Primeiro site de Fórmula 1 com origem portuguesa tem a sua chancela
Quando desafiei o jornalista Sérgio Veiga, especialista em desporto motorizado, para uma entrevista no GolfTattoo, ele avisou-me: “Olha que eu sou um golfista um bocado out, gosto do passeio e do jogo mas não sei puto de golfe! Não consigo ter uma conversa de cinco minutos sobre golfe e só sei que gosto do Jiménez porque tem uma pinta do cacete.” Mais me avisava, para o caso de eu querer uma fotografia dele junto ao seu saco de golfe, que os seus tacos nunca tinham visto uma “pinguinha de água, a não ser quando chove”. E rematava: “É esse o jogador de golfe que eu sou. Mas jogo todas as semanas.”
A coisa prometia. O golfe é um desporto que se põe a jeito para situações caricatas e o Sérgio Veiga, com quem trabalhei no início dos anos 90 na secção de desporto do jornal “Público”, tem um sentido de humor omnipresente. Só ele seria capaz de sublinhar, após vencer um torneio de match play do Clube de Golfe dos Jornalistas em Belas que, nesse dia, o “golfe bateu no fundo”. Já para não falar do seu “problema” quando teve as primeiras aulas de golfe, na Academia de Galamares, em Colares, Sintra, e que desesperava o seu instrutor: “Custava-me estragar a relva. Ainda hoje, quando arranco um bife, fico incomodado.”
Para ele, o golfe sempre tinha sido encarado como um desporto de velhos. Até que um belo dia, em 1999, cedeu às insistências do seu colega Alfredo Lavrador para que o experimentasse, à margem de uma apresentação da Nissan na ilha de São Miguel, nos Açores. “Nessa ocasião fui acompanhar o Alfredo numa volta no campo da Batalha, levei-lhe o trolley” e, de vez em quando, dava uma ou outra outra tacada", conta. “No buraco 15 já não aguentava com uma gata pelo rabo. Cheguei à club house e sentia-me como se tivesse sido atropelado por um camião TIR. Riram-se de mim, fui alvo de galhofa. Comecei a olhar para o golfe de outra forma, como um desafio, mais difícil do que parecia na televisão, em espaços sempre bonitos.”
Na sua casa em Oeiras em conversa com GolfTattoo / © FILIPE GUERRA
Hoje, aos 52 anos, Sérgio Veiga é um 17 de handicap, embora reconheça que não tem jogo para tal. “De vez em quando há aqueles incidentes em que tudo corre bem. Mas mesmo que jogue aos domingos com os amigos, entrego o cartão, quero é baixar o handicap”, refere. O jogo lento tira-o do sério e nunca perde muito tempo à procura de bolas perdidas: “Há algum desrespeito no campo neste particular, não custa nada deixar passar. Mas acho que com os estrangeiros existem mais motivos de queixa. No entanto, não me passa pela cabeça ter uma discussão num campo de golfe.”
Sérgio Veiga é um golfista fora do vulgar até pelas dificuldades que tem em jogar ferros. “O meu jogo assenta nas madeiras de fairway”, diz. “O ferro 3 que tenho no saco é só para fazer peso. Uma vez, numa aula no Jamor, com o Miguel Nunes Pedro, estava a bater muito bem o ferro 8 e só dava shanks com o 7. Foi um autêntico mistério.” Já fez um hole-in-one, mas, picarescamente, não tem provas. Foi no buraco 8 do Paço do Lumiar, em Lisboa. “Estava a jogar sozinho e não havia mais ninguém no campo”. Também já lhe aconteceu bater um shot no 6 de Belas e ver a bola bater nas pedras dos dois lados do lago e depois aterrar novamente a seus pés.
“Não levo o golfe a sério, é um hobbie que pratico para para me divertir”, conclui. “Às pessoas dizem que é relaxante, mas não é bem assim. Há muitas irritações, por vezes só apetece atirar o taco para lago. É um jogo de uma grande crueldade, mas que ensina a ser humilde. Mas, quatro horas bem passadas no golfe com três bons companheiros é qualquer coisa que nos enche a alma e que torna a nossa semana bem melhor.” Além do mais, considera o golfe um desporto essencialmente mental e, daqueles milhares de frases emblemáticas sobre a modalidade, há uma que elege, aquela que diz que “o golfe é jogado na sua maior parte num campo de dez centímetros: a distância entre as nossas duas orelhas”.
