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Ele capta vida selvagem nos campos de golfe
23/09/2014 16:52 Rodrigo Cordoeiro
Diogo Marecos Duarte em terreno conhecido: o campo do Jamor / © FILIPE GUERRA

O fotógrafo profissional Diogo Marecos Duarte é pioneiro em Portugal nesta actividade

Diogo Marecos Duarte, de 33 anos, residente em Colares, criou em 2011 a empresa Wildlife Experience, que organiza tours de “birdwatching” conduzindo grupos através das zonas de maior interesse em veículos todo-o-terreno e percursos pedestres, dispondo ainda de uma rede de abrigos fixos para fotografia de vida selvagem. A fotografia de vida selvagem é, aliás, uma das suas especialidades e estende-se, desde 2013, a campos de golfe – já fez levantamentos nos percursos do Jamor e do Vidago Palace. E por que não haver observatórios de vida selvagem nos campos de golfe? Essa é uma realidade, lembra, que já existe em Espanha e até em Portugal, na Quinta do Lago. E com tendência a crescer. O seu trabalho no Jamor pode ser visto em Slide Show neste site.

GOLFTATTOO – Diogo, como é que tudo começou para ti no que diz respeito a fotografar a vida animal selvagem nos campos de golfe? 

DIOGO MARECOS DUARTE – Tudo começou num desafio que me foi feito pela Federação Portuguesa de Golfe, especificamente para o campo de golfe do Jamor. Pediram-me que fizesse um levantamento da fauna selvagem que lá existia com o objectivo de medir, digamos assim, o impacto ambiental na implementação do respectivo campo de golfe de 9 buracos. Do meu ponto de vista, o impacto é positivo, nomeadamente pela presença constante de água. Normalmente, água é o significado de vida. 

Ficaste surpreendido com o que encontraste no Centro Nacional de Formação de Golfe do Jamor? 

Fiquei surpreendido com a presença de algumas espécies. Já esperava que fosse rico, porque Portugal é, por natureza, um país rico em fauna selvagem. Não esperava encontrar algumas espécies que consegui fotografar, como o goraz ou garça nocturna. Também não esperava encontrar aqui peneireiros e uma águia calçada. E também um passariforme mais pequeno, uma ave migratória, a Toutinegra Tomilheira. Quando estamos a fotografar no campo, nada é 100 por cento previsível. Por incrível que pareça não apanhei fotografia nenhuma de gaivota, mas tenho a certeza de que se vier cá no pico do Inverno isto está cheio. Gaivotas em terra, tempestade no mar. 

Ao todo quantas espécies foram encontradas no Jamor? 

Fotografei 48 espécies. Observei, sem fotografar, outras 15, 16 espécies. Sobretudo aves. Sem ser aves, vi répteis: uma cobra rateira bastante grande, a maior cobra da península ibérica, lá em cima, mesmo ao pé da auto-estrada; o cágado mediterrânico, uma espécie que só aqui existe ali por causa de um lago, ao lado da ribeira de Oeiras. Depois, mamíferos, vi bastantes, como coelhos bravos. E ainda encontrei rastos de raposa-gineta. Gineta é um mustelídio, parecido com o gato bravo mas não é da família do gato bravo, é mais da família do saca-rabos, que é um mangusto. 

E entretanto surgiu outro convite para fotografares no Vidago Palace Golf Course...

No Vidago Palace e também no parque de Pedras Salgadas. Neste caso foi um desafio que foi colocado a uma empresa de bird watching – a Bird Watching Portugal – que por sua vez me desafiou a fazer o levantamento fotográfico da fauna existente nestas duas áreas, quer em Vidago, quer em Pedras Salgadas. Para mais tarde incluírem nos seus programas a observação da natureza como complemento da oferta turística. A observação de aves como actividade turística é muito comum no norte da Europa. Só no Reino Unido existem cerca de 6 milhões de pessoas que praticam observação de aves. A Wild Life Experience tem como actividade não só a observação da natureza mas também a fotografia de vida selvagem. 

Diogo Marecos Duarte possui sofisticado material fotográfico / © FILIPE GUERRA

Está a crescer o número de adeptos de bird watching em Portugal? 

Está. Está a crescer tanto em termos de adeptos de nacionalidade portuguesa como de estrangeiros que vêm a Portugal praticar observação de aves e vida selvagem. 

Há alguma estimativa em termos de números? 

Números concretos não sei dizer. A Estremadura espanhola, que é uma área com características muito semelhantes ao nosso Alentejo, teve cerca de 150 mil turistas a visitá-la para observação de aves. 

E que surpresas é que encontraste em Vidago? 

Ainda não houve. Não estava à espera de encontrar tantos esquilos vermelhos, acabou por ser uma espécie muito comum de observar e fotografar. Algumas aves de rapina, como o açor, que é uma ave difícil de avistar, normalmente habita em bosques muito fechados, é uma ave muito esquiva. Mas felizmente conseguimos observar um açor em pleno acto de caça, a apanhar um pequeno esquilo vermelho e a levá-lo. 

Como é que começou tudo para ti nesta actividade? 

