Leonor Medeiros e Cláudia Dantas, a muito promissora atleta da Quinta do Peru e a sua treinadora
Leonor Medeiros diz que, em competição, só chorou uma vez. Foi no Campeonato Nacional de Sub-12 de há três anos, em Miramar, quando deitou tudo a perder com um dramático quádruplo bogey no 36.º e último buraco. Defendia o título e acabou na terceira posição, a três pancadas da campeã Rita Costa Marques e a duas da vice-campeã Ivete Rodrigues. A sua treinadora, Cláudia Dantas, também não resistiu às lágrimas.
Na edição anterior do Nacional de sub-12, em 2014, ninguém treinara mais do que ela para ganhar, como veio a acontecer, no Jamor. Como contou Cláudia na altura ao jornalista Hugo Ribeiro, “foi uma semana de sofrimento, um estágio de uma semana inteira. Estava obcecada em ser campeã nacional depois de ter perdido nos dois anos anteriores. Nem a minha filha [Sofia Câmara, na altura vice-campeã nacional absoluta] fez coisas assim.”
Leonor também não tem tido muitas razões para chorar. Em 2016, no ano seguinte à hecatombe de Miramar, sagrou-se campeã nacional de sub-14, em Belas, ganhando com oito de vantagem sobre Rita Costa Marques, esta, diga-se só de passagem, muito penalizada por um 14 no seu segundo buraco de jogo. E em 2017, Leonor renovou o título em sub-14, em Santo Estêvão.
Este ano, 2018, está no bom caminho para vencer em sub-16 na sua estreia no escalão, num formato diferente do anterior, não já numa única prova, mas num circuito – o Drive Tour – Campeonato Nacional de Jovens – que terá o seu apogeu a 10 e 11 de Novembro na Final Nacional no Montado. Leonor Medeiros venceu os três primeiros torneios dos quatro disputados até ao momento no Drive Tour liderando o respectivo ranking.
ClÁUDIA DANTAS (CD) – A Leonor tem uma série de qualidades, uma delas rara de encontrar em jovens raparigas: é muito competitiva. A nível feminino não se vê tanto essa competitividade, a nível masculino sim. Ela nem a jogar aos feijões gosta de perder. Foi sempre assim, desde pequenina que tinha de ganhar e tinha de ser sempre melhor e melhor. A ambição dela é a procura da perfeição, o que para mim também é um desafio muito grande, porque ela nunca se acomoda, nunca está contente.
Escreveu Hugo Ribeiro na Golf Digest Portugal no rescaldo da vitória de Leonor em sub-12 em 2014: “Tem muito mais maturidade de jogo do que a idade.” Escrevi eu na mesma publicação, em 2016, no rescaldo da sua primeira vitória em sub-14: “O seu discurso na entrega dos troféus, articulado, desenvolto e adulto, foi muito aplaudido pela assistência, mas só terá surpreendido quem ainda não a viu jogar, pois o seu à-vontade estende-se ao campo, onde é séria (mas positiva e alegre), empenhada, concentrada e muito talentosa.”
Leonor Medeiros é mesmo um caso sério no golfe feminino nacional, pelo seu talento, pela sua competitividade, pela sua garra. Mas também porque há muito tempo que sabe o que quer – ser jogadora profissional de golfe. Não é crível que, como muitas outras amadoras portugueses de topo, venha mais tarde ou mais cedo, a deixar o golfe para segundo plano ou que o abandone mesmo. Findo o 12.º ano, quer ir com uma bolsa de golfe completa para uma universidade nos EUA e depois enveredar por uma carreira profissional. E antes até gostaria de conseguir conciliar o golfe com os estudos, como se faz nalgumas escolas em Espanha. Gostava nomeadamente de integrar o Centro de Alto Rendimento do Jamor.
Internacionalmente também tem dado cartas: entre outros resultados de destaque, vitórias no World Kids em 2013, 2014, 2015 e 2016; em 2017, ganhou o Campeonato Internacional Juvenil da Áustria e o Open Drive E. Leclerc – Sub 14, em Toulouse.
Este Verão, no Open Amador da Escócia de Raparigas Sub-16, em apenas duas voltas, a também portuguesa Filipa Capelo foi a vencedora, mas foi impressionante a forma como Leonor lutou para chegar ao título depois de uma primeira volta negativa.
