Depois de 14 anos na Nevada Bob’s Golf, deixou Portugal para outros desafios nos EUA
José Rodrigues é bem conhecido no meio do golfe português. Não só por ser um excelente jogador amador (handicap 4), mas por ter trabalhado toda a sua vida no golfe, nomeadamente na Nevada Bob’s Golf (a maior cadeia de lojas de golfe do país) nos últimos 14 anos. Este ano aceitou o desafio do seu amigo Rogério Brandão e foi para os Estados Unidos trabalhar no comércio (compra/venda) de gado bovino. Uma mudança tão drástica pedia uma entrevista com este lisboeta de 46 anos que vivia há 15 anos no Algarve (Albufeira, Vilamoura, Quarteira…). Aqui está ela, a partir de Turlock, na Califórnia. Em discurso directo.
“É uma realidade que toda a minha vida foi ligada ao golfe, mas, diariamente, somos confrontados com as mais diversas situações, algumas das quais complicadas de gerir, e tomar a decisão mais correcta não é fácil, mas devemos tomá-la, caso contrário, perdemos a oportunidade de seguir em frente. Tenho 46 anos e os últimos dois anos da minha vida foram muito complicados. A vida é assim, feita de altos e baixos. Se, há uns anos, me tivessem dito que eu iria emigrar com esta idade, não acreditaria. Mas a verdade é que eu tinha vontade de me aventurar. Alguns amigos meus chamaram-me maluco: ‘Agora, aos 46 anos? Tem juízo!’ Eu acho que quando acreditamos em nós a idade não conta. Temos tão pouco tempo de vida... não é?
“E aqui estou, pronto para uma nova etapa da minha vida. Sinto-me com força, como se tivesse 20 anos, por um futuro melhor, lutando sempre pelas minhas convicções e pelos meus objectivos que tracei para o resto da minha vida. Tenho um filho com 20 anos e com isto tento transmitir-lhe que tem de lutar pela vida independentemente da idade e do país em que estiver. Se tudo correr bem, e face à crise que o nosso país atravessa, trago-o para aqui, caso ele queira.
Na Califórnia com chapéu à texano / © D.R.
“Este projecto foi-me apresentado por um grande cliente da Nevada Bob’s Golf [NBG], e meu amigo pessoal de nome Rogério Brandão, por sinal um excelente jogador de golfe. Antes de sair da NBG e de Portugal, tive e tenho dois investidores que queriam apostar em mim para um projecto semelhante ao da NBG. Disse que não porque necessitava disto, desta experiência, de conhecer novas culturas – e em Portugal as coisas estão muito complicadas. O Rogério é um homem grande em tamanho mas em coração é bem maior, há poucas pessoas assim e agora apercebo-me da sua grandeza nos Estados Unidos, o quanto ele é respeitado por estas bandas. Obrigado Rogério… Viaja-se muito, é duro, mas é muito gratificante. Este continente é um sonho.
“Estou aqui há sete semanas e já conheci São Francisco, Sacramento, Oregon, Portland, Seattle e o estado do Nevada: Reno ate Idaho. Viajamos muito, vamos aos ranchos buscar os bezerros, são muitos quilómetros de carro. Para teres uma ideia, de Turlock (a cidade onde temos a base) a Seattle são 13 horas de carro, e de Turlok a Idaho são também 13 horas de carro. Ainda existe a outra parte da Califórnia, que ainda não conheço mas que vou conhecer em breve. Leio muito, vou conhecendo algumas terrinhas aqui ao pé da cidade, enfim, parado não estou. Até porque ajuda-me a não ter tantas saudades, do meu filho, da malta amiga, da família… e de alguém muito especial que aí está, no nosso Portugal.
