The Masters, em Augusta National, começa esta quinta-feira. Por que é tão invulgar?
A revista americana Golf Digest, a maior publicação de golfe do mundo, tem uma rubrica chamada Undercover Tour Pro, em que um jogador “infiltrado” no PGA Tour é convidado a escrever uma crónica sob anonimato. Certo Mr. X escreveu sobre o The Masters, no Augusta National Golf Club, no qual já participara em três ocasiões.
Diz que da primeira vez esteve “definitivamente no fio da navalha”. Que é um “lugar lindo, mas, caramba, tem algumas regras diferentes. E não queremos mesmo ser apanhados a quebrá-las”.
Não que Mr. X perca muito tempo a considerar o seu decoro. Afinal, são todos profissionais, jogam golfe como modo de vida e sabem como comportar-se. “Não é que nós andemos a beber e a fumar o ano todo e façamos uma desintoxicação por uma semana. Ainda assim, é fácil fazer asneira.”
O treinador de Mr. X foi expulso quando filmou o swing deste no tee do buraco 7, durante uma volta de treino. Um guarda escoltou-o até à saída. O treinador aproveitou o dia para conhecer Augusta, a segunda maior cidade do estado da Georgia, nos EUA. Só voltou ao golfe no dia seguinte.
O pai de Mr. X, coitado. Por motivos que não interessam ao caso, o seu cartão de crédito foi declinado no terminal de pagamento, quando se preparava para desembolsar 400 dólares em produtos de merchadising; afastou-se da caixa, pegou no telemóvel para ligar e foi imediatamente agarrado pelos ombros por dois guardas; sem sequer lhe pedirem que guardasse o aparelho, levaram-no dali para fora, para uma pequena sala, a “cela do telemóvel”.
Avisado, Mr. X juntou-se-lhes pouco depois; encontra o pai abalado; quando os guardas ficam a saber que Mr. X é um dos jogadores convidados do torneio, não mostram qualquer sinal de contemplação. “A vibração era a oposta: devíamos sentir-nos mal, e eu podia esperar ouvir mais deste incidente (não ouvi). Tudo junto, levou uma hora.”
Magnolia Lane, a entrada de Augusta National © PGA TOUR
Há vários motivos que fazem do Masters Tournament um torneio especial entre os quatro majors do golfe. Para começar, é o único que se joga sempre no mesmo palco, no Augusta National Golf Club. Em segundo, é conduzido por um clube privado e não por uma organização nacional como acontece com o U.S. Open (USGA), o U.S. PGA Championship (PGA of America) ou o The Open Championship (R&A). Em terceiro, é um “Invitational”, ou seja, por convites.
Enquanto nos outros majors o número de participantes ascende aos 156, no Masters não chega aos 100. Este ano, na sua 83.ª edição, que vai decorrer entre quinta-feira e domingo, serão apenas 87. Os 50 primeiros do ranking mundial são contemplados. Os campeões têm entrada vitalícia na competição – há 13 vivos que não jogam este ano. O prize-money só é revelado durante a prova, o ano passado foi de 11 milhões de dólares (€9,7 milhões), quase $2 milhões para o vencedor (€1,7 milhões).
O Masters tem as suas “bonitas” tradições. Os “Honorary Starters”, o “Green Jacket” – o Casaco Verde que distingue os membros de Augusta National e também os vencedores do Masters, a quem é atribuído o título de membros honorários; os amadores instalados no piso superior da clubhouse, por cima do “Champions Locker Room”, o balneário reservado aos campeões. O Torneio de Par 3, que se desenrola na véspera do início do torneio, no seu pequeno campo de nove buracos de Par 3, tão imaculado e botânico como o principal (embora haja muito tratamento artificial neste capítulo, o que se estende à brancura da areia dos bunkers e à agua cristalina dos lagos), cujos buracos estão predominantemente adornados com a flor de que receberam o nome.
Mas o Masters tem também um conjunto de regras rígidas e costumes que não existem fora dele. Como a que proíbe o uso de telemóveis e outros dispositivos electrónicos. Augusta National, durante o Masters, é um dos raros lugares nos Estados Unidos onde ainda se faz fila em cabines telefónicas. Nem os jogadores escapam à medida – só os podem utilizar nos balneários. Augusta National justifica: tais dispositivos são distrativos e intrusivos. É pela pureza do golfe e do espectáculo.
Os jogadores e "respectivas" durante o Torneio de Par 3 © PGA Tour
Os espectadores não podem correr, gritar “You da Man!” (qualquer coisa como “És o maior!”) ou exibir faixas ou letreiros. Aliás, publicidade é coisa que não existe: lá dentro, só produtos (e há de tudo) com os logótipos de Augusta e do Masters. Factura milhões com venda de merchadising e exige apenas um minuto de publicidade por cada hora de transmissão televisa. Dentro das cordas, não existe o habitual aparato de equipas de filmagens e jornalistas, apenas os jogadores e os caddies, estes vestidos com macações brancos e o nome dos jogadores nas costas.
Apesar disto os espectadores são tratados com toda a atenção, delicadeza e até requinte. Aliás, espectadores e fãs são coisas que não existem para Augusta National. São antes patrons. E não há cá bilhetes – são badges [credenciais].