LEONOR MEDEIROS (LM) – Fui com tudo para chegar ao primeiro lugar! Comecei mal a última volta, com bogey-bogey mas depois fiz quatro abaixo em 16 buracos o que foi excelente e uma grande recuperação. Quando faltavam sete buracos sabia que estava a quatro pancadas da líder, fui sempre atrás dos birdies! Já só tinha três buracos pela frente e tinha que fazer birdie-birdie-birdie para ir a play-off, consegui concretizar dois excelentes birdies nos buracos 16 e 17 e depois o putt de cinco metros no 18 não entrou! Mas fiquei muito satisfeita com o meu jogo na última volta, tendo feito o melhor score (-2) nas sub-16 em todo o torneio! Estou também muito contente pela semana que foi entre todos e pela grande vitória da Filipa.
Maior valor teve o sexto lugar no forte Internacional de Juniores da Bélgica, para jogadores sub-18, onde alcançou o terceiro lugar. Atenção que Leonor, tendo feito 15 anos a 25 de Junho, ainda está no primeiro ano de sub-16.
LM – Na Escócia, eu era a melhor jogadora no ranking mundial, mesmo tendo jogado poucos torneios a contar para o ranking. Já na Bélgica, estava em 30.ª em termos de handicap e era apenas a 32.ª melhor no ranking mundial. As cinco que ficaram à minha frente estavam nas sete primeiras em handicap e quatro delas eram as melhores em ranking mundial. Um top-25 já me deixaria satisfeita, seria bom, mas um sexto lugar é mesmo muito bom, no meio daquelas gigantes da Europa. Na Bélgica fizemos seis voltas de golfe, jogamos o am-am, a volta de treino e quatro dias de competição, mas estive sempre bem física e psicologicamente. Fui sempre crescendo ao longo da competição e subi muitas posições no último dia.
GOLFTATTOO (GT) – Recordam-se da primeira vez em que se encontraram?
CLÁUDIA DANTAS (CD) – Lembro-me do primeiro dia em que vi a Leonor jogar e fiquei surpreendida com a qualidade técnica, com o seu movimento. Ela andava em aulas de golfe, não começou aqui na Quinta do Peru, simplesmente veio cá jogar um torneio e as coisas desenrolaram-se a partir daí.
LEONOR MEDEIROS (LM) – Comecei a jogar em 2009 num clube sem campo, a Juvegolfe, e treinava no Montado. Esse torneio era do Projecto Drive, eu estava a jogar com um miúdo da Quinta do Peru, e o meu pai estava a conversar com a mãe dele. Acho que o meu pai perguntou quem era a treinadora e acabámos por marcar uma lição com a Cláudia. Depois houve ali uma boa ligação, uma boa comunicação. Eu tinha nove anos, estou com Cláudia há seis anos e meio, desde 2012.
GT— O que viste de especial na Leonor?
CD – Era uma atleta. Não era boa só no golfe, era também noutros desportos, em termos técnicos e físicos. Foi o que eu vi, que era uma atleta.
LM – Eu com 11 anos praticava três desportos: golfe, basquetebol e aikido. Mas não tinha tempo para todos, e o golfe sempre foi o desporto principal. Só ia aos treinos de basquete durante a semana, não ia aos jogos porque ao fim-de-semana ou vinha ao golfe ou tinha torneios de golfe.
GT – Como vês evolução da Leonor ao longo destes anos?
CD – A Leonor não pára de evoluir, o que é bom. Agora, não é fácil, porque esta fase de handicaps 0, 1, 2 é difícil, Os horários escolares não têm permitido que ela se consiga dedicar mais tempo, ela não tem nenhum estatuto, tem tido antes um horário escolar muito completo para quem tem este nível e quer mantê-lo. Consegue vir treinar uma vez por semana, mais os fins-de-semana.
LM – Gostava de integrar o Centro de Alto Rendimento que a Federação Portuguesa de Golfe criou e que vai voltar agora. Acho que poderei ter oportunidade de o integrar e acho que é uma coisa super-importante. Não tenho dúvidas de que se isso acontecer o meu jogo iria evoluir muito, porque se conseguisse conciliar a escola com o golfe era fantástico, aliás é um sonho meu.
CD – Devia haver mais apoio para estes atletas que representam a seleção nacional, as escolas não entendem isso. E eu não percebo porquê. A Leonor evolui porque depois ela passa as férias aqui, a vida dela é escola e golfe. E ela evolui porque ela é muito trabalhadora.
