Há 20 anos, deixou uma promissora carreira automobilística para se dedicar ao golfe.
Partindo do zero, em dois anos chegou a 3 de handicap e passou pouco depois a profissional. Hoje, com 44 anos, só a família o liga ao golfe.
GOLFTATTOO: 1986: bicampeão nacional de karting; 1989: Campeão Nacional em Fórmula Ford; 1990: vice-campeão europeu em Fórmula Ford; 1991: campeão do mundo por equipas em Fórmula Opel; 1992: novamente campeão do mundo em Fórmula Opel; vice.campeão do Masters Fórmula 3 e 4º no Campeão Alemão de Fórmula 3; teste de Fórmula 1 no Autódromo do Estoril... O teu abandono da carreira automobilística, em 1993, foi assim uma coisa repentina, surpreendeu muita gente…
DIOGO CASTRO SANTOS: Sim. Foi repentino, não era uma coisa que estava prevista nem foi calculada. Surpreendeu algumas pessoas, principalmente pessoas do sector. Talvez tenha sido o culminar de uma época, ou de um ano, muito difícil, em que tive dois ou três acidentes, um deles um pouco mais grave. O fim do ano acabou debaixo de muito stresse, com resultados um pouco aquém do que esperava. Tudo isso contribuiu para o meu abandono.
E foi aí que entrou o golfe?
Bem, o golfe já tinha entrado, mas de uma forma muito pacífica, tranquila, nunca com uma visão como aquela que tive quando abandonei os carros. Tinha amigos que jogavam. Um deles levou-me a experimentar e logo desde o primeiro momento fiquei atraído pelo golfe, apaixonado. Nessa altura, a modalidade em Portugal estava muito menos desenvolvida do que está agora, era mesmo elitista. Eu não podia jogar mais porque estava nas corridas, mas ficou cá.
Quando abandonei os carros decidi logo que ia dedicar-me ao golfe. Saí quase directamente de Macau, onde fiz a minha última corrida, e fui para a Califórnia, onde já tinha dois irmãos a estudar. Enfim, penso que um mês depois de ter abandonado os automóveis já estava nos Estados Unidos, a olhar para hipóteses relacionadas com golfe. Queria aprender a jogar intensamente e tentar fazer uma vida do golfe.
O golfe porquê?
Porque achava que era um desporto em que eventualmente se podia atingir um nível bom, não começando com 10 anos de idade. E achei que possuía características, que trazia do passado, relacionadas com os automóveis, que me poderiam ajudar ao nível da competição, nomeadamente a concentração, a força de vontade, o espírito de sacrifício.
Embora nunca tivesse chegado a um nível por aí além, o que fiz em muito pouco tempo teve a ver com isso, com tudo o que trazia de trás. Ao fim de um ano era 12 de handicap e quando saí da Califórnia e voltei para Portugal, ao fim de dois anos, era 3.
Acho que ter feito isso em pouco mais de dois anos revela um pouco a minha dedicação. No golfe não é fácil atingir um bom nível. Muito menos em tão pouco tempo. A dedicação foi total, era de manhã à noite a jogar nas academias, tive inclusivamente alguns problemas físicos, alguns até graves (rotura de ligamentos no tornozelo do pé esquerdo e deslocamento de algumas costelas).
À conversa com GOLFTATTO na Quinta da Marinha / © FILIPE GUERRA
Em que zona da Califórnia estiveste?
San Diego.
San Diego, Terra de Phil Mickelson…
Lembro-me perfeitamente de vê-lo treinar em certos driving ranges. Era uma coisa impressionante, não só por ser canhoto, coisa que causa sempre um efeito um pouco diferente do normal, mas pela suavidade com que batia na bola e pela distância, que eram impressionantes. Já chamava muito a atenção, já havia muita gente de volta dele.
A primeira academia em que estive chamava-se San Diego Golf Academy, era em El Cahon, e tinha muito pouca tradição entre europeus – em 80 ou 90 estudantes havia mais um europeu além de mim. Havia, isso sim, muitos asiáticos, japoneses, alguns americanos.
