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Teresa Matta: “Já não faço sacrifícios pelo golfe"”
22/06/2015 15:57 Rodrigo Cordoeiro
Teresa Matta aqui fotografada na sala de sócios do CG Estoril / © FILIPE GUERRA

Figura histórica do Clube de Golfe do Estoril, foi 11 vezes campeã nacional de senhoras

Foi no Lisbon Sports Club, em Belas (Sintra), que deu os primeiros passos no golfe, em 1968, mas foi com a camisola do Clube de Golfe Estoril, para onde se mudou em 1973, que se tornou a mais titulada jogadora na história do golfe feminino português. Teresa Matta venceu 11 vezes o Campeonato Nacional de senhoras (a primeira em 1977, a última em 1994) e 7 vezes a Taça da Federação (a primeira em 1987, na primeira edição deste torneio, a última em 1994), o que lhe dá um total de 18 vitórias nos dois majors do golfe amador nacional, recorde absoluto. Claro que o seu currículo não se fica por aqui. Por exemplo, ganhou 15 vezes o campeonato do seu clube, sendo inclusivamente a detentora do troféu (ainda referente a 2014); ajudou o Estoril a vencer vários campeonatos nacionais de clubes (para senhoras, o Troféu Nini Guedes Queiroz); representou Portugal em muitas provas no estrangeiro, nomeadamente em quatro Campeonatos do Mundo por Equipas (para senhoras, o Troféu Espírito Santo). O seu último título de campeã nacional foi em 2013, no escalão de seniores (acima dos 50 anos). Nesta entrevista, a estorilista, nascida em Lisboa há 54 anos, lenda viva do golfe português, fala sobre a sua carreira no golfe, sobre os seus tempos áureos, sobre os momentos mais marcantes e sobre a actualidade do golfe feminino português. 

Aos 54 anos, Teresa ainda não parou de ganhar: é a campeã do CG Estoril © FILIPE GUERRA

GOLFTATTOO – Tendo em conta o seu palmarés desportivo no golfe, será que estou a entrevistar a melhor golfista portuguesa de sempre? 

TERESA MATTA – (Risos) Não, acho que não. Em termos de troféus ganhos, talvez sim, em termos de melhor jogo, acho que não. Posso ter sido uma figura marcante ligada ao golfe feminino português, mas os resultados que eu fazia na altura não eram tão bons como os das jogadoras actuais, o nível que elas conseguiram atingir em termos de resultados é bastante melhor do que aquilo que eu consegui. Mas é sempre difícil dizer quem foi a melhor ou quem foi o melhor, é muito subjectivo, as épocas são diferentes, é tudo diferente, e não se pode comparar a nossa época com a época actual. É incomparável, em termos de número de jogadoras, de competição, de apoios, de tacos de golfe, de bolas, das condições dos campos, de tudo. Não tem nada a ver. Hoje em dia, não tirando de maneira nenhuma qualquer mérito às jogadoras actuais, as condições são de facto muito melhores. De qualquer forma, nunca recebi qualquer tipo de distinção por parte da Federação Portuguesa de Golfe. Do clube, sim, fui eleita sócia de mérito e alvo de reconhecimento oficial. 

Em Abril, Susana Mendes Ribeiro sagrou-se campeã nacional absoluta pelo terceiro ano consecutivo, e nos últimos quatro anos foi sempre a número um do ranking nacional amador feminino. Como é que vê esta hegemonia da Susana em Portugal? 

A Susana é indiscutivelmente uma óptima jogadora e muito aplicada também. Daquilo que sei, ela actualmente dedica-se exclusivamente ao golfe, aliás, já anunciou que vai tornar-se profissional mais tarde ou mais cedo. Tem essa vantagem relativamente às outras jogadoras, acaba por não estar em iguais circunstâncias com as outras, mas isso obviamente não lhe tira mérito, porque ganha e é consistente. 

Alguma vez teve a ambição de se dedicar inteiramente ao golfe e eventualmente tornar-se profissional? 

Eu acho que muito nos primórdios, nos finais dos anos 70, ainda tentei uma bolsa de estudo para os EUA. Eu tinha esta ideia fixa de ir para os EUA, para poder estudar e jogar golfe, que era a única maneira de conseguir evoluir bastante. Estou a lembrar-me de uma italiana que começou no golfe ao mesmo tempo que eu, e que um dia saiu de Portugal para uma universidade em Londres ou perto de Londres, onde se jogava golfe, vindo mais tarde de lá com um  handicap baixíssimo e rapidamente fazendo parte da selecção italiana – isso para mim foi fascinante e fez-me pensar nas dificuldades que tínhamos por cá, em termos de treino. Nessa altura, no entanto, eu tinha 21 anos e já estava noiva, portanto, acabei por ficar em Portugal e não optar por essa saída. 