LM – Agora no 10.º ano [na Escola Secundária de Palmela, onde reside] o meu horário vai ser mais fácil para vir treinar, porque tenho aulas de manhã.
GT – Sentes que deste um salto grande este ano?
LM – Sinto que o meu jogo continua sempre a evoluir, nunca senti nenhuma paragem em termos de evolução. Este ano nem foi muito a nível técnico, foi mais em perceber o jogo, dentro de campo.
GT – Estão a fazer algum trabalho específico?
CD – A questão técnica que nos tem dado mais trabalho é a estabilidade.
LM – Se estou com algum erro, vou à oficina em 10 minutos e está bom.
CD – A Leonor é muito perfeccionista.
LM – Demasiado até.
CD – Às vezes estamos ali as duas em guerra, só falta andar mesmo ao soco. Mas não, estou a brincar, acabamos por nos entender bem. Como a Leonor era uma jogadora baixa, pequenina, magrinha, houve ali uma altura em que o que ela queria era bater longe, e sempre foi buscar muita força à parte de pernas, porque não tinha força cá em cima. Agora ela desenvolveu muito a nível físico, e daí ser importante o acompanhamento dos jovens atletas, de todos os atletas, porque eles estão sempre em mudança a nível físico, e o movimento está sempre em alteração. Com a Leonor, é isso: uma das partes mais frágeis dela sempre foi a estabilidade, de pernas, ancas, em segurá-la, e é nisso que estamos a trabalhar, mas está a evoluir super-bem.
Temos de trabalhar também muito no putting. Melhorou muito mas ainda tem de melhorar muito mais, é a área em que tem sido mais irregular nas competições. ‘Pata’ bem um dia ou dois, depois há um dia que 'pata' mal. Vê-se isso um pouco com todos os jogadores, é uma área que não perdoa, tem de se estar sempre ali a 100 por cento.
LM – Ainda sou um pouco irregular no putting, mas sei que é muito importante
CD – A Leonor é uma jogadora que tem muito feeling, tem bom feeling, é boa em jogo curto, mas o putting é uma área definitivamente a melhorar. Acho que os resultados podem ainda baixar se melhorar neste capítulo, porque dificilmente a Leonor mete putts longos, como metem de vez em quando os bons jogadores. Porque a nível técnico ela tem estado sempre a evoluir, ganhou muita distância. E tem de trabalhar mais fisicamente, que é uma área que ela não gosta. A Leonor adora treinar, desde que seja golfe, bater bolas, 'patar'. Já a nível de ginásio não é grande fã.
LM – Ainda não sinto necessidade disso.
GT – Cláudia, é diferente treinar rapazes e raparigas?
CD – Ensinar um rapaz ou uma rapariga são coisas completamente diferentes. Acho que todos os treinadores deviam concordar. As mulheres são diferentes, são mais complicadas. A Leonor destaca-se de forma diferente, porque é competitiva, é atleta, mas nem todas as raparigas têm este perfil. Nós vemos uma aula de raparigas e uma aulas de rapazes – e é diferente. Os rapazes são mais objectivos, são mais frios, é mais fácil às vezes eles estarem concentrados. É mais difícil ter uma rapariga concentrada. E depois há outras áreas que se tem de trabalhar nas raparigas, diferente das dos rapazes. Elas são mais curtas, por exemplo. E eu não vejo essa diferenciação no acompanhamento das atletas femininas, vejo que é tudo igual, o que fazem nos rapazes fazem muito nas raparigas, na minha opinião. E depois não percebo porque é que perdemos e continuamos a perder tantas jogadoras boas que já tivemos, quando chegam à faculdade. E vamos continuar a perder se isto continuar assim. Eu tenho muitas alunas que começam a iniciar-se no golfe aos 8, 9, 10, 11, 12 anos, tudo bem, e quando ccomeçam a chegar aos 10.º, 11.º anos, começamos a perdê-las.
LM – Se não vão para os EUA, morrem.
GT – Leonor, quem são os teus jogadores de referência?
LM – O "Figgy" [Pedro Figueiredo, que como amador – e foi o melhor português de sempre – representou a Quinta do Peru] foi sempre uma referência. Algumas vezes treino com ele aqui no Peru, quando está cá em Portugal, Agora estou muito contente porque o jogo dele voltou, não tenho dúvidas de que vai ser dos melhores do European Tour.
CD – O Pedro é um jogador muito tranquilo, fala um bocadinho do seu processo de evolução e das experiências e dos obstáculos por que passou.
