segundo melhor golfista de sempre na sua história. 

“Nós, na Lynn, tivemos muita pena de vê-los partir. Mas a vida continua…”, comenta, a propósito, Eric Abreu, que, embora se tenha reformado logo a seguir, continua, desde então, a ajudar outros portugueses a ir para os EUA, como Tomás Melo Gouveia (irmão de Ricardo), Tiago Rodrigues (ambos no Rollins College, em Winter Parl, Florida), Francisco Oliveira (Point University, na Gerogia) e João Magalhães (em vias de ingressar na Point University), não só nos contactos com as universidades e respectivos treinadores, como no aconselhamento e na orientação de todos os procedimentos para eles lá chegarem. “Está no meu carácter ajudar”, justifica.

“O Eric foi, sem dúvida, muito importante, pois foi a pessoa que me ajudou a conseguir entrar na Lynn e depois, lá, foi como um pai para mim, ajudando em tudo o que era preciso”, conta Ricardo Melo Gouveia. “Foi não só uma grande ajuda para mim mas também para o José Maria Jóia e mais recentemente para meu irmão, para o Tiago Rodrigues e outros jogadores que estão a tentar também a sua sorte lá fora. É uma pessoa muito especial que me ajudou muito e que percebeu que eu tinha potencial e por isso puxou muito por mim. Devo-lhe muito.” 

“Foi ele que catapultou a minha ida e a do Ricardo para a Lynn”, sublinha “Pepito”. “Foi sempre um óptimo apoio para nós no primeiro ano lá, fez sempre tudo o que foi possível para nos ajudar, pois era também o assistant coach na nossa equipa de golfe." Diz Tiago Rodrigues: “Sem o Eric, provavelmente nunca teria ido para a Rollins. A todos os portugueses que pensam ir para universidades nos EUA, recomendo que falem com o Eric. A sua experiência e conhecimento ajudaram-me a escolher a melhor universidade e pode ajudar outros.” Francisco Oliveira: “Sem ele, não tinha conseguido vir para cá.” 

QUEM É ERIC ABREU? 

Eurico de Abreu é natural da Madeira, da freguesia de São Martinho, no Funchal, que fica ao lado da de Santo António, que é a de Cristiano Ronaldo. Com seis anos, emigrou para a África do Sul, mais concretamente para Pretoria. Desde logo começou a jogar golfe, porque, como ele diz, é o que se faz na África do Sul quando não se está atrás de raparigas ou a beber. Mas o seu desporto de eleição foi o futebol – tornar-se-ia mesmo futebolista profissional (médio de posição), assinando o seu primeiro contrato em 1961 pelo Arcadia Sheperds Football Club. 

Foi um autêntico globetrotter, tendo jogado não só na África do Sul (Berea Park, Arcadia, Callies e Bofutustwana), como no Japão (Yomuiri, agora Tokyo Verde), Filipinas (PTGW Manil), Nova Zelândia (Wellington Diamon United), Austrália (Preston Macedonia e Brisbane Lions) e Hong Kong (Caroline Hill e Easterns), Suazilândia e Lesoto. Durante esse período, representou o Japão e Hong Kong em cinco jogos All-Star. Ele era “Porgie”, alcunha que lhe foi colocada na África do Sul para contornar o menos mediático nome próprio.

Com Pelé (no meio) em Hong Kong, num jogo de exibição. Eric é o primeiro da esquerda / © D.R. 

Em voo no match Caroline Hill vs. Glasgow Rangers, no Estádio Nacional de Hong Kong / © D.R. 

Finda a sua carreira como futebolista em 1979, com 34 anos, foi para a Alemanha tirar o curso de treinador na Hennef Sports School, em Colónia, mas ainda jogaria dois anos como amador e treinador-adjunto pelos Arcadia Sheperds e também treinou os Callies de Pretoria, clube da primeira divisão sul-africana. Finalmente, em Fevereiro de 1985, foi convidado para treinador de futebol na Lynn University, onde ficaria até se reformar em 2011, não só envolvido no programa de futebol, mas também, a partir da década de 1990, no de golfe.

