Miguel Franco de Sousa, presidente da FPG, em entrevista sobre a crise provocada pela Covid-19
A crise pandémica do novo coronavírus não poupou as modalidades desportivas, suspensas. O golfe, claro, não foge à regra. Para lhe fazer face, a Federação Portuguesa de Golfe (FPG), agora totalmente funcional em regime de teletrabalho, criou uma equipa de Gestão de Crise, composta pelos respectivos directores de departamento, de maneira a dar resposta à permanente evolução da situação.
A primeira medida foi de apoio aos clubes. Os que disponham de colaboradores com vínculo laboral e instalações para manter, enquanto estão encerrados, podem requerer a prorrogação do prazo de pagamento das licenças desportivas inseridas no sistema até ao dia 15 Abril em três tranches, a liquidar nos meses de Julho, Agosto e Setembro. Com efeito retroactivos, ou seja, os clubes nela enquadráveis, que tenham já procedido ao pagamento de licenças desportivas para o corrente ano de 2020, poderão solicitar a devolução das quantias pagas e aderir ao mecanismo entretanto publicado.
Nesta entrevista, o presidente da FPG, Miguel Franco de Sousa, apela aos golfistas para que não abandonem os seus clubes neste momento difícil, seja através do pagamento das suas quotas do clube, seja da licença da FPG. Caso contrário, justifica, os clubes podem não sobreviver se a pandemia se prolongar no tempo.
GOLFTATTOO – Talvez ainda seja cedo para dizer, mas pergunto desde já se tem havido adesão às medidas implementadas pela FPG para fazer face a esta crise…
MIGUEL FRANCO DE SOUSA – Sim, está a haver adesão por parte dos clubes que se enquadram nos critérios de elegibilidade, ou seja, aqueles clubes que tenham colaboradores.
Esta medida visa aliviar as pressões de tesouraria desses clubes, o que é fundamental neste momento, pois a receita em green fees é inexistente e é expectável que haja sócios que não pretendam renovar as suas quotas por não estarem a beneficiar das instalações abertas.
Teme que haja uma quebra acentuada no número de praticantes filiados na FPG?
Sim. É expectável que haja uma quebra, embora seja impossível fazer um prognóstico pois vai depender da duração do estado que hoje vivemos.
Avizinha-se uma crise económica e as famílias terão de se adaptar a ela e não nos podemos esquecer que o golfe não é um bem essencial e isso pesará na gestão dos orçamentos familiares.
Queremos acreditar que a recuperação será rápida e que os praticantes poderão voltar a jogar golfe e a frequentar os seus clubes com a maior brevidade, mas, entretanto, existe um problema muito complexo – o da sustentabilidade dos clubes com instalações de golfe.
Os proprietários dos campos de golfe, sejam eles clubes ou sociedades comerciais, têm de manter as suas instalações quer tenham jogadores, quer estejam vazios. Agora não se sabe durante quanto tempo os proprietários poderão aguentar esta situação.
Se não houver a consciência por parte dos praticantes de que a manutenção anual dos campos de golfe custa largas centenas de milhares de euros e neste momento eles estão privados de receitas e que isso pode levar, no limite, ao encerramento dos campos, então esse cenário pode estar mais próximo do que gostaríamos.
É uma altura em que temos de pensar no golfe como um todo e não nos interesses individuais de cada um – a bem do futuro do golfe nacional.
E podem esperar-se no futuro mais medidas de apoio da FPG aos clubes?
Estamos muito atentos à evolução deste momento e, como sempre, estamos ao lado dos clubes para encontrar formas para mitigar os impactos nefastos que esta pandemia está a criar.
Baixar o valor da quota dos jogadores não está nos horizontes?
Como já referi, as nossas medidas de apoio passam, de momento, por criar condições aos clubes para aliviar as fortes pressões de tesouraria e isso passa por permitir o pagamento das quotas dos praticantes por si inscritos a partir de Julho e em prestações.
Esta é uma medida, sobretudo, para evitar despedimentos, portanto uma medida de cariz social e que carece do apoio dos sócios, seja através do pagamento das suas quotas do clube, seja da licença da FPG.
