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A vida de Salvador Leite Castro em Nova Iorque
24/06/2014 12:13 Rodrigo Cordoeiro
Salvador posa em Nova Iorque, acompanhado da mãe, Maria, e da irmã, Filipa / © DR

“Se não arriscasse agora nunca mais o faria”, diz Salvador Leite Castro em relação à sua partida para Nova Iorque. O antigo internacional português de golfe, de 29 anos, um 3 de handicap, explica os motivos que o levaram a abandonar Portugal.

GOLFTATTOO – Nos últimos anos dezenas de milhares de portugueses têm emigrado para fugir à crise, ao desemprego e à falta de perspectivas em Portugal. Não foi esse o teu caso, mas pergunto: em Portugal não havia nenhum desafio aliciante para ti?

SALVADOR LEITE CASTRO – Eu tinha dois desafios profissionais muito aliciantes [director de golfe do Belas Clube de Campo e comentador da Sport TV Golfe], pelo que esse não foi o factor de decisão. Nunca tinha vivido fora de Portugal e achei que se não arriscasse agora provavelmente nunca mais o faria.

Os Estados Unidos foi a tua primeira opção, ou houve outros países que também entraram nas tuas considerações?

Foi a única opção. A minha mulher, a Rita, já cá estava a tirar um MBA em Nova Iorque, por isso, não fazia sentido equacionar outro país ou cidade.

Foi fácil conseguires o visto de trabalho e outras burocracias?

No meu caso específico foi fácil, porque estando a Rita a tirar um MBA [Masters In Business and Administration] eu tive esse processo mais facilitado, mas em geral a questão do visto de trabalho nos EUA é muito difícil.

E quanto à adaptação, foi fácil?

O mais difícil foi o Inverno. Dizem que este ano foi especialmente duro, chegámos a ter dias com 20 graus negativos, mas de resto a adaptação foi rápida. Nova Iorque é uma cidade fantástica embora não vivesse aqui o resto da minha vida – é demasiado intensa e cara para se criar aqui familia.

O que foi mais difícil deixar para trás?

A qualidade de vida que Portugal proporciona, amigos e família.

Começaste por trabalhar no Westchester Hills Golf Club? Como se deu essa oportunidade?

A Troon Golf [maior empresa de gestão de campos de golfe do mundo)] gere o Westchester Hills Golf Club e, em conversa com o Anthony Douglas [um dos fundadores da aplicação Hole19], ele pôs-me em contacto com o vice-presidente da Troon Golf. Daí surgiu a oportunidade. O campo é privado, tem 18 buracos, piscina, ténis, aproximadamente 250 sócios (quota anual de 25 mil dólares) e tem um ambiente de clube muito bom.

Como foi essa experiência?

A experiência foi muito positiva. A realidade do golfe em Nova Iorque é muito diferente daquela a que eu estava habituado. Em Nova Iorque o golfe não é alimentado por turistas [em Portugal 90% dos green fees vendidos são a turistas] mas sim por jogadores locais. Só o estado de Nova Iorque tem aproximadamente 1000 campos. Fiquei impressionado com força que o network criado no clube tem, daí os jogadores estarem dispostos a pagar tanto para serem sócios. Nem tudo o que aprendi é aplicável à realidade portuguesa, mas sem dúvida que muitas das coisas poderei utilizar.

Salvador e Rita em casa deles no Upper West Side, a 10 minutos do Central Park / © DR

Actualmente, estás a trabalhar no W Hotels Times Square, numa área, a hotelaria, em que não havias trabalhado antes. Como surgiu a oportunidade?

Sim, hotelaria é uma experiência nova para mim. Em Nova Iorque, os campos de golfe estão abertos de Abril a Novembro, por isso, quando vim, sabia que não poderia trabalhar em golfe todo o ano. Como acredito que quando regressar a Portugal vou querer ficar ligado ao Golfe/Turismo achei que trabalhar em hotelaria seria aquilo que mais sentido faria para mim, porque não só está muito relacionado com o golfe como produto turístico, como também tem a vantagem de me dar mais opções.

                                   Entrada do W Hotels Times Square, onde Salvador trabalha / © DR

Não preferias ter ficado a trabalhar na área do golfe?