Entrei para fazer o curso de gestão de golfe, mas a componente de jogo era já nessa altura muito alta, e só deixavam entrar pessoas com handicap inferior a 10, coisa que na altura eu não tinha. Mas abriram-me uma excepção, não me lembro porquê. Estive na academia pouco tempo, oito meses, depois continuei em San Diego, porque o que não faltam lá são campos e academias de golfe. Estive em várias, três ou quatro, sempre a aprender golfe.
Mas então não chegaste a concluir o curso de gestão…
Não tenho o curso porque saí da academia ainda sem o ter terminado, mas a única coisa que faltou foi finalizá-lo, porque fiz as aulas todas necessárias. Não me lembro bem por que razão, faltaram-me alguns crédito para acabar e na altura não liguei muito.
Tinha a ideia da competição, estava muito mais focado nessa área, que era, aliás, a área de onde eu vinha, mas de outra completamente diferente. Dediquei-me à parte do jogo, à competição, e não acabei o curso por meia dúzia de créditos.
Chegaste a ter mesmo planos de ser profissional de competição?
Sim. Nos EUA, cheguei participei inclusivamente num tour que havia lá no sul da Califórnia só com amadores scratch e até handicaps positivos. Em Portugal fiz umas brincadeiras cá em Portugal, joguei alguns torneio da PGA Portugal, cheguei a ser apoiado pela Penha Longa. Os resultados nunca foram por aí além, em grande parte porque não tinha a experiência de jogo em competição (coisa que só se consegue com mais tempo). Depois lesionei-me numa mão, fiz uma rotura total do polegar a jogar voleibol de praia. Isso fez-me enveredar pelo ensino.
Conta-nos como foi essa nova fase na tua vida?
Uma coisa que na altura não existia cá em Portugal eram escolas de golfe ou driving ranges desassociados de clubes e de campos, ou seja, libertas de estruturas muito mais pesadas. Nos EUA havia em cada esquina, em qualquer lado, em qualquer tipo de terreno, na cidade, fora da cidade, com relva, sem relva, com redes, sem redes.
Então vi que existia um terreno com características interessantes em Sintra, perto de onde eu vivia, e que pertencia a um amigo dos meus pais. Ali montei uma coisa extremamente simples, com 20 ou 30 tapetes, e com uma estrutura muito ligeira, em madeira, para servir de apoio. E aquilo pegou logo, imediatamente, mesmo não estando perto de um centro urbano.
Em Galamares cortou-se um bocadinho aquela sensação de que o golfe era uma coisa elitista, só para algumas pessoas. Era fácil as pessoas entrarem ali, perguntarem o que é que era, como é que se fazia, e começarem, com pacotes inovadores e a preços mais acessíveis. Foi um sucesso e em muito pouco tempo tinha a minha agenda praticamente a 100 por cento ocupada, foi até necessário começar a olhar para outros profissionais de ensino. Acho que o que contribuiu para o sucesso foi uma forma diferente de ensinar, alguma inovação que eu, na altura, trouxe dos Estados Unidos.
O driving range de Galamares já não está em funcionamento…
Devido ao sucesso de Galamares, fui contactado para fazer uma escola de golfe no Belas Clube de Campo. Fiquei dividido entre os dois espaços, e quando tive de meter alguém em Galamares para me ajudar a escola começou a perder um pouco de força, talvez relacionado com o facto de ter perdido o factor-novidade, sim senhor, mas também porque deixei de poder dedicar-me a todos os meus alunos, que tinham criado um elo muito próximo comigo. Em 2003 trespassei o negócio de Galamares a uma outra entidade, a qual encerrou o driving range e manteve o clube [Clube de Golfe de Galamares] entretanto criado, na altura com 150 membros com quota activa.
Com a família no Algarve: Duarte, Leonor e Joana / © DR
E o trabalho no Belas Clube de Campo durou quanto tempo?
