AcyMailing Module

Pro
> Home / Artigos
“Fui melhor líder este ano do que em 2013 e 2014”
01/09/2015 14:36 RODRIGO CORDOEIRO
Fotografado no Jamor com o equipamento do Troféu Jacques Léglise; o jogador no crachá preso ao chapéu é Teodoro Soldati, campeão de golfe italiano falecido em Julho aos 15 anos, e que foi alvo de homenagem na Escócia / © FILIPE GUERRA

Miguel Franco de Sousa encerra triénio como capitão da Europa Continental no Troféu Jacques Léglise

Depois das derrotas de 2013 (Royal St. David’s Golf Club, País de Gales) e 2014 (Barsebäck Golf & Country Club, Suécia) como capitão (não jogador) da selecção da Europa Continental no Troféu Jacques Léglise (o encontro anual em boys, ou sub-18, frente à sua congénere da Grã-Bretanha-Irlanda), Miguel Franco de Sousa reconhece nesta entrevista que se sentiu pressionado para a edição deste ano, que decorreu a 28 e 29 de Agosto no Royal Dornoch Golf Club, na Escócia, e que foi a sua última no cargo “Ninguém quer passar por três derrotas consecutivas”, disse ao GolfTattoo. E, com efeito, ele não passou por isso, o match terminou empatado 12,5-12,5 no cômputo das 25 partidas realizadas em pares (foursomes) e singulares, mas a Grã-Bretanha-Irlanda, na condição de campeã em título, manteve a posse do troféu. E se há algum amargo de boca, também não deixou de ser doce a forma heróica como os jogadores continentais, a jogar fora, num campo de links que lhes é desfavorável, arrancaram o empate, nos limites, como que num derradeiro esforço para salvar a face do seu capitão. Franco de Sousa, secretário-geral da Federação Portuguesa de Golfe, foi apenas o segundo português a capitanear uma selecção da Europa em golfe, depois de Manuel Agrellos (actual presidente da FPG), este em 1998, em Perth, na Austrália, por ocasião do I Troféu Michael Bonallack, entre as equipas da Europa (incluindo britânicos) e da Ásia-Pacífico.

Equipa da Europa Continental no último Troféu Jacques Léglise / © D.R.

GOLFTATTOO – Vindo de duas derrotas consecutivas no Troféu Jacques Léglise, em que medida se sentiu pressionado para a edição que decorreu no último fim-de-semana, e que foi a sua terceira e última como capitão da Europa Continental?

MIGUEL FRANCO DE SOUSA – Sim, confesso que ia com uma pressão acrescida para evitar três anos, três derrotas. Ninguém quer passar por isso, e portanto era natural que este ano fosse com aspirações e com ambições de evitar que isso acontecesse. Não obstante não termos ganho (e acredito que podíamos perfeitamente ter ganho este ano), acabamos por considerar que o empate não foi um mau resultado (embora o objectivo fosse a vitória), tendo em conta que jogámos fora, num campo links, que se adequa muito mais ao tipo de jogo dos britânicos, e logo com muito vento e frio, e com um público bastante afluente a torcer pelos nossos adversários. 

Este foi um empate com sabor agridoce? 

Completamente. Tínhamos uma equipa muitíssimo forte, com excelentes jogadores. O próprio capitão da Grã-Bretanha-Irlanda, o Peter McEvoy, reconheceu que os nossos jogadores eram melhores, mas a verdade é que este é um torneio de match play, num tipo de campo onde não estamos habituados a jogar, e que exige uma imaginação e um jogo completamente diferentes. Não obstante os continentais jogarem cada vez mais em campos links, para eles é um jogo diferente. 

