“Nunca a nossa criatividade foi tão posta à prova”
A Federação Portuguesa de Golfe (FPG) sexta-feira, nas redes sociais, três vídeos que procuram ajudar os praticantes a perceberem quais os procedimentos de segurança mais básicos, no regresso condicionado aos campos de golfe na próxima segunda-feira. Do mesmo modo, publicou uma circular a informar os clubes e campos da autorização para a retoma da atividade.
Uma preocupação em comunicar adequadamente, na sequência da confirmação do Governo na quinta-feira da reabertura de alguma atividade desportiva ao ar livre, na qual se inclui o golfe.
A FPG já tinha enviado na última segunda-feira aos seus membros, designadamente aos clubes, um documento intitulado “Plano de Reabertura de Instalações de Golfe”.
Está datado de 24 de abril, foi enviado ao Governo na sexta-feira passada e é o resultado de um trabalho conjunto com o Conselho Nacional da Indústria do Golfe (CNIG), a Associação de Gestores de Golf de Portugal (AGGP) e a Associação Portuguesa de Greenkeepers (APG).
Se os desejos do Presidente da República e do Governo se concretizarem, estamos na última semana com o país em estado de emergência e tem-se falado cada vez mais da possibilidade de o golfe ser uma das modalidades a iniciar mais cedo parte da sua atividade normal, embora sujeito às necessárias contingências decorrentes das normas da Direção Geral de Saúde para o combate à COVID-19.
Durante um mês e meio de estado de emergência o golfe deparou-se com uma profunda crise, cujas consequências estão ainda a ser agora elencadas pelas diversas instituições que gerem ou representam a modalidade, sobretudo os campos e clubes, que viram as suas receitas caírem a 100% no mês de abril.
A FPG tem estado particularmente ativa com comunicados regulares, que inicialmente visaram cancelar todas as competições, depois algum alívio às tesourarias dos clubes, seguindo-se contactos com as mais diversas instituições da administração central, no sentido de comprovar que o golfe tem condições de iniciar parte da sua atividade mal seja possível. A FPG foi mesmo uma das quatro únicas federações desportivas nacionais a apresentar, no final da semana passada, um plano de retoma de atividade à secretaria de Estado do Desporto e Juventude e ao Instituto Português do Desporto e Juventude.
Através do seu departamento de comunicação, a FPG tem mantido um contacto próximo com o meio do golfe nacional, através de notícias, vídeos e demais informações em várias redes sociais. O seu presidente, Miguel Franco de Sousa, tem-se desdobrado em entrevistas e até mesmo num artigo de opinião em diversos media tradicionais (televisão, jornais impressos e jornais online).
Outras instituições têm estado igualmente com grande dinamismo e há vários debates e webinars que têm sido levados a cabo durante estas semanas, abordando um espectro de temas bastante alargado.
O Golftattoo, sempre com o apoio do Público Online, não poderia alhear-se a este fluxo de informação que visa trazer ao espaço público a real dimensão do problema com que se deparam os campos e os clubes, naquela que poderá vir a ser conhecida como a maior crise mundial desde a grande depressão de 1929 ou desde a segunda guerra mundial que terminou em 1945.
Nesse sentido, o Golftattoo elaborou um questionário que enviou a alguns clubes e/ou campos. Procurámos exemplos dos chamados clubes com campo, clubes sem campo, campos comerciais que têm clubes associados, campos com hotel, campos sem hotel, enfim, sem uma pretensão científica, esperamos ter atingido uma amostra significativa.
Hoje concluímos esta série, mas poderemos eventualmente retomar a iniciativa com outros campos e clubes, até porque a adesão foi extraordinária e agradecemos a todos quantos se disponibilizaram responder-nos. Só um de todos os campos/clubes solicitados não respondeu ao nosso inquérito.
Desejamos que o combate a esta pandemia continue no sentido do progresso, mas, no caso de sentirmos que é necessário voltar a auscultar a situação do golfe nacional, voltaremos “à carga” com outros inquéritos.
Para encerrar esta série escolhemos o Montado Hotel & Golf Resort, o palco da Taça Manuel Agrellos, a Ryder Cup à portuguesa, e o campo privilegiado do Campeonato Internacional Amador de Portugal, feminino e masculino, que tem a característica de ser um campo com hotel, com alguns clubes sem campo associados, uma realidade que pareceu-nos importante incluir nesta amostra.
Respondeu o diretor geral, Marco Andrade, um gestor que subiu a pulso, tendo desempenhado várias funções antes de tornar-se no “homem do leme” e que detém relações institucionais privilegiadas com a FPG, a PGA de Portugal, a AGGP e o CNIG.
Durante este período de pandemia, Marco Andrade deu declarações ao Golfe.pt/GMK que complementam as suas respostas ao nosso inquérito e, para benefício dos nossos leitores, pela qualidade do conteúdo, decidimos incluir também excertos dessa “tertúlia” online.