Qual foi então a "saída" nessa fase da sua vida? 

Tirei então o curso de tradutores e intérpretes do ISLA e depois dediquei-me aos meus filhos: trabalhava em part-time e jogava golfe e fazia um bocadinho de tudo. Acho que, mesmo que pudesse voltar atrás, não me dedicaria exclusivamente ao golfe.

Durante a entrevista ao GolfTattoo © FILIPE GUERRA

Como é que vê, em termos gerais, a actualidade do golfe feminino em Portugal? 

Houve evolução, não há dúvida nenhuma que há cada vez mais e melhores jogadoras. Mas não são muitas, e continuo a achar que podíamos ter mais jogadoras. Comparando com o meu tempo, há 30 e tal anos, não acho que a evolução tenha sido muito grande porque passámos se calhar de seis jogadoras para 18, três vezes mais. Não se pode comparar com a evolução que teve o golfe masculino e não sei se é por falta de líderes, de boas jogadoras ou de ídolos. Acho que tem mais a ver com a mentalidade das raparigas em Portugal: não são educadas a ser desportistas. Acho que é um problema que não tem a ver com o golfe, tem a ver com todos os desportos em geral. A rapariga portuguesa se puder escapar a fazer desporto, escapa-se. Isso é que é para mim o grande problema de não termos melhores jogadoras. A nível nacional, as pessoas, os governantes não perceberam que tanto no golfe, como em todos os outros desportos, tem de se criar condições para as pessoas poderem estudar e poderem seguir o desporto de que gostam e tentarem fazer uma boa carreira dentro do seu desporto. Isso só será possível quando as pessoas tiverem a possibilidade de ir para uma universidade onde, nem que seja com cursos limitados, haja a possibilidade de os alunos treinarem todas as tardes ou todas as manhãs, à semelhança daquilo que acontece lá fora. Já em Espanha nós temos esse exemplo. 

Ganhou 11 vezes o campeonato nacional. São muitas vitórias. Qual foi o título mais saboroso de todos? 

Houve um que me marcou imenso, foi contra a Patrícia Roquette, em 1994, no último ano em que fui campeã nacional. Fui a perder por 1 down para o 36.º buraco depois de ter ficado em vantagem da parte da manhã por 4 ou 5 up – de repente, comecei a querer segurar o jogo e tudo se complicou. Tinha um putt de sete, oito metros, com linha, a subir; concentrei-me mesmo, tinha de meter aquele putt – e acho que foi tanta a força do meu pensamento que meti e fomos a play-off;  acabei por ganhar no 38.º buraco. Essa vitória foi a vitória mais sofrida que tive na minha vida. 

No seu tempo quem eram as principais jogadoras? 

A Graça Medina terá sido a minha grande rival, logo seguida da Patrícia Roquette. Mas a Graça foi também companheira, porque jogávamos juntas o Campeonato Nacional de Pares e ganhámos muitos. A Patrícia Nunes Pedro surgiu depois, bem como a Ana Cristina Boaventura, que vivia no Brasil mas que esteve em Portugal e que era também considerada uma óptima jogadora – aliás, o penúltimo campeonato nacional que ganhei, em 1993, foi contra ela, na Estela. Havia também as duas manas Dantas (a Isabel e a Cláudia) e a Branca Ferreira (que, quanto a mim, foi umas das melhores e mais completas jogadoras que nós tivemos). Um pouco mais tarde vieram outras jogadoras como a Sofia Paiva, Rita Jordão, Joana Trigoso, Inês Mendonça, a Mónia Bernardo, Carla Lopes, Carolina Catanho, Lara Vieira, Joana Silva Pinto, Marta Vasconcelos, com quem também tive a oportunidade de ter matches bastante competitivos, especialmente no Nacional de Clubes. Depois, no meu clube e noutros, também sempre houve jogadoras com handicaps médios, ali dos 9, 10, 11, 12 (a sua mãe, Rodrigo, foi uma delas), jogadoras com um nível ligeiramente inferior ao nosso mas que, em determinadas alturas, também faziam frente.

Com Patrícia Roquette em 1992, no Internacional de Marrocos, em Rabat / © D.R.

Campeonato da Europa por Equipas de 1995, em Monza, Itália. Da esquerda para a direita, Branca Ferreira, Isabel Dantas, Graça Medina, Manuel Agrellos (actual presidente da FPG), Patrícia Roquette, Patrícia Nunes Pedro e Teresa Matta / © D.R. 