Todo o meu passado foi ligado ao golfe, primeiro como jogador e, mais tarde, ligado à gestão do Belas Clube de Campo. Embora tenha adorado estar ligado ao meu desporto de eleição, sempre me questionei se quereria trabalhar para sempre no golfe. Acredito que em Portugal uma das áreas estratégicas para o país é o Turismo, por isso considero que não poderia estar a fazer mais sentido esta minha experiência.
O W é uma das 9 marcas da Starwood [maior cadeia de hotéis no mundo], tenho a certeza de que serei um profissional mais completo com esta experiência profissional. No W, os standards de serviço são muito elevados, o hotel tem dimensão (509 quartos) e uma taxa de ocupação superior a 90 por cento.

Qual é o teu cargo no W Hotels e como é o teu dia a dia no trabalho?

A Starwood tem um programa, no qual começas por trabalhar na recepção durante 6 meses e depois podes candidatar-te a vagas disponíveis dentro do grupo. Eu gostaria muito de experimentar a área de F&B ou de vendas, são duas áreas muito distintas mas serão estas as minhas prioridades. Idealmente gostaria de continuar ligado à marca W, porque me identifico muito com o produto, mas, se não for possível, terei de me candidatar a uma posição disponível numa das outras 8 marcas do grupo. O W prioritiza tornar a experiência do cliente memorável e vê o recepcionista como o principal ponto de contacto do cliente com a marca. Nesse contexto, temos muito impacto na forma como os clientes vêem o hotel e autonomia para personalizar o serviço. Por exemplo, uma vez percebemos que uma família com gémeos de 6 anos estava pela primeira vez em Nova Iorque e ia ver um jogo de basquetebol dos Knicks. Comprámos dois chapéus dos New York Knicks e deixámos no quarto para os miúdos, eles adoraram!

Impressionante a altura do edifício e a dimensãodo W Hotels Times Square / © DR

Que tal é viver em Nova Iorque e trabalhar mesmo no centro? Têm muitos amigos portugueses aí?

Viver em Nova Iorque está a ser uma experiência mesmo muito gira. A cidade tem uma vida muito intensa e com uma diversidade de programas fenomenais. Quanto ao facto de estar trabalhar em Times Square é, sem dúvida, uma experiência diferente, não há hora que não esteja cheio. Quanto a portugueses, há aqui um grupo grande, acabamos por jantar todas as semanas e temos uma equipa de futebol inscrita numa liga.

Onde moram concretamente?

No Upper West Side, precisamente no cruzamento da 77th com a Broadway. A zona é óptima, estamos a dois minutos do Central Park e eu a 10 minutos do trabalho mas longe o suficiente da confusão dos turistas. Uma zona óptima para se viver, não me posso queixar.


Tens alguns episódios insólitos, engraçados ou memoráveis da tua vida nos EUA que queiras partilhar?

Era hora de ponta no hotel, uma sexta feira à tarde, e estávamos a fazer muitos check-ins. A certa altura chega uma senhora para fazer check-in comigo e diz:”Last name Holmes”. Eu dei-lhe as boas vindas, pedi cartão de crédito e uma identificação com fotografia, e no segundo a seguir apercebi-me que era a Kate Holmes, ex-mulher do Tom Cruise.

Quais são os teus planos ou ambições a curto, médio ou longo prazo?

A curto prazo é aprender o máximo possível com esta minha experiência porque sei que a médio prazo me vejo a voltar a Portugal. A Rita acaba o MBA que está a tira na Columbia Business Scholl em Maio e pediu uma transferência de 1 ano na Boston Consulting Group (BCG) para o escritório de NY. A longo prazo acho que o meu futuro passará por pelo turismo e se possível com uma relação muito próxima com o golfe, que é a minha paixão.

Costumas jogar golfe com frequência?

Durante a semana vou bater bolas a Chelsea Pear, um driving range aqui em Manhattan – muito semelhante ao que seria o projecto das Amoreiras) – e ao fim de semana vamos variando. Costumo jogar com o David Quinta e com o Martim Ricciardi, que também estão cá a viver. A Rita jogou quando era mais nova, agora tem vindo comigo bater bolas mas só no driving range.

Salvador e David Quinta no campo de Van Cortlandt, o mais antigo campo público dos EUA / © DR

Como é a vossa vida fora do trabalho?