1 – O que representou, quantitativamente, em termos de viabilidade e subsistência do clube/campo este período de estado de emergência?
2 – Que receitas conseguiu o clube/campo durante este período que irá ser de um mês e meio?
GolfTattoo (GT) – Perda de 60% de receita no mês de março e de 100% nos meses de abril e maio. O futuro é uma incógnita.
GMK – março e abril são os nossos dois meses mais fortes do ano a nível global, nos quais o golfe, sendo o nosso core business, assume um papel fundamental na nossa operação.
Na primeira semana de abril tínhamos de lidar com alguns overbookings e acabou por ser um mês em que estive sozinho no hotel e somos quase 60 trabalhadores.
Quando os primeiros sinais surgiram nem foi pelo mercado de golfe. Nós trabalhamos muito com o mercado asiático e os cancelamentos começaram inicialmente com alguns grupos desse mercado, nomeadamente da China.
Isso deixou-nos preocupados com o que aí vinha, mas estávamos longe de perceber a dimensão desta catástrofe.
Hoje em dia pertencemos a um grupo, o DHM, composto por 18 unidades e estão 100% fechadas. Não há nenhum hotel aberto e os campos de golfe também.
(…) Não temos dúvidas de que o segundo trimestre deste ano será o pior da nossa história, mas queremos que o segundo semestre, numa visão otimista, seja o melhor de sempre, vamos ver se conseguimos.
3 – Que despesas/investimentos teve o clube/campo durante este período que irá ser de um mês e meio?
GT – Em recursos humanos. Embora em layoff, há que avançar com os ordenados. Em ‘utilities’ (água, eletricidade, etc.), embora reduzida, mais a manutenção do campo de golfe. Há também alguns trabalhadores fora de layoff. Alguns contratos de manutenção que não se conseguem suspender na sua totalidade, por exemplo, elevadores, por questões de seguros. E ainda a reparação de máquinas.
4 – Que tipo de manutenção o campo conseguiu fazer neste período e em que estado o campo se encontra neste momento? Quantos funcionários de trabalho presencial foram necessários durante este período? E quantos funcionários estiveram em trabalho em casa/teletrabalho.
GT – Cortes, pulverizações e rega. Há quatro funcionários presenciais, estando os restantes em layoff.
5 – Foi possível pagar os ordenados na íntegra a todos os colaboradores com diferentes vínculos contratuais? Foi negociado com os colaboradores alguma redução salarial? Foi contemplada a hipótese de entrar em layoff?
GT – À exceção de quatro, todos entraram em layoff.
GMK – Tivemos de entrar no regime de layoff e isso foi das situações mais pesadas, para mim, enquanto diretor geral, ter de comunicar isto a uma equipa comprometida, que nunca vira a cara à luta. O que nos dá gozo é dar promoções e não dizer-lhes que temos de cortar o ordenado e regalias que durantes tantos anos mereceram e conquistaram. É complicado não ter uma mensagem de conforto para dar às equipas.
6 – Que preocupação o campo/clube teve com a manutenção de comunicação com os seus clientes/sócios durante este período? E com instituições relevantes (FPG, Associação Regional, Autarquia, Direção Regional de Saúde, agências, operadores, etc.)?
GT – Informámos todos os sócios e clientes do encerramento, o que foi aceite com normalidade. Informámos também oficialmente todas as entidades mencionadas e outras, IT Portugal, ATL, GNR, etc.
GMK – Precisámos de toneladas de bom senso na gestão deste período. Os clientes que estamos a tentar que remarquem as suas reservas serão os mesmos clientes de amanhã e do ano que vem. Não pode haver melindre na relação que vem de há anos. A nossa posição é tentar remarcar, é levar o cliente, diretamente ou através do operador turístico, a fazer a remarcação.
A nível grupo permitimos até que um cliente que, por exemplo, tivesse uma marcação para os Açores, possa marcar no Algarve, com algumas pequenas penalizações, porque os preços são diferentes. Portanto, estamos a permitir mudar de hotel.
No limite, como estamos a falar de questões ligadas à seriedade da empresa, se o cliente levar-nos à exaustão, As diretrizes que temos é de fazer a devolução. Mas temos tido sucesso nestas remarcações, as pessoas estão com um espírito de compreensão porque é uma situação que afeta todos sem ser culpa de alguém.
Mas é claro que ao remarcarmos para uma segunda época de golfe, ali com o outubro e o novembro fortes e um bocadinho de setembro, deparamos com muitas marcações que já tinham sido feitas. Portanto, temos de remarcar dentro das nossas possibilidades. Há situações que já estão a ser canalizadas para 2021.