Portanto, prioritariamente, temos de apoiar os clubes que têm colaboradores e instalações, porque se eles não tiverem neste momento um fluxo de tesouraria, não vão, provavelmente, conseguir sobreviver se o período da pandemia se prolongar por muito tempo.
Os seus custos de manutenção dos campos, os custos com ordenados, os custos com produtos, fornecimentos e serviços continuam.
Queremos ajudar os clubes para que quando isto passar tenhamos campos para poder jogar.
Em termos de funcionamento, que adaptações fez a FPG?
À excepção de alguns colaboradores do Jamor, todos os colaboradores da Federação Portuguesa de golfe estão totalmente funcionais em regime de teletrabalho.
Implementámos uma equipa de Gestão de Crise composta pelos directores de departamento da FPG para podermos dar resposta à permanente evolução da situação.
Tem sido muito desafiante, mas confesso que a resposta das nossas equipas tem sido absolutamente fantástica.
Como é que organismos como as outras federações europeias, o R&A e a EGA (Associação Europeia de Golfe), com os quais a FPG tem contacto privilegiado, estão a lidar com a situação?
Para já temos as alterações aos calendários, tal como fizeram todas as federações desportivas, como não podia deixar de ser.
A aplicação de medidas díspares de país para país foi notória em termos de encerramento dos campos de golfe, mas também o foram as actuações dos vários governos. Ninguém estava preparado para isto.
A FPG apelou à estrutura associativa o contacto com os seus associados no sentido da respectiva filiação, de maneira a que estes se solidarizem com os seus clubes neste período difícil.
Muitos campos de golfe mantiveram-se abertos até à declaração do estado de emergência. O golfe deve ter sido dos desportos que mais tempo resistiram a esta situação…
Depois do anúncio da declaração do Estado de Emergência, houve algumas dúvidas em relação à aplicação do decreto-lei aos campos de golfe. Houve campos de golfe que, não vendo reflectido no mesmo a especificidade do golfe, acharam que não se aplicaria à nossa modalidade.
Mas estava claro que todas instalações para a prática desportiva de lazer deveriam encerrar. Isto, à semelhança de outras modalidades que também estavam a ser praticadas até ao dia 22 de Março.
No dia 14, fomos informados pelo IPDJ (Instituto Português da Juventude e do Desporto) de que teríamos de fechar as instalações, mas que, dada a especificidade da modalidade, poderíamos inclusivamente ter um entendimento diferente, visto que o golfe é praticado ao ar livre e permite distância entre os praticantes. Mas nós entendemos que não deveríamos ter um tratamento diferenciado nesta matéria, porque ainda assim estávamos a potenciar o contacto social e, por outro lado, estávamos a colocar em risco os nossos colaboradores, que estariam obrigados a contacto social com os clientes.
Sendo o CNFGJ um espaço de utilização bastante intensivo, achámos por bem que deveríamos seguir as práticas das restantes modalidades instaladas no Jamor.
Houve uma grande preocupação com aquilo que é um bem maior, que é a saúde pública. E não podemos estar aqui com guerras românticas. Temos é de tratar de evitar que haja uma maior propagação do vírus, para que possamos retomar à normalidade com a maior brevidade possível.
Até que ponto o encerramento do Centro Nacional de Formação de Golfe do Jamor impacta negativamente nas contas da FPG?
Vai ter um impacto muito significativo. Estamos, como todos os campos de golfe do país, encerrados e a manter as instalações, embora com um esquema de manutenção condicionado devido à ausência de jogo.
O Jamor sempre apresentou resultados equilibrados, próximos do break even. Ao contrário do que tínhamos previsto em orçamento, estamos a contar com um resultado negativo do exercício do Jamor para este ano, cujo montante depende do tempo que estiver encerrado.
Tem-se falado muito nas consequências negativas que advirão para Portugal da quebra no turismo, que representa para o país mais de 10 por cento do PIB. Mas, dentro do turismo, o golfe tem uma importância crucial para o nosso país, representando mais de 140 milhões de euros de receitas diretas e contribuindo de forma decisiva para a diminuição da sazonalidade, permitindo manter actividades e postos de trabalho em funcionamento no Inverno, em Lisboa, Oeste e sobretudo no Algarve. Na sua opinião, a indústria do golfe em Portugal tem capacidade para aguentar o embate?