“Aqui é tudo em grande, lojas dez vezes maiores do que em Portugal. O custo de vida aqui é muito igual ao de Portugal, mas o ordenado mínimo anda à volta dos 1800 dólares [1663 euros]. A gasolina , as comidas nos supermercados, as roupas, se souberes procurar tens muita oferta e as coisas são bem mais baratas do que aí em Portugal. Para teres uma ideia, comprei três pares de calcas de ganga da Levis por 72 dólares, cada $24. Os carros aqui são muito baratos, tens Mercedes classe A de 2014 com poucos quilómetros a 24.000 dólares. Vêem-se aqui muito carros de marcas japonesas, que são do melhor que há no mundo, a precos irrisórios. Em quase todas as áreas de serviço existem casas de banho com chuveiros onde tomas um banhinho para despertares e seguires viagem tranquilo. Enches o depósito de gasolina e oferecem-te dois litros de uma bebida à tua escolha. Em três semanas consegues remodelar uma casa toda... Enfim , são coisas pequeninas mas que fazem diferença. A nivel de precos de green-fees, tens muitos campos em que se paga $35 com buggie incluído. A nível burocrático, os problemas são resolvidas na hora.
“Quando apanho um fim-de-semana livre, coisa rara, vou bater umas bolinhas a um driving range que aqui existe perto, sabes, o bichinho do golfe está cá dentro e é complicado não exercer o meu desporto favorito. Só nas duas últimas semanas é que tive oportunidade de jogar em dois campos, no Turlok Golf Country e no Stevinson Ranch Golf Club, que é um exelente campo, muito difícil de se jogar, com pares 4 muito compridos e os greens todos ondulados. Em relacão ao score que fiz nesses dois jogos, ehehehe, no comments. Mas agora já estou mais organizado, quer a nivel profissional, quer no que diz respeito ao fuso horário (são oito horas de diferença em relação a Portugal), e irei conhecer outros campos. Aqui perto existe a cidade de Modesto, que tem em seu redor sete campos de golfe – vou tentar jogar em todos. Em princípio vou ao Masters a Augusta National, tenho a promessa de um convite e nunca me perdoaria a mim mesmo não aproveitar ver este magnífico torneio ao vivo.
“Do que sinto mais falta? Essa pergunta é difícil… Sinto falta do nosso Portugal, do meu filho, dos amigos, do cafézinho onde assistia às vitórias do grande Benfica, dos restaurantes com o nosso peixinho e principalmente do mar. Sabes, no final da tarde, eu costumava observar o mar, tinha a sorte de morar junto dele. O mar é bom amigo, por vezes meu ouvinte, e transmitia-me paz e tranquilidade – e no fundo é das poucas coisas que ainda não tem preço... O mar é de cada um de nós.
O golfe continua a fazer parte da sua vida nos Estados Unidos / © FILIPE GUERRA/GOLF PRESS
“Cheguei ao golfe com 15 anos. Fui Caddie-Master no Lisbon Sports Club, que é dos campos mais antigos e naturais de Portugal. Depois tive um convite para trabalhar numa loja em Lisboa – a Lisgolfe. Com esta loja tirei vários cursos em Inglaterra (todos ligado a fittings de tacos). Ao fim de uns anos mudei-me para o Algarve e fui trabalhar para o Planeta do Golfe, onde estive três anos. Depois apareceu o convite da NBG, na qual estive 14 anos. Quando recebi o convite da parte da NBG para abraçar o projecto, só existia a loja do Estoril. Os responsáveis na altura tinham muita pouca experiência no ramo do golfe e a loja era em grande parte gerida pelos ingleses. Com a minha chegada pudemos ajustar os stocks à nossa realidade, que é completamente diferente da de Inglaterra. Criámos também o sistema de mudança de varetas e grips e começámos também a fazer retomas de material dos clientes nas vendas. Actualmente são 12 lojas e mais duas que estavam praticamente garantidas. Isto conseguiu-se com trabalho, com conhecimentos e no fundo estas lojas todas são um reconhecimento da qualidade desenvolvida pela empresa nestes anos de existência, e todos os seus colaboradores foram importantes para o sucesso da mesma. As pessoas são aquilo que somos, nas vivencias, nas decepcões e na aprendizagem em que a vida nos mantém. Conheci muitas pessoas, tornei-me amigo de muitas, ficaram as boas e más decisões, assim como muitas alegrias e algumas tristezas. Saí de consciência tranquila, dei sempre o meu melhor, a empresa sobreviveu a esta crise de há quatro anos para cá e está bem e recomenda-se. No fundo foram 14 anos que farão parte da história da minha vida. Desejo que o sucesso continue ao longo dos anos.