Foi um protocolo de cinco anos, findos os quais ambas as partes decidimos não continuar. Eu tinha uma ideia muito concreta para aquilo, que não era partilhada pelas pessoas que estavam à frente de Belas. Tinha inclusivamente projectos para abandonar Galamares de vez e dedicar-me a Belas. Amigavelmente, decidimos não renovar o protocolo. Mas correu bem em Belas, tinha características diferentes de Galamares. Em Galamares tivemos oportunidade de ter muita gente que nunca tinha olhado para o golfe e fazê-la iniciar-se na modalidade, em Belas eram pessoas mais à vontade com golfe.
Hoje em dia já não tens nenhuma relação profissional com o golfe…
Com o fim das academias passei a jogar só pelo lazer, tornei-me amador ao fim de dois anos e perdi propositadamente a caderneta profissional, para poder voltar a fazer torneios de amadores. Ao mesmo tempo a minha vida voltou a dar uma volta, porque foi preciso dedicar-me aos negócios familiares, que têm a ver com a área do real estate, do imobiliário, e portanto a poucos e pouco fui-me afastando sempre do golfe. Hoje sou um 11 de handicap.
Se pudesses voltar atrás farias alguma coisa de forma diferente?
Não me arrependo de nada. A minha mulher [Joana Sarmento Moreira], conhecia-a no golfe, foi minha aluna. Apareceu lá em Galamares, os seus pais tinham casa lá perto, eram sócios do Lisbons Sports Club. Estamos juntos até hoje, e temos dois filhos. Tenho a família toda a jogar, o que é uma coisa óptima. Os meus filhos estão a tentar entrar para a Escola Nacional de Golfe, da Federação, no Jamor. Estão na lista de espera. Mas vêm bater bolas comigo.
No início desta entrevista disseste que o golfe em Portugal não estava tão desenvolvido em Portugal há 20 anos como está agora. Que mudanças encontras?
O que eu acho mais interessante na evolução do golfe em Portugal é que hoje há uma maior aptidão das pessoas para jogarem golfe. Foram criadas as condições necessárias elas se iniciarem mais facilmente na modalidade. Por outro lado, ainda está muito aquém, em termos de número de jogadores, de outros países europeus mais desenvolvidos na matéria. Ainda é caro, também. As pessoas têm de chegar a um determinado nível de vida para poderem jogar golfe para, poderem ususfruir de um desporto que é espectacular. Acho que a FPG tem feito os possíveis e os impossíveis, tem dado alguns passos no bom sentido, mas, que eu me lembre, não existem ainda campos municipais. E nós temos condições únicas para golfe em Portugal.
Também por isso é de louvar o prejcto GOLFTATTOO, acho que é mais uma ferramenta que pode contribuir positivamente para o golfe. Também é de estranhar como é que não existe já um site como o vosso como. Espero tenha sustentabilidade para se manter e até para ajudar ao desenvolvimento do golfe em Portugal.
Com José Pedro Fontes após vitória em prova de GT no Estoril © DR
Sei que em 2009 ou 2010 voltaste às corridas automobilísticas…
Nunca perdi a paixão pelos automóveis, e conheço muita gente nesse meio. Portanto, sempre que há uma oportunidade, sempre que alguém me chama para eu ir fazer uma experiência aqui e acolá, nunca digo que não. Em 2001, a convite da Fiat, houve uma oportunidade nos ralis, que não eram a minha especialidade. Fiz o Nacional de Ralis e foi muito interessante. Depois, em 2010, a convite da Aston Martin e da Vodafone, tive outra experiência nos GT. São carros de turismo muito potentes, foi também uma experiência gira, mas só durou um ano. Os convites vão e vêm…
Em Portimão conduzindo um Aston Martin DB9R categoria GT3 com 600 CV / © DR
Até que ponto estiveste perto de ingressar na Fórmula 1?
Na altura já estava tudo encaminhado para ir para a Fórmula 1, mas era preciso muito dinheiro, sempre foi preciso dinheiro. Mesmo aqueles que não pagam, trazem sempre dinheiro, patrocinadores, e na altura já se perspectivava uma enorme dificuldade em conseguir tais verbas. De qualquer maneira estava na calha eu entrar na Fórmula 1 e o teste que fiz em 1992 com um Jordan foi uma experiência única na vida, porque a Fórmula 1 é uma ferramenta praticamente desumana, é o limite da capacidade do ser humano.