7 – Concorda com a solicitação da FPG às autoridades de o golfe ser considerado uma das primeiras modalidades desportivas a reabrir portas?
GT – Pela sua prática ao ar livre, em que os riscos são menores do que os desportos praticados em recintos fechados, sim. Muito embora a abertura dos campos de golfe e não de outras modalidades irá contribuir, mais uma vez, para a não popularidade da modalidade.
8 – Como está a ser preparada a reabertura de atividade? Que alterações prevê em relação ao habitual funcionamento do clube/campo anterior à COVID19? Quais as prioridades/preocupações em termos de vendas, mercados de destino, campanhas de comunicação para os mercados internos e externos?
GT – A reabertura será efetuada tendo em conta o não desaparecimento do vírus COVID-19, e assim, com as limitações transversais a todos os campos, onde a segurança dos jogadores e clientes será a prioridade. O golfe tem um grupo elevado de jogadores considerados de risco pelo que não poderia deixar de ser de outra forma. Muita da comunicação tanto interna como externa passa pela segurança antipropagação do vírus.
GMK – O caminho mais fácil é o preço, mas temos de ser fortes e a política de preços não pode ser o primeiro caminho a seguirmos na altura da retoma. Tem muito a ver como vamos todos sair desta pandemia. Com que receios, como é que podemos comunicar e convidar e levar as pessoas a fazerem reservas nos nossos hotéis e nos nossos campos de golfe.
Temos de ser criativos, nunca a nossa criatividade foi tão posta à prova. Todas as equipas, designadamente as comerciais, terão de ser portadores de uma criatividade extrema. Temos de acrescentar a nossa oferta. No nosso caso é quase fazer um reset nas mentalidades, explicar às pessoas porquê Portugal, o que temos para oferecer, porquê DHM, porquê Montado. Depois de todas as operações retomarem, todo o conceito de F&B como será? Hoje em dia temos os restaurantes todos fechados, como serão as reaberturas nos nossos hotéis, que receios as pessoas terão? Irão procurar hotéis e restaurantes anti-COVID? A questão da limpeza, das higienizações têm de ser completamente repensadas para passarmos uma imagem de segurança.
Caminhávamos a passos largos, em lógica de grupo para um conceito green e temos muitos clientes que hoje em dia já fazem a sua decisão para hotéis ecofriendly e que tenham cuidados com o meio ambiente. Agora vamos ser postos à prova nas questões sobre se determinado hotel é seguro para mim e para a minha família… tudo isto terá de ser muito repensado. Acho que é começar de novo e vamos ter de formar muito bem as nossas equipas e nós que estamos no vértice, no topo das organizações, também teremos de ser formados para uma fase pós COVID-19.
As leis do turismo também não estavam preparadas para uma situação como esta que estamos a viver e terão de ser repensadas, eventualmente mais flexíveis em termos de contratação dos TO’s, até mesmo com as equipas, mas volto a dizer que os hotéis que terão mais sucesso serão os que terão capacidade de comunicar melhor.
Estamos a lidar com uma situação atípica e excecional e as medidas terão de ser também excecionais.
O Montado está a dar os primeiros passos na casa DHM (Discovery Hotel Management), um grupo que prima pela forma disruptiva com que lida com a hotelaria e o turismo. Vamos ter de dar um passo em frente nessa forma. Temos uma equipa jovem e muito capacitada.
No imediato queremos uma abertura suave, muito, muito soft opening em junho, temos a nossa estratégia assente nessa abertura. Mesmo que seja em julho, não é uma época de golfe, a zona de Lisboa fica completamente despida de jogadores. Temos outro tipo de segmentos e há um forte que hoje em dia é uma incógnita, como será a sua reação, que é o segmento de sol e praia, muito ancorado no mercado nacional, com os nossos vizinhos espanhóis. Estamos otimistas e esperançosos de que o verão deste ano tenha alguns sinais neste segmento de sol e praia, mas o que é urgente fazer é passar uma mensagem de confiança a todas as pessoas, para que voltem, numa fase em que ainda não há uma cura nem uma vacina. Tudo o que fizermos será dentro de um cenário de existência da pandemia ou se não de pandemia pelo menos da existência de uma doença como outras, mostrando que os nossos hotéis estão preparados para receber as pessoas e mantê-las seguras de uma doença que não vai desaparecer de um momento para o outro.
9 – Que planos o clube/campo tem em relação ao calendário competitivo que teve de ser suspenso/cancelado e em relação ao calendário competitivo que ainda possa vir a ser efetuado até ao final do ano?
GT – Tentaremos, na medida do possível, reagendar todo o calendário até ao final do ano. Mas assumimos que será difícil, sendo necessário suprimir algumas provas, eventualmente as menos emblemáticas. Iremos ter provas no mês de agosto, ao contrário de todos os outros anos.