LM – Persistência é a palavra, ele teve muita persistência e é uma coisa que eu admiro muito nele. Uma pessoa que não fosse forte psicologicamente não conseguia levantar-se outra vez e ele está no topo. De estrangeiros, a minha maior referência é o Ballesteros, já vem do meu pai, porque quando ele morava no Alentejo, de onde é originário, apanhava os canais espanhóis e via o Seve jogar. O Tiger também sempre foi uma referência, ainda por cima estive a vê-lo em Julho último no British Open, depois de ter jogado o Junior Open. É uma coisa que ninguém imagina, só vendo. No primeiro dia faltava uma hora para ele sair e já não havia lugares na bancada, o campo estava quase todo vazio, tudo a ver o Tiger.
De senhoras, gosto da Suzanne Pettersen e da Lydia Ko, com quem já estive no Evian Masters, tal como com a Michelle Wie. Também estive este ano com o Jordan Spieth, na cerimónia de abertura do Junior Open, pois ele era o campeão em título do British Open – conviveu com todos nós, disse que gostou de nos conhecer e desejou-nos boa sorte para o torneio.
GT – Cláudia, o golfe para ti, como para a tua irmã [Isabel], foi natural, viste que és filha de quem és [do histórico profissional de ensino António Dantas]. A tua irmã até chegou a representar Portugal no Espírito Santo Trophy [Mundial Amador por Equipas de Senhoras], mas foste tu que enveredaste por uma carreira profissional no golfe…
LM – Deve ser [António Dantas] das pessoas com mais experiência e que mais viveram o golfe. Chegou a jogar com o Ballesteros. É uma pessoa espectacular. Só há uma coisa de que não gosto nele: é do FC Porto – e ele também não gosta que eu seja do Benfica.
CD – O meu pai e a minha mãe trabalhavam no golfe do Estoril, eu comecei a jogar lá, pequenina. Depois o meu pai foi o profissional que foi abrir a Quinta da Marinha, em Cascais, onde comecei a jogar mais a sério. Aos 18 anos estava numa fase boa, tinha sido campeã nacional de juniores, mas aos 19, 20 engravidei da Sofia. Então abandonei o golfe durante seis anos, fui trabalhar, fazer outras coisas.
Ao fim desses seis anos o meu pai, a convite do dr. José Manuel Espírito Santo, veio para a Quinta do Peru, e ao fim de algum tempo começou o Projecto Drive da Federação, na altura patrocinado pela Inapa, e que oferecia verbas para os profissionais trabalharem com os jovens. O meu pai começou a crescer e lançou uma academia de jovens, pedindo então o meu apoio. Disse que eu tinha muito jeito com os miúdos. Foi assim um choque para mim, não sabia se conseguiria. Na altura a PGA de Portugal iniciou uma ligação à PGA of Europe para formação de treinadores. Propus a minha candidatura à PGA, tive de fazer uns testes de habilitação, todo o processo para me tornar profissional e treinadora. Adorei o curso, tivemos cá muitos prelectores da PGA of Europe, foram três anos em que até provas tive de jogar. Fiz todos os níveis de treinadora e ainda hoje mantenho-me sempre em formação.
Leonor Medeiros foi terceira, em Abril, no Campeonato Nacional Absoluto Audi em Ribagolfe, só atrás da campeã Leonor Bessa e da vice-campeã Sara Gouveia, mas não ficou contente com o pódio.
LM – Creio que não foi uma boa prova. O meu objectivo era ficar em segundo lugar.
GT – Porque a Leonor Bessa estava noutro patamar?
A Leonor Bessa tem 19 anos, creio. Aliás, fiquei bastante contente por ela ter ganho com um excelente resultado, acho que foi por uma pancada que não ganhou aos rapazes. Mas sim, não estava numa boa fase.
A partir de amanhã e até terça-feira, joga-se a Taça da Federação, em Ribagolfe, com Sofia Sá, também da Quinta do Peru, de apenas 14 anos, a defender o título.
LM – A Taça da FPG é outra mentalidade, é match play, creio que sou forte em match play.
Na ausência de Leonor Bessa, mas também de Rita Costa Marques, que estão a representar o CG Miramar e Portugal no European Ladies Club Trophy, para os clubes campeões nacionais da Europa em senhoras, Leonor não aceitará nada menos do que a conquista do seu primeiro major interno.