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Para Ricardo Melo Gouveia a quarentena é tempo de análise
23/04/2020 09:54 Hugo Ribeiro / Tee Times Golf
"Sinceramente, esta paragem está a ser bastante benéfica para mim”, diz Melo Gouveia

O melhor golfista português na segunda metade desta década espera regressar à competição em Agosto

Ricardo Melo Gouveia espera que seja possível haver torneios do Challenge Tour “em finais de Agosto ou Setembro» e tem-se mantido particularmente activo durante este período de confinamento.

A pandemia do novo coronavírus trouxe consequências negativas transversais a toda a sociedade e a Tee Times Golf, depois de ter sabido dos seus efeitos junto dos jogadores portugueses do European Tour – Pedro Figueiredo e Ricardo Santos –, pretendeu agora auscultar os golfistas nacionais que militam no Challenge Tour. 

Há dois portugueses membros da segunda divisão europeia na época de 2020, Ricardo Melo Gouveia e Filipe Lima, embora outros tenham categorias que lhes permitirão entrar em alguns torneios ao longo da época, e ainda outros que irão beneficiar de convites oferecidos pela Federação Portuguesa de Golfe. 

Não conseguimos contactar Filipe Lima, residente em França, mas Ricardo Melo Gouveia, que vive em Londres, veio passar esta prolongada "quarentena" à casa dos seus pais no Algarve e contou-nos como tem tentado tirar o melhor partido possível da situação. 

O profissional que representa a Quinta do Lago aproveitou a paragem competitiva forçada para intensificar as suas rotinas de treino. 

“Tenho treinado bastante até. Tenho a sorte de o meu pai ter um viveiro de relva com bastante espaço e, para além disso, montei uma rede em casa (para bater bolas). Tenho aproveitado também para melhorar a minha condição física e a parte mental. Treino todos os dias, excepto ao domingo, dia que aproveito para recarregar baterias para a semana seguinte”, disse o português de 28 anos. 

O atleta olímpico no Rio2016 treina com David Silva, residente na Finlândia, e está há quase um ano a refazer grande parte da sua técnica de jogo. Mas apesar da distância e da impossibilidade das periódicas semanas em que trabalhavam juntos, jogador e treinador têm conseguido alguns progressos em período de confinamento. 

“Estou sempre em contacto com a minha equipa, transmito o feedback do trabalho que estou a fazer e aquilo que acho que tem que ser melhorado ou alterado”, explicou, referindo-se não apenas ao treinador mas também ao preparador físico e mental coach

"Sinceramente, esta paragem está a ser bastante benéfica para mim porque está a dar-me tempo para analisar bem tudo o que tenho feito nos últimos anos e principalmente aquilo que tenho de alterar para dar a volta a esta situação”, admitiu. 

Ricardo Melo Gouveia é um dos melhores golfistas portugueses de sempre e possui alguns recordes nacionais importantes: é o único português a ter entrado no top-100 do ranking mundial (77.º em 2016), o único a vencer a Grande Final do Challenge Tour (em 2015), o único a terminar uma temporada como n.º1 do ranking do Challenge Tour (em 2015), o único a qualificar-se para o DP World Tour Championship, a prova de encerramento do European Tour (em 2016).

É, contudo, inegável que, apesar de ter conseguido o feito de militar quatro épocas consecutivas no European Tour (a primeira divisão europeia), entre 2016 e 2019, estava a ser cada vez mais difícil manter-se na elite europeia e no final de 2019 foi mesmo despromovido para o Challenge Tour.

Não obstante uma pré-temporada em que os seus níveis motivacionais elevaram-se, o jogador da Srixon não teve um bom início de época nos três torneios do Challenge Tour disputados na África do Sul.

Falhou o cut em todos, a sua melhor classificação foi um 123.º posto, o seu melhor resultado agregado foi de 1 pancada acima do Par, no seu melhor cartão assinou 69 pancadas (a única volta na casa das 60’s em sete rondas realizadas) e não arrecadou qualquer prémio monetário, com elevados custos nessa deslocação à África do Sul.  

A meio de março, o antigo n.º1 português decidiu inscrever-se no The Tour Championship do Portugal Pro Golf Tour, um circuito satélite internacional organizado pelo português José Correia.