No primeiro dia ficámos a perder por 6,5-5,5, o défice de um ponto para o segundo dia, que na realidade era um ponto e meio porque o empate iria permitir à outra equipa manter o troféu. Tivemos uma reunião de equipa no final do primeiro dia, em que falámos sobretudo na necessidade de entrar muito fortes nos foursomes do segundo dia, era fundamental darmos a volta ao jogo, queríamos ter hipóteses, depois, nos singles da tarde. Ora, as coisas saíram exactamente como tínhamos planeado, mantivemos os mesmos pares, fizemos só algumas alterações na ordem de jogo e essa estratégia acabou por resultar muito bem: dos quatro matches de foursomes, ganhámos três e empatámos outro, o que nos permitiu ir para os singles da tarde com uma vantagem de dois pontos, margem relativamente boa para podermos garantir os quatro pontos de que precisávamos para chegarmos aos 13 pontos. 

Não aconteceu, nos singles tivemos praticamente sempre a perder o match até ao último buraco, acabámos por conseguir empatá-lo através do norueguês Viktor Okland, que estava a jogar na última partida contra o escocês Sandy Scott. O Vicktor ganhou o 18 de uma forma absolutamente categórica, com dois shots extraordinários e dois putts, era um par-4 muito difícil de vento contra. Portanto foi um desfecho com sabor agridoce para nós, saímos satisfeitos mas não totalmente contentes. 

Disse que podia perfeitamente ter vencido esta edição, mas por outro lado, o capitão da Grã-Bretanha-Irlanda considerou que a sua equipa podia ter ganho facilmente, lembrando que seus jogadores jogaram cinco vezes o 18 e perderam sempre lá... 

É completamente verdade. O match esteve do nosso lado depois dos foursomes, mas o início de tarde dos britânicos nos singles foi muito forte, tivemos algumas dificuldades, mas conseguimos empatar o match no 18 nas duas primeiras partidas e na quarta, através do islandês Gisli Sveinbergsson, do dinamarquês John Axelsen e do alemão Max Schmitt, respectivamente. Esse ponto e meio [0,5 pontos por empate] foi muito importante para mantermos o ritmo e o momentum para o nosso lado. O quarto jogador a ganhar no 18 foi, como já disse, o Viktor Okland na nona e última partida. E de manhã, nos foursomes, isso também tinha acontecido, pela dupla Viktor Okland/Kristoffer Reitan. Sem esses volte-faces no 18, eles teriam ganho muito facilmente o match. De qualquer maneira, havia 25 pontos em jogo, jogaram-se 25 matches, que correspondem a centenas de pancadas, e acabámos empatados, o que é extraordinário, e demonstra bem o equilíbrio dos encontros. 

As más condições climatéricas também não terão facilitado a tarefa dos continentais… 

Eu cheguei na segunda-feira, joguei na terça-feira, para ver as características do campo de uma forma prática, sem vento absolutamente nenhum, tal como não houve vento na quarta e na quinta-feira. Mas nos dias do torneio, sexta-feira e sábado, houve muito vento e frio. É curioso que os nossos jogadores tenham tido muitas dificuldades nos primeiros nove buracos da manhã, que eram jogados a favor do vento – foi, pelo contrário, a jogar contra o vento que demos sempre ao volta ao jogo. Estes links têm condições de jogo muito duras, do ponto de vista do terreno firme, seco. É muito difícil controlar a bola, os shots que se jogam naquele tipo de campos não tem nada a ver com aqueles campos que permitem que se jogue para cima da bandeira mesmo com vento a favor, que a bola faz back spin e fica ali ao pé; em Royal Dornoch, não, tens de jogar muita vezes para antes do green, para a bola entrar a rolar e ficar no green algures. É natural que os nossos jogadores, não sendo formados em campo links, tenham mais dificuldade do que os das ilhas; contra o vento já nos é possível jogar um bocadinho mais o nosso tipo de jogo, conseguimos impôr o nosso ritmo de uma forma completamente diferente. 

Houve alguma preparação especial da Equipa Continental tendo em conta que se tratava de um campo links? 