Uma obsessão pela apresentação, também. O Masters não comercializa os direitos de transmissão televisiva no próprio país – e é fácil adivinhar quanto dinheiro deixa de ganhar por isso. A Fox Sports paga à USGA (Associação Golfe dos Estados Unidos; como a Federação Portuguesa de Golfe por cá, mas também um dos dois organismos que regulamenta o golfe a nível mundial, a par do R&A) 93 milhões de dólares para ter o U.S. Open, além do U.S. Women’s Open e do U.S. Seniors Open. As audiências do Masters são claramente superiores às dos outros majors. Falamos, portanto, de uma verba que andará à volta dos $100 milhões.
Desde 1956 que Augusta National tem com a CBS um contrato de um ano para transmitir o Masters. O que não se sabe é em que termos exactos, embora se acredite que nem um nem outra lucrem com isso. “Nem a CBS nem Augusta National fazem dinheiro com o acordo”, garantiu já a Golf Digest. E porque não vende Augusta os direitos do Masters, eventualmente, a quem oferecer mais? Porque prefere ter controlo total sobre a emissão. E a CBS, porque aceita produzir se não rentabiliza o seu esforço? Pelo prestígio que daí lhe advém.
Tudo isto faz sentido, em coerência com aquilo que Augusta National representa: é o clube de golfe mais exclusivo do mundo. A lista de membros é secreta, os critérios de adesão também (certo é que tem de ser propostos por outro membros), mas em 2002 o jornal USA Today teve acesso a ela. A média de idades era de 72 anos. Dois terços estavam já reformados. Figuras da alta sociedade sulista dos EUA e titãs da cena empresarial nacional. Estava lá Warren Buffet, não estavam Bill Clinton nem Donald Trump. Dwight Eisenhower é, até hoje, o único presidente dos EUA feito sócio de Augusta National, e para ele foi construída, com todas as medidas de segurança, uma das casas do clube.
Bill Gates entrou entretanto para a galeria de sócios, mas só muitos anos depois de ter tornado público que gostaria de receber esse privilégio. “Não basta ser rico e famoso, é melhor ser rico e discreto”, escreviam os jornalistas Michael McCarthy e Erik Brady.
A proibição de admissão de afro-americanos como membros só foi levantada em 1991, 16 anos depois de Lee Elder ter sido, em 1075, o primeiro afro-americano a jogar o Masters.
Em 2012, a antiga Secretária de Estado Condoleza Rice e a empresária Darla Moore foram as primeiras senhoras a serem admitidas, a que se juntou entretanto Virginia Rometty, a CEO da IBM, um dos Global Sponsors do Masters.
Recentemente, no entanto, Augusta National passou a apoiar o desenvolvimento golfe amador mundial, sendo co-fundador do Asia-Pacific Amateur Championship e do Latin America Amateur Championship. Os vencedores são convidados para o Masters. E entre sexta-feira e domingo realizou a primeira edição do Augusta National Women’s Amateur, abrindo as portas de casa às melhores amadoras internacionais.
Em 1997, Tiger Woods, então com apenas 21 anos, quebrou outra barreira tornando-se o primeiro afro-americano a vencer, e fê-lo batendo vários recordes, na verdade, destroçando o próprio campo. Augusta National não gostou – e se o campo na altura media 6.332 metros, hoje mede 6.844. Já não é o mesmo campo.
Tiger Woods já durante esta semana no The Masters © PGA Tour
Tiger Woods está no segundo lugar da lista dos mais prolíficos campeões do Masters com quatro títulos (o último em 2005), empatado com Arnold Palmer. O recordista é Jack Nicklaus, cujo sexto e último êxito foi obtido em 1986, com 46 anos.
Conseguir bilhetes, perdão, credenciais para o Masters não é impossível, mas é difícil. Será preciso preencher um formulário e aguardar na lista de espera… eternamente. É que eles transitam todas as épocas para os seus próprios detentores e estão esgotados desde 1972. No entanto, Augusta National oferece um número não revelado de bilheste on-line, por sorteio. É fazer a inscrição e, se tiver sorte, conseguirá à quarta ou quinta tentativa. A não ser que queira abrir os cordões à bolsa no mercado secundário, a preços de mais de $2.000 por dia ou de mais $11.000 pela semana. Mas o mercado secundário comporta riscos, porque Augusta National proíbe a revenda de ingressos e pode confiscá-los a quem for apanhado.
A lenda por detrás
O norte-americano Bobby Jones (1902-1971) é uma das maiores lendas da modalidade. Apesar de ter conquistado 13 provas do Grand Slam, no seu tempo composto pelo British Open, U.S. Open, British Amateur e U.S. Amateur, nunca abdicou do estatuto amador. Retirou-se da competição no auge e prematuramente, em 1930, após uma época em que venceu este quatro torneios. Dedicou-se então à construção do clube a que viria a dar o nome de Augusta National.
Juntamente com Clifford Roberts, bem sucedido empresário nova-iorquino, adquiriu um terreno de 365 hectares em Augusta, uma antiga plantação que cessara as operações em 1918. A construção começou em 1921, o campo abriu em 1933 e em 1934 deu-se a estreia do inicialmente chamado The Augusta National Invitation Tournament.
O The Masters foi o primeiro torneio a ser transmitido em directo pela televisão em 1956, o que lhe trouxe mais fama e popularidade.