Na altura pedimos a Ricardo Melo Gouveia como tinha vivido esse arranque negativo no Challenge Tour e a sua resposta foi bastante direta: “Não está a ser fácil. Há já alguns anos que não estou a ser capaz de encontrar o meu jogo. Estes três torneios também não me correram bem, senti que o meu jogo comprido não estava suficientemente bom, mas continuo a trabalhar para dar a volta à situação.”

David Silva, o antigo presidente da PGA de Portugal que treina o jogador, avisou-nos também nessa altura, em Troia, que uma alteração tão profunda de gestos técnicos implica “muita paciência e perseverança”, porque haverá sempre momentos de progresso e retrocesso. Mas também exige espírito de sacrifício porque “implica uma dedicação ao treino superior ao normal e muita paixão”. Esta suspensão de toda a competição veio dar esse tempo a Ricardo Melo Gouveia sem que esteja a atrasar-se em relação à concorrência.

O vencedor de três torneios do Challenge Tour em 2014 e 2015 não teve uma boa prestação no The Tour Championship em Troia. Foi 70.º classificado, com um total de 15 pancadas acima do Par, após voltas de 76 e 83!

Só para ter-se uma ideia do que significam estes números, Ricardo Melo Gouveia estreou-se em torneios do European Tour ou do Challenge Tour em 2010 (então ainda amador) e nestes dez últimos anos nunca tinha feito uma volta de 83 em nenhum destes circuitos europeus. Em dez anos tinha apenas uma volta de 82 e outra de 81.

“Fiquei bastante chateado com todo o meu jogo no torneio de Troia. Foi bom para perceber onde estava o meu jogo”, admitiu, sempre com aquela frontalidade que o caracteriza nos bons e maus momentos.

O The Tour Championship em Troia terminou a 14 de março. Desde então tem-se dedicado ao treino, com os olhos numa eventual retoma das competições.

“O European Tour tem-nos enviado constantemente emails com os desenvolvimentos dos adiamentos e cancelamentos de torneios”, declarou.

Para já, no que se refere ao Challenge Tour, o que está anunciado é que o Euram Bank Open, de 16 a 19 de julho, ainda não foi adiado nem cancelado e a Áustria é um dos países europeus que está a abrir mais cedo grande parte das suas atividades económicas.

No entanto, não há garantia nenhuma de que seja já possível viajar-se sem restrições em julho.

“Acho que em finais de Agosto ou Setembro as coisas vão começar a voltar à normalidade e com isso vão começar a jogar-se alguns torneios”, prognosticou Ricardo Melo Gouveia.

Se fosse esse o caso, ainda seria possível reorganizar o calendário até ao final de 2020, mas o jogador português alerta para uma situação que terá de ser ponderada: “O meu único medo é que haja um segundo surto, depois de as pessoas relaxarem um pouco mais e acharem que já passou tudo.”

O recomeço do circuito é ainda mais fundamental para os jogadores do Challenge Tour do que para os do European Tour porque, regra geral, têm menos receitas em patrocínios e muito menos em prémios monetários.

Ricardo Melo Gouveia está, ainda assim, numa situação melhor do que muitos, porque vem de quatro épocas consecutivas no European Tour e nesses quatro anos angariou em prémios oficiais 1,5 milhões de euros.

Claro que foi sujeito a impostos, muitas vezes na ordem dos 25% e 30%, e teve custos elevados em treinadores, caddies, viagens, alojamentos, alimentação, etc. Mas, mesmo assim, sente-se capaz de enfrentar a crise com que irá deparar em 2020: “Eu tenho ainda algumas reservas dos meus anos no circuito principal, mas sem ter hipótese de ganhar algum dinheiro vai ser complicado.”

Isso não o impede de pensar nos companheiros de profissão menos afortunados. Em Troia, há um mês, tinha-nos dito que “é uma situação ingrata porque muito do nosso ganha-pão vem dos prémios monetários dos torneios”.

Para mais, ao contrário do que tem acontecido noutras modalidades, ainda não foi anunciada qualquer medida de apoio aos jogadores mais desfavorecidos por parte do European Tour ou mesmo de federações nacionais.

“Se não se jogar mais este ano vai ser complicado para muita gente, especialmente no Challenge Tour e em circuitos satélite, onde o dinheiro é ainda mais escasso”, avisou Ricardo Melo Gouveia.