A equipa feminina do Clube de Golfe do Estoril chegou a ser a melhor de Portugal, entre 2000 e 2005 venceu quatro vezes o Campeonato Nacional de Clubes para senhoras (Taça Nini Guedes Queiroz), mas desde então não voltou a ganhar… 

A equipa de senhoras do Estoril está algo “envelhecida”, não houve renovação nenhuma, não aparecem novas jogadoras no Estoril. Já não temos o nível dos clubes que são hoje os mais fortes em termos de senhoras, como Miramar e Quinta do Peru. E depois a Federação tem antecipado o campeonato para o Verão, o que é bom para as jogadoras novas, que estão de férias, mas mau para as mais velhas, que nessa altura estão de férias com os maridos. 

A Carla Cruz [campeã nacional de senhoras em 2000, 2003 e 2004, e vencedora da Taça da Federação em 2004, 2005 e 2006] foi uma digna sucessora da Teresa Matta e da Graça Medina no Clube de Golfe do Estoril… 

A Carla Cruz foi uma das melhores jogadoras do Estoril, com um jeito natural muito grande. Tenho imensa pena que ela hoje em dia praticamente não jogue golfe, acho que se ela se dedicasse um bocadinho mais tinha todas as condições, mas lá está, também se sentiu um bocadinho posta de lado e aí foi uma questão de idade. A Carla, numa altura em que ainda era muito boa jogadora e ainda muito nova, com 21, 22 ou 23 anos, foi preterida relativamente a jogadoras muito mais novas do que ela, só pelo facto de estas serem muito mais novas. Eu acho que isso foi uma coisa que a desgostou profundamente e acho que ela perdeu o ânimo nessa altura. Ser considerada velha com 23 anos! 

Isso também se passou de certa forma no último Campeonato do Mundo por Equipas, em Setembro de 2014, no Japão, em que chamaram a Inês Barbosa, de 15 anos, em detrimento da mais cotada e experiente Rita Félix, de 20 anos, que frequenta o curso de medicina. 

Provavelmente a Federação Portuguesa de Golfe pensa que uma rapariga com 22, 23 anos está quase a abandonar o golfe, ou porque está demasiada ocupada com o seu curso universitário, ou porque já vai entrar na sua carreira profissional, ou porque mais dia menos dia vai-se casar e ter filhos, logo, não valerá a pena investir nessa pessoa. É uma verdadeira injustiça. Não se deve prejudicar uma pessoa que jogou bem, nem estar a castigá-la. As pessoas têm de lutar por ter um lugar na equipa, acho que é fundamental que a pessoa sinta que é só pelo seu esforço que lá chega – e para isso, se calhar, tem de ser melhor do que uma jogadora que é mais velha. 

Quando é que a Teresa deixou de competir mais a sério? 

Terá sido em meados da década de 90. Foi uma série de circunstâncias que fizeram com que houvesse menos competição. As jogadoras mais antigas e da velha guarda também já iam menos a campeonatos… Depois, por motivos profissionais, também não me era possível dedicar-me inteiramente ou uma grande parte do meu tempo ao golfe, trabalhava durante a semana toda. Ora, ou temos um certo nível que valha a pena competir, ou então vamos deixando passar. Depois começaram também a surgir as raparigas mais novas, os campeonatos a serem todos juntos e cada vez com mais pessoas em que tinha de me levantar às seis horas da manhã para ir jogar a um campo a hora e meia de Lisboa – é preciso ter muito amor ao desporto para fazer isto e houve várias vezes em que ainda fiz esse esforço, mas é duro, até porque tinha os meus filhos, que na altura eram pequenos. 

Com que frequência é que joga hoje em dia? 

Hoje em dia já não tenho muita vontade de competir, foram tantos anos que já não tenho o mesmo prazer que tinha antigamente. O golfe continua a fazer parte do meu quotidiano, mas já não faço sacrifícios por ele. É para chegar ao fim-de-semana  e jogar com os meus amigos ou participar em torneios do clube. Já não estou focada, foi um desgaste muito grande todos os anos que tive de golfe, já sofri tudo o que tinha a sofrer. 

E em termos de experiências internacionais, o que nos pode contar? Quando campeonatos do mundo (Troféu Espírito Santo) jogou e quais são as suas memórias? 

