Greenkeeper Rui Grave fala da preparação do Oceânico Victoria para o Portugal Masters
Quando começou a tirar o curso de engenharia agronómica na Universidade do Algarve, Rui Grave soube desde sempre que o que queria seguir no futuro, dentro da área, era o golfe. E assim foi. Começou por trabalhar na Penha Longa (cujo campo recebeu o Open de Portugal em 1994, 1995 e 2010, além do Estoril Open em 1999, também pontuável para o European Tour) e depois desceu novamente até ao Algarve para trabalhar, sendo hoje o Head Greenkeeper no Oceânico Victoria, palco anual do Portugal Masters desde a sua primeira edição. Natural de Cascais, mais concretamente de Carcavelos, Rui Grave tem 37 anos e durante o maior torneio de golfe que se realiza no país dirige uma equipa de cerca de 50 pessoas que trabalham na manutenção do campo. Mas o trabalho, esse, é feito ao longo de todo o ano, como ele explica de seguida.
GOLFTATTOO – Com quanto tempo de antecedência é que se começa a preparar o campo para o Portugal Masters?
RUI GRAVE – No dia a seguir a acabar, já estamos a preparar o próximo. É um trabalho contínuo, porque há uma série de planeamentos a fazer, a curto, médio e longo prazo. Por exemplo, as férias dos nossos colaboradores são pensadas de um ano para outro, tendo em conta a altura em que vai ser o Portugal Masters. Os fechos do campo para trabalhos de fundo também têm isso em conta.
Algum do planeamento é feito dependendo da forma como o torneio decorreu. Se houve problemas com os bunkers, por exemplo, queremos de imediato colmatá-los. Cada operação tem o seu timing certo, para quando chegar o Portugal Masters o campo estar nas melhores condições. Em Agosto tivemos o campo fechado para fazer o overseeding dos roughs e um mês fechámos para fazer a aerificação dos greens, fairways e tees. Daqui para a frente serão cada vez mais operações ligeiras até que chega só à manicura.
O trabalho da equipa do Victoria é feito seguindo as instruções do European Tour?
Entre o European Tour e a Oceânico Golf é criada uma equipa de trabalho, onde são tratados todos os assuntos que dizem respeito à realização do Portugal Masters. Cabe a esta equipa traçar os objectivos, delegar responsabilidades e monitorizar os mesmos. Procuramos pontos de convergência e que no final resulte numa boa simbiose, que se venha a traduzir num grande sucesso para o golfe, a todos os níveis.
A condição do campo é, obviamente, um dos pontos mais importantes! Temos visitas regulares dos agrônomos do European Tour, ao longo do ano, para avaliarmos os objectivos traçados e rectificar algum, se tal se justificar. Ou seja, há um plano base elaborado inicialmente e que é revisto periodicamente e ajustado se necessário.
O European Tour pede-nos que cumpramos certos padrões standard para todas as áreas do campo: bunkers, fairways, greens. Por exemplo, eles acham que a velocidade ideal nos greens é entre 9.5 e 10.5 [no stimpmeter]. Pode haver um ou outro caso em que não possamos aceder às suas intenções, mas por norma é uma simbiose.
Resumindo: à Ocêanico interessa-lhe é ter um campo fabuloso, o foco está na apresentação, para efeitos de promoção um pouco por todo o mundo, isto sem esquecer a realidade do dia-a-dia, pois a empresa vive do que fazemos ao longo do ano e não do que se faz no Portugal Masters. Já para o European Tour, o mais importante é a jogabilidade do campo durante o torneio, que os jogadores saiam satisfeitos.
Abarcando o complexo do Oceânico Victoria Golf Course © FILIPE GUERRA
O Ricardo Santos, que é um jogador da casa, habituado a competir a tempo inteiro no European Tour, diz que o campo se transforma noutro quando é para o Portugal Masters, que o rough cresce, os greens ficam rápidos e duros, as condições da relva mudam. É mesmo assim?