A questão não se coloca apenas para a indústria do golfe, pois toda a indústria do turismo está a sofrer a uma escala impensável e o que virá não é propriamente animador.
O Governo tem anunciado um conjunto de medidas direccionadas às empresas do sector do turismo, onde se incluem os campos de golfe ditos comerciais.
Não obstante, temos uma indústria nacional de golfe competente, na qual reitero a minha total confiança. Acredito que, juntos, ultrapassaremos este desafio muito exigente.
Qual o feedback que tem tido da parte do CNIG (Conselho Nacional da Indústria do Golfe)?
Tenho acompanhado a actuação do CNIG através das suas comunicações aos associados. Estamos todos a remar para o mesmo lado.
A questão da redução do IVA no golfe da taxa máxima de 23% para 6%, uma antiga pretensão sob o argumento legítimo de que a modalidade é um importante produto exportador, é agora mais premente do que nunca?
É, sem dúvida nenhuma. Uma das armas de que os Governos dispõem para se tornarem competitivos é a fiscal e a questão do IVA será fundamental no desempenho dos campos que estão vocacionados para o turismo.
A revisão do IVA para a taxa de 6% será fundamental na recuperação económica no momento pós coronavírus e tão ou mais importante na afirmação do país enquanto um grande destino de golfe nos próximos anos.
Os diversos governos teimam em não olhar para esta importante questão. Talvez agora o façam, pois é isso que se espera de um Governo nestes momentos.
A 12 de Março, a FPG comunicou a suspensão de todas as competições agendadas até ao dia 12 de Abril, mas é certo que até lá as coisas no que diz respeito à epidemia não estarão resolvidas. Presumo que a FPG vá aguardar mais uns dias para decidir quantas mais provas serão adiadas ou canceladas depois daquela data. O que pode adiantar nesta altura em relação à reestruturação do calendário federativo?
Não é de todo expectável que retomemos a nossa actividade desportiva tao cedo, mas também ainda não sabemos quando o faremos.
Mesmo que se possa retomar a actividade desportiva a meio do ano iremos ter enormes dificuldades em acomodar todas as competições oficiais da FPG até agora suspensas, no entanto tudo faremos para que os principais campeonatos nacionais se possam realizar, caso isso seja permitido.
Depois de passada a crise, se sairmos ilesos de tudo isto como sociedade e não totalmente falidos, o ritmo acelerado da vida vai certamente abrandar. Neste contexto, o golfe – um desporto jogado ao ar livre, em contacto com natureza, e que pode ser jogado em família – tem hipóteses de sair beneficiado?
Sou otimista relativamente ao regresso e penso que este momento vai mudar a forma como jogamos golfe.
Esta situação está a permitir pensarmos muito acerca da nossa forma de estar na vida. Estamos a dar valor a coisas que sempre demos como garantidas, tal como a liberdade de escolha ou a liberdade de circulação. Estamos mais tempo com as nossas famílias e realizamos que afinal existem formas de trabalhar diferentes.
Tudo vai mudar e no golfe não vai ser diferente e creio que para melhor. O golfe deve ser visto como uma modalidade para ser jogada com a família e amigos, disfrutada em clubes onde todos possam passar os seus tempos livres. O golfe deve ser um momento importante das nossas semanas e não dever ser algo metido a martelo nas nossas vidas. Se levarmos famílias e amigos para o golfe teremos muito mais tempo para jogar e, ao mesmo tempo, estar com aqueles que mais gostamos.
Para finalizar, que mensagem gostaria de deixar aos golfistas portugueses?
É uma mensagem muito clara. Não abandonem os vossos clubes neste momento difícil. Os clubes estão a fazer tudo para que os campos estejam em excelentes condições para o vosso regresso e a manter o pessoal para que vos possa receber de braços abertos e isso custa muito dinheiro. Hoje, mais que nunca, os clubes precisam dos seus sócios.