Durante esses 26 anos na Lynn University, Eric Abreu foi assistant coach da equipa de futebol masculina dos Fighting Knights e head coach da equipa de golfe de 1993-2005 e assistant coach de 2005 a 2011. Convém esclarecer aqui que assistant coach é o treinador efectivo, aquele que trata dos treinos, que está com os jogadores; já o head coach é mais como um manager, o que trata da papelada. “Sempre preferi estar com os jogadores”, diz. 

Nenhum homem teve maior influência do que Eric Abreu no desporto da Lynn University. Os títulos falam por si. Sob a sua batuta, os Fighting Knights conquistaram três títulos nacionais no futebol (incluindo o primeiro da sua história, em 1987, no NAIA National Soccer Championship) e um no golfe, além de 10 vitórias colectivas em provas de golfe da conferência Sunshine State e 111 nomeações de jogadores seus para selecções All-American. 

Em 2013, Eric Abreu, entrou para o Lynn Hall of Fame, e a universidade reservou-lhe um vídeo de homenagem no qual, através de testemunhos de todos os que com ele lidaram, se pode constatar a alta estima e respeito com que sempre foi visto nesta instituição de Boca Raton. “Ele utilizava sempre uma frase famosa para me ajudar a manter focado e que eu ainda hoje uso: Se falhas na preparação, prepara-te para falhares”, recorda o futebolista Jean Alexandre. Ross Lumden, também futebolista, diz que as palavras de encorajamento de “Porgie” aos avançados serão para sempre recordadas: “Hit the fucking target, man!” 

O seu lado humano está sempre presente: Byron Warner, outro futebolista: “Nunca esquecerei a forma como ele estava sempre presente. Sabia sempre o que dizer, como dizer e quando dizer. Não será exagero dizer que foi um mentor formidável, que fazia sobressair o melhor das pessoas e as motivava a melhorar.” Paul Turner, o Decano dos Estudantes, afirma: “Como treinador, como agente, como amigo, ele fez coisas maravilhosas pelas pessoas aqui. Nunca era sobre ele, era sempre sobre o jogador, e isso é que o faz especial. Com ele, nunca parecia difícil, para ele não era trabalho.”

Com a sua namorada Charlie, em Honolulu / © D.R. 

Eric Abreu não tem filhos e, na única ocasião em que se casou, em 1979, separou-se no mesmo ano. Hoje em dia, reformado, leva uma dolce vita. Mora em Honolulu, no paradisíaco Havai, com a sua namorada nativa, Charlie. Joga golfe com frequência (é 8 de handicap), sendo membro do Honolulu Country Club, e quando se chateia vem umas semanas para Portugal, onde tem uma casa em Algoz, no Algarve, aproveitando para rever amigos, incluindo os das famílias de Melo Gouveia, Jóia ou Tiago Rodrigues. Faz, aliás, questão de acompanhar e de se manter em contacto com os golfistas portugueses que ajudou a ir para os EUA. 

“Tornou-se um grande amigo da família, fazemos sempre jantares com ele”, diz José Maria Jóia. E Tiago Rodrigues: “Desde de que nos conhecemos, o Eric, não só ficou meu amigo, como de toda a minha família. No primeiro Verão que voltei da Rollins de férias, o Eric e a Charlie vieram a Portugal e ficaram em nossa casa por alguns dias, e foi interessantíssimo mostrar-lhes esta parte de Portugal e ouvir do Eric todas as suas histórias que viveu no futebol em todo o mundo.” 

“Tento ajudar os miúdos, porque, na minha juventude, também eu fui ajudado e também eu queria conhecer outros países”, afirma Eric Abreu. “Gosto de abrir portas para os mais jovens e, se um dia mais tarde eles tiveram sucesso nas suas profissões, irei gostar de pensar que dei a minha pequena contribuição. Gostava de ver o Ricardo [Melo Gouveia] ganhar o Portugal Masters. Acho que ele vai ser muito bom, tem todas as ferramentas para ser um grande jogador.”