Sim. Dou um exemplo prático: uma pessoa que faça surfe amador, quer ondas e de 1,5 metros, porque assim é que se diverte. Já os profissionais querem ondas de 3,5 metros. Se os golfistas amadores jogassem o campo como ele está preparado para o Portugal Masters, iriam encontrar os roughs altos e densos e os greens muito rápidos, o que se transformaria numa experiência desagradável. Quando fechamos o campo, duas semanas antes do início da prova, deixamos o rough crescer, aceleramos os greens, enfim, fica mais vocacionado para os profissionais e menos para os amadores.
Ainda assim, é um campo acessível para os profissionais, visto que os resultados costumam ser muito baixos e fazem-se muitos birdies e eagles…
O European Tour quer que se façam birdies, para haver espectáculo, mas, por outro lado, também não quer o campo fácil de mais. Em todo o caso, nunca como no Open dos EUA, cujos campos são preparados para dificultar ao máximo a tarefa dos jogadores assim inflacionando os resultados. O Oceânico Victoria é um campo muito aberto, e a sua principal dificuldade poderá ser a distância, que no caso dos profissionais fica diminuída, mas tambem a quantidade de bunkers e água em jogo.. No entanto, convém não esquecer que, por ser aberto, o Victoria fica mais exposto ao vento, quando este sopra.
E como é que estará o campo para a edição que se avizinha?
Vai ser parecido ao ano passado, no entanto este ano o rough vai ficar mais denso e mais alto, o European Tour está a querer aumentar o desafio de penalizar quem falhar fairways. Os fairways terão 10 milímetros e o o semi-rough 40mm.. Depois, vai tudo para mais de 100mm.
Quais são as relvas utilizadas no Oceânico Victoria?
Bermuda nos tees e fairways, lollium perenne (rye grass) no rough que está em jogo e uma mistura de bentgrass com poa annua nos greens.
No dia-a-dia normal, qual o número de elementos da equipa de manutenção do Oceânico Victoria? E qual o número de elementos na semana do Portugal Masters?
Em termos de pessoas, geralmente temos cá 20 pessoas a tempo inteiro. Durante o Portugal Masters serão quase 50 pessoas, incluindo voluntários que vêm de outros campos e outros trabalhadores do grupo que vêm reforçar a equipa. Mais do que duplicamos a equipa. Todos os dias cortamos toda a zona de jogo, passamos os bunkers e damos atenção especial a cada green. Os greens são, normalmente, cortados três vezes ao dia e rolados. Se há alguma coisa importante num torneio de golfe é a uniformidade e a consistência, o jogador procura encontrar as mesmas condições em todos os lugares em que joga... No ideal, os greens deveriam ter a mesma velocidade de segunda-feira a domingo, das 8h da manhã às 7h da noite, do putting green ao green do 18 e em todas as zonas do green. Felizmente temos conseguido que nunca haja uma diferença superior a 0,5 pés, entre o green mais rápido e o mais lento. Para conseguir tal feito, tiramos as velocidades duas a três vezes ao dia e decidimos nesse momento o plano para cada green individualmente, tipo corte duplo e rolo simples no green 1 e no 2 corte duplo e rolo duplo, enfim...
Como é que essa equipa está dividida?
Temos oito pessoas a cortar greens, e todos eles sabem que máquina vão utilizar e os greens que têm de cortar; seis pessoas nos fairways – três a cortar e três a recolher as aparas; duas pessoas a mudarem as bandeiras; oito pessoas nos bunkers; duas pessoas nos tees; duas pessoas nos colares dos greens; duas pessoas a fazer as zonas de entrada nos greens, as línguas, digamos assim; três pessoas com rolos; e oito pessoas com sopradores (muitas vezes, quando se acaba de cortar greens de madrugada, ainda é de noite e não se consegue ver nada, pelo que utilizamos os sopradores para retirar quaisquer aparas remanescentes).