Eu fui criado desde pequeno no campo. No Alentejo, quer na zona de Portalegre, quer na zona de Montemor-o-Novo. Na família havia tradição de agricultura e de caça. Ou seja, o know-how de comportamento animal vem um bocadinho da caça, que deu origem à paixão pela fotografia de vida selvagem, até porque desde pequeno aquilo que eu gostava de ver na televisão eram documentários de vida selvagem, livros de fotografia de vida selvagem, guias de aves, etc…

Esta é uma pose habitual no trabalho profissional do fotógrafo / © FILIPE GUERRA 

E a criação da tua empresa – Wildlife Experience – como aconteceu? 

Foi em 2011. A inspiração veio de uma empresa na Hungria que constrói abrigos especializados para fotografia de vida selvagem, abrigos esses que são específicos para recriar habitats, ou que são colocados numa charca ou num lago para fotografar aves aquáticas; por vezes são colocados pequenos bebedouros ou comedouros em frente dos abrigos para fotografar aves mais pequenas, passariformes que vão beber água, ou então criar um comedouro. Isto no intuito de fazer com que os clientes possam estar muito mais perto das árvores e consigam boas fotografias de vida selvagem. O primeiro levantamento fotográfico que a Wildlife Experience fez em Portugal foi na Herdade do Esporão. Mas foi mais no intuito de fazer um complemento turístico de observação da natureza. A actividade principal da Herdade do Esporão em termos turísticos é o Enoturismo. Fizemos seis semanas de levantamento, num terreno de 1800 hectares. Ultrapassámos as 150 espécies de animais fotografados. 

Por que motivo veio a inspiração da Hungria e não, por exemplo, do Reino Unido, onde, como disseste, existem 6 milhões de adeptos destas actividades? 

A empresa pioneira a nível europeu foi esta da Hungria, criada por um dos melhores fotógrafos de vida selvagem, o húngaro Benz Maté. Ele criou esses abrigos para desenvolver o trabalho dele e hoje em dia já tem uma rede de abrigos na Hungria, no Pantanal brasileiro, na Costa Rica, e, recentemente, começou a construir os primeiros abrigos na África do Sul. 

Bico de Lacre. Apanhado no Jamor pela câmara de Diogo Marecos Duarte

E que tal tem corrido a actividade da empresa? 

Em Portugal há muito trabalho de campo por fazer. A nossa grande comparação aqui acaba por ser Espanha, por razões óbvias: as características naturais são muito semelhantes, quer em termos de cenário, quer em termos de espécies, mas em Espanha tem havido um grande investimento nos últimos anos no sentido de se criar infra-estruturas para que as pessoas consigam ter os melhores resultados, quer na observação de aves e animais selvagens, quer em termos de fotografia. De maneira que uma das coisas que nos tem dado bastante trabalho na Wildlife Experience tem sido esta  primeira abordagem de fazer um levantamento de que é que há e aonde para que depois possamos levar clientes sem ser um bocadinho à descoberta. Também temos desenvolvido os nossos abrigos em parceria com algumas herdades particulares, e também em território de pessoas conhecidas que simplesmente cedem o terreno, onde podemos fazer as nossas experiências em abrigos e, claro, implementar os primeiros abrigos. 

Quantos abrigos da Wildlife Experince há a funcionar? 

Neste momento tenho quatro abrigos a funcionar. Há ainda a opção de abrigos móveis, que acabam por ser umas tendas camufladas, para coisas mais pontuais.

Quais são os desafios da Wildlife Experience? 

Conseguir captar clientes para, como é óbvio, virem fazer observação de fotografia de aves e vida selvagem em Portugal; continuar a trabalhar neste levantamento e criação de infra-estruturas para a prática desta modalidade; também criar mais awareness sobre o potencial de vida selvagem como actividade turística em Portugal. Portugal tem características únicas para esta actividade. Só para termos uma noção, a nossa floresta do montado é o eco-sistema com a maior biodiversidade da Europa. 

Além de Jamor e Vidago, há perspectivas de desenvolveres trabalhos para outros campos? 

De momento, não. Mas um bom exemplo de como esta actividade pode estar compatibilizada com o golfe são os abrigos da Quinta do Lago, que são abertos ao público sem qualquer taxa de utilização, e que, por incrível que pareça, têm sempre gente, todos os dias há pessoas a visitá-los. 

Fala-me um bocadinho dessa nova tendência para a observação de vida selvagem nos campos de golfe. 

Em Portugal, temos o caso da Quinta do Lago. Em Espanha, sei que já há campos de golfe a investirem neste complemento, que permite que venha toda a família para o golfe, incluindo crianças. Podem contemplar e estar um bocadinho com a natureza, o que é saudável e está na moda. 

Tens concorrência em termo de actividade. 

Não muita, porque Portugal é um país onde o mercado de fotografia de vida selvagem é muito pequeno. Não há grande mercado de publicações, quer em papel, quer on-line, sobre vida selvagem, é um tema com pouca adesão em Portugal. 

E com que frequência fazes circuitos com os teus clientes? 

As melhores alturas do ano são entre fim de Março e Maio e os meses de Setembro e Outubro, porque são as alturas das épocas de migrações. O clima também é mais propício, mais agradável. Se formos fazer uma saída no Alentejo durante o Verão, vem o calor e os animais ficam completamente sossegados. Só há actividade razoável nas primeiras horas da manhã e depois ao fim da tarde.