Nascido em Lisboa há 52 anos, Sérgio Veiga é filho de Carlos Miranda, histórico director do jornal “A Bola” entre 1975 e 1995, e foi lá que iniciou a sua carreira jornalística, curiosamente, sem que o seu pai soubesse. Num dia de Julho de 1981 em que este estava na Volta à França (em bicicleta), o chefe de redacção do jornal, Vítor Santos, convidou Sérgio para colaborador. Quando Carlos Miranda, já regressado do Tour de France, diz ao filho, em casa, que no dia seguinte vai trabalhar, este responde: “Eu também vou.” Poderia assinar Sérgio Miranda, optou pelo “Veiga” para se demarcar do pai-director.
Escrevendo também para outras publicações “motorizadas”, Sérgio manteve a colaboração com “A Bola” até Novembro de 1989 (fazendo também reportagens no futebol – pertence-lhe, por exemplo, a primeira entrevista a Futre n’A Bola), altura que passou integrar a equipa fundadora do jornal “Público”, onde se manteve até Agosto de 1993. Aqui chegado, integrou então pela primeira vez os quadros de “A Bola”, lá se mantendo até ao ano passado, sendo que entre 2000 e 2011 teve a seu cargo a revista do grupo Auto Foco, mais virada para a indústria automóvel. Ao longo da sua carreira jornalística, esteve presente em 60 grandes prémios de Fórmula 1.
Entrevistando Alain Prost / © D.R.
Actualmente está desempregado, mas não parado: lançou em Fevereiro o primeiro e único site de Fórmula 1 em Portugal, o F1Flash. “Ver as notícias, transmiti-las, é quase uma necessidade como respirar ou comer. A minha ideia era fazer um site de automóveis em geral, mas comecei a ver e, em português, já há muitos”, explica. “Aconselharam-me a concentrar-me em nichos e, para grande surpresa minha, porque de facto nunca tinha procurado, constatei que não havia um site sobre Fórmula 1 em Portugal.”
A este propósito, Sérgio lembra que a F1 teve um problema em Portugal: o fim das transmissões em canal aberto. “Se te recordares”, diz-me, “houve muita gente que passou a gostar de Fórmula 1 porque era a sua companhia dos almoços de domingo, numa altura em que no país só havia dois canais de televisão. Foi muito à custa disso que ganhou popularidade em Portugal. Quando passou para a SportTV, perdeu-se essa ligação às pessoas que não eram fãs incondicionais mas que gostavam de ver.”
E continua: “É uma modalidade com muita coisa complicada, muitos regulamentos, muita tecnologia, muitas jogadas políticas e financeiras, e há muitos interesses à volta daquilo tudo. O F1Flash quer descomplicar de maneira a atrair pessoas que gostavam de F1 e que deixaram de acompanhar. Continua a ser uma disciplina apaixonante, são os carros mais rápidos, não digo em linha recta, pois nesse caso os de Le Mans são mais rápidos, mas numa volta em circuito, com curvas e travagens incluídas, enfim, não há carros que consigam andar mais rápido numa pista.”
Recebendo Ayrton Senna no aeroporto de Lisboa (último à direita) / © D.R.
Para Sérgio Veiga, que começou a acompanhar a Fórmula 1 nos anos 80, esta mudou muito. “Não tem nada a ver com o que é agora. É engraçado pensar nisso agora, porque naquele tempo entrávamos nos bastidores de um grande prémio e ficávamos fascinados com aquela tecnologia toda, e de repente olhamos para esses tempo e é tudo tão arcaico. E depois, a acessibilidade era muito maior, podíamos entrar nas boxes e falar com os pilotos. Hoje em dia, ninguém entra nas boxes e são precisos três assessores para chegar aos pilotos.”
Há vários episódios ilustrativos de como as coisas, antigamente, eram bem mais abertas nos anos 80 e 90: Por exemplo, Sérgio lembra-se de ver o último modelo da McLaren, chegado de avião a Portugal, num camião de caixa aberta no Estoril. “Actualmente as coisas estão a atingir um nível paranóico, os carros chegam com biombos, o que é uma coisa tonta, porque tudo acaba por se saber”, compara.
Outro exemplo, contado pelo jornalista: “O Nelson Piquet às vezes era difícil, era de bom humor quando estava bem disposto e era terrível quando estava mal-disposto. Eu ainda era meio miúdo, para mim ele era o senhor Nelson Piquet. Por vezes, eu dirigia-me aos pilotos a medo, já tinha levado resposta forte e não sabia com o que contava. Lembro-me que numa paragem para a pausa do almoço no Estoril fui ter com ele e abordei-o para uma entrevista, ao que ele acedeu colocando-me amistosamente a mão no ombro.” Actualmente isso é quase impossível de acontecer.”