Cada jogador joga muito golfe pelas suas equipas, pelos seus países, alguns deles já tinham estado a jogar o British Boys, o Campeonato da Europa de Boys, o Campeonato da Europa Individual, e portanto não houve uma preparação específica. O grande trabalho que existe a nível técnico e de preparação do jogo está feito, o grande desafio é construir uma equipa em dois dias, com nove jogadores de sete países diferentes, com um capitão de Portugal e um vice-capitão de Espanha (Carlos del Corral). Não nos conhecemos bem uns aos outros, eu só conhecia bem o Kristoffer Reitan porque este já tinha jogado o ano passado. Os outros conhecia de ver nalguns torneios, estive com eles muito brevemente. O grande desafio do capitão é conseguir conjugar os foursomes, pôr toda a gente à vontade e a jogar bem.

Royal Dornoch Golf Club, palco da edição deste ano do Troféu Jacques Léglise / © D.R. 

E agora, findas as funções como capitão neste evento, o que se segue para si? 

Nada. Obviamente estarei disponível para qualquer desafio que a Associação Europeia de Golfe ou outra entidade me coloquem para desempenhar este tipo de funções, porque é um enorme orgulho para um português estar presente nestas ocasiões e uma experiência absolutamente única. Nestes três anos passaram jogadores fantásticos pelo Jacques Léglise, tivemos o italiano Renato Paratore, que já está no European Tour e que no passado fim-de-semana obteve o seu primeiro top 10, na República Checa; o alemão Dominic Foos, que ganhou recentemente no Challenge Tour com 17 anos; o espanhol Mario Galiano, que foi número um no ranking mundial amador; o sueco Markus Kinhult, que, ainda amador, foi décimo no Omega European Masters, em Crans-Sur-Sierre; ou o francês Romain Lagasque, que ganhou o British Amateur e jogou o British Open em consequência disso. 

Este ano tivemos novamente aqui jogadores que tenho a certeza vão ser bons jogadores no futuro. Acho que é muito gratificante ver passar pela nossa equipa jogadores que vão dar cartas no panorama internacional. 

Recorde-nos como aconteceu a sua nomeação para o cargo de capitão da Europa Continental para o triénio 2013-2015… 

Em 2013, acabei o meu termo no Championship Commitee da Associação Europeia de Golfe, e nessa altura o mesmo comité convidou-me para capitanear a selecção da Europa Continental por três anos. Sem hesitação, aceitei, portanto, foi uma nomeação. O próximo capitão é um excelente capitão, esteve comigo em Royal Dornoch, é o espanhol Carlos del Corral, um jogador muito experiente, que jogou pelas selecções de Espanha e foi profissional competindo no Challenge Tour. É uma pessoa com trato muito fácil, com uma forma muito simples de comunicar com os jogadores e que os respeita. Acredito que possa fazer um excelente trabalho nos próximos três anos. É director-ténico da Federação de Golfe de Madrid de golf, e foi meu vice-capitão este ano em Royal Dornoch. 

Esteve então a passar-lhe a pasta na Escócia… 

O passar a pasta é uma coisa relativa, porque cada capitão tem a sua personalidade, cada capitão tem a sua maneira de gerir as equipas, e acho que não há aqui uma fórmula cientifica em que se diga que as coisas se façam de uma certa maneira. Eu devo confessar que senti este ano uma enorme diferença enquanto capitão e enquanto líder de uma equipa de nove jogadores, em relação aos dois primeiros anos. 

Em que aspectos? 

Na forma como consegui lidar com os jogadores, nas diversas conversas e reuniões da equipa, na forma como construímos a equipa, na forma como conseguimos analisar cada um dos jogadores e, tendo em conta a sua personalidade, colocá-los em em determinadas ordens de jogo ou com determinados pares. Notei uma diferença muito grande. 

Acho que a experiência tem um papel muito importante nisto. E é importante que os capitães também tenham a noção daquilo que é jogar a um nível competitivo. É muito fácil levar qualquer capitão, mas se ele não sentir na pele o calor do momento na competição, ou o que os jogadores estão a passar naquele momento, corre o risco de fazer coisas totalmente descabidas. 