Fala-me um pouco dessa semana, como é que as coisas são organizadas e como decorrem? Deve ser uma semana extenuante para si…
No pico da prova, nos dois primeiros dias, quando há saídas simultâneas dos buracos 1 e 10, entramos ao serviço por volta das 4h30. Temos de conseguir fazer o trabalho todo antes de os jogadores saírem: greens cortados e rolados, fairways, zona de aproximação, tees, etc. Tudo feito e imaculado, não pode haver lixo, as coisas vão ao pormenor, há muito rigor, até na posição dos ancinhos junto aos bunkers. E há sempre um árbitro que vai à frente do jogo e que avisa se houver alguma coisa que não está bem. Já nos aconteceu ter acabado o trabalho matinal e depois vieram galeirões e encontraram-se dejectos nos greens, o que nos obrigou a voltar para trás. No mínimo há sempre quatro ou cinco pessoas de prevenção, para resolver atempadamente qualquer imprevisto.
Como foi lidar com as terríveis condições climatéricas da última edição, em que a chuva levou à redução da prova de 72 para 36 buracos? Deve ter sido frustrante…
Não foi frustrante, foi curioso. Muitos de nós achavam que se chovesse durante o torneio a nossa vida ia ser mais fácil, porque, por exemplo, não se iria discutir muito a velocidade dos greens. Ninguém pode discutir com a natureza… Mas a verdade é que tudo se complicou muito, porque choveu muitíssimo em curtos períodos de tempo e os estragos foram tão grandes que não os conseguíamos reparar numa hora ou em meia-hora. Não foi frustrante porque, estando pouco habituados a reagir aqui no Algarve a situações de chuva, aprendemos muitíssimo a lidar com estas situações. Estamos habituados, isso sim, a lidar com situações de seca, com a falta de água. Foi uma grande aprendizagem para nós, exigiu muita unidade na equipa, um trabalho em cadeia, os mais velhos ajudavam na experiência, os mais novos na força que tinham. Saímos com a sensação de dever cumprido, e de orgulho, pois fizemos o que podíamos e demos tudo o que tínhamos, não sentimos qualquer sensação de derrota, pelo contrário.
Imagem que mostra a forma como o campo foi fustigado em 2014 / © GETTY IMAGES
Conte-nos outros episódios que se tenham passado durante o Portugal Masters?
Uma vez tivemos de mudar um buraco a meio do torneio, porque o Miguel Angel Jiménez deu um shot no 2 e danificou o buraco ao bater no lip; foi necessário mudar o buraco, e nem sempre o conseguimos mudar para perto de onde estava, porque em certas áreas já está muito pisado. As condições mudaram para os jogadores que vinham atrás, porque o buraco deixou de estar no ponto original, mas está contemplado nas regras do torneio. Regra geral, os jogadores são muito simpáticos connosco, sabem que o nosso trabalho influencia o jogo deles e entendem os nossos desafios e dificuldades.
Fale-nos um pouco da sua trajectória profissional até chegar a head greenkeeper do Oceânico Victoria…
Quando iniciei o curso de engenharia agronómica na Universidade do Algarve, cedo percebi que dentro da agronomia queria o golfe. O estágio profissional já o fiz no campo de golfe da Penha Longa, em Sintra. O seu chefe de manutenção, o João Paulo Pina Manso, recentemente falecido, gostou do meu trabalho e aconselhou-me ao Simão da Cunha, que era o head greenkeeper dos campos da Lusotur Golfes em Vilamoura. Entretanto, estes foram vendidos ao Grupo Oceânico, o Simão saiu e eu dei todo o apoio necessário para entrada de um novo Head Greenkeeper. Depois, o Portugal Masters, que teve a sua primeira edição em 2007, obrigou a que houvesse alguém a tempo inteiro no Victoria para o preparar e eu fui escolhido para este projecto deixando os outros campos da Oceânico e focando-me só num.
O que é que o atraiu inicialmente no golfe? Já tinha experimentado antes de tirar o curso de agronomia?
Nunca tinha experimentado... Mas sou grande fã de desporto e vi no golfe a união da agronomia e do desporto. Depois comecei a jogar. Inicialmente, apenas com o intuito de entender o que o golfista espera do campo e consequentemente, do greenkeeper. É como um cozinheiro sentar-se à mesa do seu restaurante e apreciar o seu trabalho. Depois, nasce o gosto pelo jogo, contudo não sou um jogador regular. Tenho handicap 18 e digo que jogo o suficiente para jogar com qualquer pessoa sem passar vergonhas.