Joguei quatro, em 1976 (Vilamoura, Algarve), 1982 (Genebra, Suíça), 1988 (Estocolmo, Suécia) e 1992 (Paris, França). Nunca nos correram bem, ficámos sempre nos últimos lugares, mas de facto o nosso nível era mau, comparativamente aos outros países.O primeiro é aquele de que guardo mais memórias, porque tinha 15 anos quando joguei e  Portugal era o país organizador, quer em senhoras, quer em homens. O Tito Lagos, que na altura era o presidente da Federação, fez questão que estivesse presente uma equipa feminina portuguesa; só que nós, nessa altura, tínhamos todas handicaps acima de 10, aliás de 12, e então fizemos algumas provas de apuramento e fomos escolhidas a Graça Medina, a Verónica Coelho (Soromenho) e eu, fomos as três. Lembro-me que foi em Outubro e que chovia a cântaros; no segundo dia, quando eu estava aí no buraco 15, cruzei-me com o Pedro Caupers, que ia como espectador no campo, e ele perguntou-me como é que me estavam a correr as coisas; eu estava aí com 10 acima, o que era um bom resultado para o dia que estava; ele disse-me que eu ia lindamente, porque estava toda a gente a jogar pessimamente e eu de repente fiquei cheia de nervos e acabei os últimos 3 buracos mal, mas mesmo assim ainda acabei com um resultado de 14 acima, o que não foi mau de todo para aquele dia de chuva e para o meu nível de jogo na altura.

No Campeonato do Mundo por Equipa de 1982, em Genebra / © D.R.

Ainda hoje Portugal costuma ficar no último quarto da classificação nos campeonatos do mundo por equipas para senhoras… 

Eu acho que não há milagres, só dentro de um volume de muitos jogadores é que se vão buscar as melhores. Nós em 10, 12 jogadoras vamos buscar 3. Vamos sempre buscar dentro de um número reduzido e as pessoas ficam de tal maneira nervosas que às vezes não conseguem a sua melhor performance, falta bastante prática na competição. Não é aquela coisa de estar a jogar todas as semanas torneios e a competir. Mas hoje as condições são muitas melhores. No meu tempo não havia dinheiro nenhum, era um esforço enorme para conseguirmos estar presentes no campeonato do mundo. Em 1982, na Suíça fomos só duas jogadoras, a Graça Medina e eu, porque não havia dinheiro para a terceira… 

Quem foi a “capitã” da equipa nesse campeonato do mundo? 

Por acaso foi a minha mãe, que nos acompanhou. É uma grande diferença em relação aos tempos actuais, quando há grandes comitivas portuguesas para o campeonato do mundo, de 5 ou 6 pessoas, contando com o treinador, o capitão e o presidente da Federação. Foi o que aconteceu nos últimos campeonatos do mundo em Setembro do ano passado, no Japão. Com o dinheiro que se gasta em acompanhantes, seria possível levar outros jogadores a outros torneios. É uma questão de prioridades e de escolhas, mas eu não faria assim. 

E para além do Campeonato do Mundo, que outras experiências marcantes teve? 

O ter ido jogar ao Campeonato do Mundo de infantis a San Diego, em 1973, foi a melhor experiência que tive na minha vida. Para já, foi a primeira vez que andei de avião, fui sozinha para San Diego; a minha mãe tinha trabalhado na TAP e fui recomendada ao director da TAP que estava na altura em Nova Iorque, e que foi buscar-me ao avião e depois meteu-me noutro para Los Angeles e depois San Diego. Foi uma aventura, tão miúda, ir sozinha para o outro lado do mundo. E lá fiquei bem classificada, acabei no sexto lugar. Outro episódio foi em 1980 ou 1981, no Campeonato Internacional de Juniores de Espanha, em Santander, prova em fui acompanhada pela Patrícia Roquette. Numa das voltas de treino em que íamos as duas, de repente, num dos tees de saída, surge o Seve Ballesteros, que vinha num grupo atrás de nós e um dos jogadores desse grupo veio pedir para passar. Claro está que demos logo passagem, e o Seve fez o seu drive de saída e ao aproximar-se do tee onde estávamos, mandou-nos jogar, trocou umas palavras simpáticas connosco e de seguida prosseguiu o seu jogo! Pedreña era o seu home course. Como se pode calcular o nervosismo foi enorme, mas nunca mais me esqueci deste episódio. Durante esse torneio ainda conversámos um pouco,  pois ele conhecia o Clube de Golf   do Estoril e o seu tio, Ramon Sota, já tinha participado no Open de Portugal.

Qual foi a sua experiência em torneios de senhoras profissionais, nomeadamente no Ladies European Tour? 

Joguei alguns, diria que joguei uns cinco Ladies Open de Portugal, quando eles ainda se realizavam. Em 1987, em Vale do Lobo, fiquei a uma pancada de passar o cut, com 8 acima no primeiro dia 1 acima no segundo. Aí, foi a minha melhor prestação.