Ter essa noção de como se pode falar, de como se deve falar, em que altura é que se deve intervir, quem é que se deve apoiar, quem é que se deve deixar, enfim, é preciso ter essa sensibilidade sempre presente. Pela minha experiência como jogador, creio ter essa sensibilidade. No entanto, graças à experiência que adquiri desempenhando esta função em 2013 e 2014, senti que este ano desempenhei um papel muito melhor do que nos dois primeiros anos.

Em entrevista a GolfTattoo / © FILIPE GUERRA 

Ainda mantém algum cargo de dirigente de golfe a nível internacional? 

Tenho dois cargos: faço parte do Challenge Tour & Satelite Tour Commitee  e sou membro da Comissão Executiva da European Disabled Golf Association, que tem Tony Bennett como presidente. Neste último capítulo, tem sido um desafio engraçado, ao fim de um ano e meio ainda sinto uma enorme dificuldade em perceber as especificidades e as necessidade dos jogadores de golfe portadores de deficiência. 

O Challenge Tour é um circuito profissional… Como é que o encontramos fazendo parte uma das suas comissões? 

Há várias federações presentes nessa comissão, o que é lógico, pois os jogadores não chegam ao European Tour ou ao Challenge Tour por obra e graça do Espírito Santo, não há nenhum jogador que nasca e vá jogar imediatamente o Challenge Tour. Antes, houve um trabalho muito grande feito pelas federações, um grande investimento nos jogadores de alto rendimento, trabalho esse que nem sequer é reconhecido pelo European Tour. 

É um grupo de secretários-gerais de 19 países, que se reúne de forma informal, e que constata que o dinheiro que se gasta anualmente em desenvolvimento de alto rendimento com os amadores é absolutamente colossal. O sucesso que o golfe profissional europeu tem neste momento deve-se em larga escala ao trabalho que as federações têm feito. Estou aqui a lembrar-me do Martin Kaymer, do Rory McIlroy, do Sergio Garcia, todos eles passaram pelas selecções. 

Essas federações fazem um trabalho magnífico, de formação, de selecções, e depois entregam os jogadores ao European Tour numa bandeja dourada, com uma fita de seda à volta. Organizam-se eventos como a Ryder Cup, que envolve milhões de euros, sem que haja qualquer retorno para o golfe amador. Eu acho isto absolutamente inconcebível. 

E, portanto, nessas reuniões, temos oportunidade de demonstrar as nossas preocupações neste aspecto. O Cristophe Muniesa, director-executivo Federação de França, faz parte de um pequeno grupo de trabalho, ao qual pertenço, que trata precisamente da transição de amadores para profissionais; fizemos uma exposição nesta comissão a dizer que os jogadores não podem viver uma carreira de amadores e, de um momento para o outro, passarem a profissionais e voltarem à estaca zero. 

Como é que o número um do mundo ou da Europa decide passar a profissional e tem de jogar a Escola de Qualificação, ao lado de um curioso qualquer que decidiu pagar 1250 libras para jogar também. Isto não é justo. Um jogador amador, de topo mundial ou europeu, tem de ter uma categoria de jogo num circuito profissional! 

O European Tour tem pessoas que são muito sensíveis à materia, temos sido ouvidos e acreditamos que no curto prazo, dois ou três anos, vamos conseguir que os melhores jogadores amadores europeus tenham oportunidade de jogo no Challenge Tour. É mais do que natural. Se, por exemplo, o Mario Galiano está em numero um do ranking mundial amador e decide virar profissional, tem de ter uma época de Challenge Tour para demonstrar aquilo que vale, não pode ser como acontece com os nossos jogadores, que têm de andar atrás das suas equipas de management para ver se conseguem convites para torneios. 

A Federação Portuguesa de Golfe não tem dinheiro para organizar um Challenge Tour, nem sequer tem essa capacidade, pelo que andamos a pedir convites aos nossos amigos em França, Espanha e Itália. Da forma que estão as coisas, quem tem dinheiro consegue evoluir, quem não tem, mesmo tendo jogadores, não pode.