Fora do trabalho, como a Rita está a estudar, temos muitos eventos da faculdade. Tem sido muito giro conviver com as várias nacionalidades e perceber melhor as diferenças culturais. No entanto temos aqui um grupo de portugueses muito unido e que ajuda obviamente a matar as saudades que temos de casa. Em termos de espectáculos desportivos até agora só fui ao Madison Square Garden ver um jogo de basquetebol. Em Agosto vou ver o The Barclays, que vai ser em New Jersey. Adoro passear no Central Park, e também pelo Soho ou Meatpacking, zonas que têm muita vida. Quanto a viagens, até agora só fui a Miami e ao Arizona. A costa da Califórnia, a Rita e eu já a conhecemos, de uma viagem de 21 dias feita em 2012.

Fala-nos da tua trajectória no golfe…

A minha primeira internacionalização foi com 16 anos no match realizado entre Espanha e Portugal. Nunca me esquecerei porque nesse match ganhei ao Pablo Martin Benavides que tinha ganho o Britsh Boys na semana anterior e mais tarde ganhou o Open de Portugal ainda como amador. A partir daí comecei a ser presença mais assídua nas selecções tendo representado Portugal nos europeus de Boys (sub-18), Youth (sub-21) e na selecção A. Aos 19 anos decidi interromper os meus estudos durante um ano e tentar ser profissional de golfe (de jogo). Embora esse fosse o meu grande sonho, apercebi-me depois que não ia conseguir. Mas ter tentado foi uma das melhores decisões que tomei na minha vida. Em 2006 tive o convite para trabalhar em Belas e nessa altura optei por tirar o curso de gestão em horário pós laborar. A presença no Open de Portugal, em Oitavos Dunes, foi inesquecível. Não consegui passar o cut mas tenho a certeza que aprendi muito com o que vivi naquelas dois dias.

Qual era o teu clube de golfe original em Portugal? Quinta do Peru?

O meu pai era sócio do Estoril por isso foram lá as minhas primeiras tacadas, mas quando a Quinta do Peru abriu comecei a ir para lá, e, sim, considero que o meu clube de coração é a Quinta do Peru. Ao começar a trabalhar no Belas Clube de Campo fiquei, inevitavelmente, com um sentimento único pelo clube também. Foram sete anos fantásticos

Tiveste uma relação próxima com o Pedro Figueiredo, certo? Como vês estes seus primeiros tempos como profissional, talvez aquém daquilo que se esperava dele?

Sim, o Pedro é para mim o irmão mais novo que nunca tive. Tenho uma admiração muito grande por ele. Acho que para além do enorme talento que tem, o Pedro já demonstrou ao longo da sua carreira como amador que é um vencedor. Ele tem um jogo muito completo e tem aquilo que muitos dos jogadores nunca terão, uma cabeça extraordinária. Casos de sucesso repentino, como o Jordan Spieth são raros, e acho que o Pedro está a fazer o percurso natural. Nos EUA, a representar UCLA, provou que conseguia estar ao nível dos melhores, e agora, como profissional, está a começar a ganhar mais maturidade nos circuitos satélite, tem vários convites para jogar no Challenge Tour durante a época de 2014 e acredito que em 2015 consiga o cartão para jogar a full time nesse circuito. Por isso não está para mim a fazer um percurso aquém das minhas expectativas, está sim, como aliás tem sempre feito, a fazer um percurso sólido e com os pés bem assentes na terra.

Como vês o golfe em Portugal em termos gerais?

Vejo uma evolução enorme em termos de resultados desportivos. Temos dois jogadores Portugueses a competir a tempo inteiro no European Tour (Ricardo Santos e Filipe Lima), o António Rosado a brilhar na África do Sul, o Ricardo Melo Gouveia a ser convocado para jogar a Palmer Cup depois de mais uma brilhante vitória no circuito universitário e o Pedro Figueiredo e o Gonçalo Pinto a começarem a dar os primeiros passos como profissionais. Isto seria impensável há 10 anos, e neste capitulo a Federação Portuguesa Golfe está sem dúvida de parabéns. No entanto o número de jogadores estar estagnado é muito preocupante. O mercado nacional é muito pequeno, não tem dimensão, temos assistido a uma competição entre os campos através da variável “preço” e isso faz com que os mesmos sejam insustentáveis (não me estou a referir a campos suportados por jogadores estrangeiros). Seria muito positivo se cada jogador federado se focasse em angariar pelo menos um jogador novo por ano.