“Todas as vitórias são conquistadas com sorte e com sofrimento, então no golfe isso ainda mais se acentua. Todas me deram gozo. Já ganhei muitos torneios a fazer 3/4 de swing, com febres altas em que cada vez que dava uma tacada a minha cabeça parecia que ia explodir. Tive duas que me deram imenso gozo e por equipas, uma delas foi na Finalíssima do Expresso BPI Golf Cup, em que fomos campeões em Valderrama em representação na NBG, contra duas excelentes equipas dos Açores com handicaps baixíssimos e na modalidade medal individual. Primeiro, porque nenhuma equipa da região do Algarve tinha ainda vencido este prestigiado torneio, dos mais importantes que se realizam no nosso país há já vários anos. Já na qualificação para essa Finalíssima, na Final Nacional nos Açores, tínhamos ficamos em segundo lugar a um ponto dos primeiros, com dois dias de golfe impossíveis de se jogarem, com chuva e vento horríveis – e nós, do Algarve, habituados ao solinho, fizemos ali um brilharete. Era o Tomás Melo Gouveia, o Paulo Pingo, o José Ressurreição e eu.
Campeão do Expresso BPI Golf Cup pela Nevada Bob's em 2010 / © FILIPE GUERRA/GOLFPRESS
A segunda vitória mais importante foi a que o José Ressurreição e eu conseguimos por ocasião da Final Mundial do World Corporate Golf Challenge, na África do Sul. Aliás, vencemos essa competição duas vezes. Jogámos essas finais contra tudo e todos, foi na altura em que a crise em Portugal tinha rebentado e éramos olhados como uns pobres coitados, olhavam-nos com desprezo. Mas ganhámos e o maior gozo que tivemos foi vermos a nossa bandeira estar no palco durante o jantar de gala que durou três horas. Foi lindo e na altura reconheceram o nosso mérito e deram-nos as seguintes alcunhas: "Big Joe" eu "Little Joe" o Zé, face à sua pequena altura – mas um grande homem, como poucos.
“Um dia, antes de um torneio importante, fui ao meu profissional de ensino, o Joaquim Sequeira. A coisa estava tão má que ele se riu quando lhe disse que ia jogar no sábado um torneio importante. Ele tinha acabado de me pôr a fazer 300 swings sem bater na bola... e disse-me : ‘Ok, cada shot que deres amanha não assentes a cabeça do taco no chão”. E assim foi, cada shot que ia executar não assentava a cabeça do taco no chão. Lembro-me que quando cheguei ao buraco 9 vinha quatro abaixo do par gross – e acabei por ganhar o torneio com duas abaixo. Tive outra situação, numa das finais nacionais do Circuito Solverde disputada no Oporto, em que joguei com o meu amigo Manuel Violas, um grande homem em todos os sentidos. O jogo nos primeiros 9 buracos não tinha corrido como eu esperava e ele estava-me a ganhar; quando chegámos aos últimos 3 buracos (16, 17, 18), disse-lhe que iria fazer três birdies e que lhe ganharia. E realmente fiz os três birdies e foi giro ver a cara do Manel no final. Acabámos por empatar e no segundo dia do torneio jogámos outra vez juntos e… no comments. Ele nesse ano ganhou o torneio.
“Se tudo correr como planeado não tenciono voltar tão cedo. Quando regressar, certamente que ficarei ligado ao golfe, até porque é a minha vida. Vamos ver, agora há que centralizar as minhas forças e o meu querer aqui neste projecto, mas jamais esquecerei o meu Portugal, é aí que tenho tudo.”