À portal de "A Bola", com Vítor Serpa (director) e o piloto António Félix da Costa / © D.R.
A popularidade da Fórmula 1, essa, mantém-se inalterada: “Num Grande Prémio, estão presentes 600 a 800 jornalistas, é o desporto com maior visibilidade desportiva a seguir ao Mundial de Futebol e aos Jogos Olímpicos. Tudo cresceu muito na Fórmula 1, movimenta-se muito dinheiro, há uma grande exigência por parte dos patrocinadores e aos pilotos não é só pedido que se sentem nos carros, tem conferências de imprensa, entrevistas, acções dos patrocinadores. Eu costumo dizer que só quando eles estão a conduzir é que têm descanso.”
Há coisas que um curioso como eu não resiste a perguntar: por exemplo, quem foi, para Sérgio Veiga, o melhor piloto de Fórmula 1 de todos os tempos? “É uma pergunta que não se pode fazer”, responde. “Não podes comparar um Fangio que correu nos anos 50 com um carro difícil de guiar, mas com poucas provas por ano, com um Senna que correu muito mais mas num carro mais evoluído e com Vettel que corre agora no carro mais evoluído de sempre, e que nunca correram uns contra os outros. O Schumacher é incontornável, o Senna, o Prost também, o próprio Lauda, embora tenha comece nos anos 70. Na actualidade, o Alonso, o Hamilton e o Vettel têm mais qualquer coisa que os outros.”
Outra pergunta: quem é melhor piloto, o piloto de ralis ou o piloto de Fórmula 1? “Há muito poucos pilotos que tenha feito as duas coisas, e com sucesso não existe”, responde. “Temos um caso curioso, o do Pedro Matos Chaves, que teve uma belíssima carreira nas pistas, com muitas vitórias, mas que quando chegou à Fórmula 1 não teve quaisquer hipóteses porque não tinha carro e nunca conseguiu passar das pré-qualificações, era péssimo o carro dele. Mais tarde fez a conversão para ralis e, como piloto da Toyota, acho que consegue ser campeão nacional dois anos, em 1999 e 2000. Kimi Raikonen fez duas épocas de ralis e no entanto regressou à Fórmula 1 e voltou aos pódios. O tipo de condução não tem nada a ver.”
E sobre o Grande Prémio de Portugal, que teve a sua última edição em 1997…? “É pouco popular dizer isto, mas vejo com naturalidade que não haja Grande de Prémio de Portugal, porque custa muito dinheiro”, considera. “Não digo que não fosse um bom investimento, porque o retorno que dá é muito grande. No entanto, hoje não seria certamente bem visto que o governo arranjasse 25 milhões de euros para o Grande Prémio. Os pilotos gostavam de cá vir, gostavam da pista do Estoril, do ambiente… Tenho pena que tenha acabado, e, com o circuito a virar-se cada vez mais para oriente, vai ser difícil nos tempos mais próximos sonhar com ter o Grande Prémio de Portugal.”
Sérgio Veiga lançou o F1 Flash em parceria com Patrick Sardinha, fundador da equipa responsável pelo projecto izigo.pt. “Temos estado a crescer, tem havido um interesse crescente, curiosamente, até do lado do Brasil. Já ultrapassámos as 90 mil page views. O site foca essencialmente na actualidade e nas notícias, mas também tem o seu espaço para opinião, histórias e “dossiers”, que é um bocadinho aquilo que o ‘Observador’ faz com a sua rubrica chamada ‘Explicador’, descomplicando temas e assuntos. Ainda não chegámos à fase de procurar receitas, mas o objectivo final, naturalmente, é transformar o F1 Flash num negócio.”
Ah, e sobre a sua predileção pelo golfista espanhol Miguel Angel Jiménez, que, aos 51 anos, continua a dar cartas ao mais alto nível, como se viu neste último fim-de-semana, em que se tornou o primeiro jogador a coleccionar 10 hole-in-ones no European Tour e em que foi segundo classificado no BMW PGA Championship, prova-bandeira do circuito. “É a prova da forma pouco séria como levo o golfe. Eu já achava piada à figura, e quando há uns anos fui ver um Open de Portugal e me deparo com ele no driving range a fumar um charuto e de barriga saliente, disse para mim mesmo: ‘Este tipo é o meu herói.’ Percebe-se que ele, sendo um grande profissional, percebe que a vida para além do golfe, sabe apreciá-la.”
Como Sérgio Veiga sempre soube...