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“Jogo com a pressão do dinheiro”
22/04/2015 15:16 Hugo Ribeiro
Filipe Lima deu boas indicações nos dois torneios que jogou em 2015 / © GETTY IMAGES

Filipe Lima e os momentos difíceis da sua carreira em conversa com Hugo Ribeiro

Filipe Lima é o segundo português melhor classificado no ranking mundial e regressou há dois meses à competição, depois de uma paragem de cinco meses, devido a uma intervenção cirúrgica às costas.

Uma lesão que o afetava há vários anos mas que ele tentara sempre fintar com tratamentos e com uma preparação física por vezes inovadora, que chegou a incluir exercícios de artes marciais.

Uma lesão que o impediu de jogar no final da época transata para tentar manter o cartão do European Tour e que também não o deixou disputar a Final da Escola de Qualificação.

O regresso foi promissor, no Open Mogador, do Pro Golf Tour, em Marrocos, onde está sediada a academia do seu treinador, Benoit Willemart. Chegou a andar no 4.º lugar em terminou em 12º empatado, a Par do campo, depois de voltas de 69, 69 e 78.

Mas foi só dois meses depois de Marrocos, ou seja, há duas semanas, que o grande público se deu conta que o português de 33 anos, nascido em Versalhes e residente nos arredores de Paris, estava de volta ao seu melhor, depois de já ter dado algumas boas indicações no Madeira Islands Open BPI.

No Barclays Kenya Open, a etapa inaugural do Challenge Tour, Filipe Lima juntou voltas de 64, 69, 72 e 72, para um total de 11 abaixo do Par. Era o líder aos 18 buracos e terminou no grupo dos 9.ºs classificados.

Em Portugal celebraram-se nessa semana os seus feitos desportivos, mas poucos de nós sabíamos que, para ele, o mais importante poderá ter sido o cheque de €5000 que trouxe para casa (verba sujeita a impostos): €4400 pelo 9º lugar e €600 pela vitória num dos dois Pro-Am do torneio.

Filipe Lima nunca foi rico, a sua família também não, o golfe foi sempre o ganha-pão do seu pai e dele próprio. É certo que em prémios monetários oficiais, juntando todos os circuitos que jogou, ganhou perto de 900 mil euros ao longo da sua carreira, mas grande parte dessa verba foi usada para pagar impostos, deslocações, alojamento, alimentação, honorários de membros da equipa técnica e, obviamente, da vida familiar.

As poupanças estão exauridas e nesta entrevista que concedeu ao jornal Record e ao Golftattoo, apesar da esperança e da motivação que o animam, percebe-se que joga sob brasas. Um torneio mal conseguido poderá queimar alguns objetivos.

Filipe Lima provou por três vezes na sua carreira que tem competência e nível para usar o Challenge Tour como trampolim para o European Tour, mas nesta época de 2015, que tão bem começou para ele no plano desportivo, o desafio é muito maior.

Hoje começou a competir no seu segundo torneio do ano no Challenge Tour, o Challende de Madrid, em Alcala de Henares, juntamente com outros dois portugueses: Ricardo Melo Gouveia e Pedro Figueiredo.

GOLFTATTOO – Foste operado há quase oito meses. Era a lesão crónica nas costas que se arrastava há vários anos e que te levou a dada altura a ser visto por médicos do FC Porto? Porque razão te decidiste finalmente pela operação?

Filipe Lima teve dúvidas em relação à continuidade da sua carreira / © GETTY IMAGES

FILIPE LIMA – Sim, é a mesma. Desta vez não havia nada a fazer. Havia duas vértebras que já estavam seriamente danificadas. Já tinha a perna esquerda muitas vezes bloqueada, já me custava sequer a andar. Quando cheguei ao hospital nem me deram outra opção senão a cirurgia.

Conta-nos um pouco como foi o processo de recuperação.

Foi bastante demorado. A operação correu bem, mas no início podia fazer pouca coisa, precisei de muita fisioterapia, de exercícios em piscina, depois fiz musculação em ginásio e só cinco meses depois pude começar a treinar mais a sério no campo.

Chegaste a ter dúvidas em relação à tua carreira? Deve ter sido o momento mais difícil da tua carreira.

Há sempre dúvidas. Mesmo antes da operação os médicos não podiam garantir-me que eu iria de certeza voltar a competir. Uma recuperação destas nunca é sempre a melhorar. Há dias piores do que outros e as dúvidas instalam-se naturalmente e ter dúvidas é o pior que pode acontecer-nos em momentos desses. Sim, foi a fase mais complicada da carreira, sem ter certezas, mas tive sempre esperança de poder voltar a jogar. E nessa fase foi muito importante todo o apoio familiar. A família conta muito nesses momentos.

Estás recuperado da lesão?

Sim, não tenho dores, posso jogar à vontade. Às vezes a perna esquerda ainda sente alguns efeitos mas não estou em nada limitado. Tenho de fazer exercícios diários, de prevenção, mas sinto-me pronto para jogar à vontade.

Só voltaste então a ver o teu treinador, o Benoit Willemart, cinco meses depois da operação para recomeçares a treinar? E que tal foi esse contacto com o golfe? Foi fácil?

Muito mais fácil do que estava à espera. O movimento estava lá todo. Claro que tive de trabalhar bastante a parte física com o meu novo preparador físico, que está muito envolvido com o pugilismo, mas gostei de ver que em termos de golfe comecei muito cedo a sentir o meu jogo a voltar. Agora preciso é de competição.

Vi que entraste no Challenge de Madrid com a categoria de top-ten no Open do Quénia. Sabia que não tinhas categoria para o European Tour mas pensava que não terias muitos problemas em jogar este ano no Challenge Tour?

Julgo que vou poder jogar em quase todos os torneios do Challenge Tour este ano senão mesmo todos. Tenho a Categoria 11 (jogadores que terminaram 2014 entre as posições 148ª e 175ª inclusive na Race to Dubai). O que acontece é que na primeira lista eu estava fora por 2 lugares e eles optaram então por recorrer a essa regra de quem fez top 10 no torneio anterior entrar logo no torneio seguinte. Mas, entretanto, se tivesse sido preciso, teria entrado direto com a minha categoria.

Se podes jogar praticamente toda a época, tenho de fazer-te esta questão mais delicada que é de saber se podes custeá-la, porque calculo que a tua capacidade financeira esteja afetada depois de um ano de 2014 que não correu como desejavas e após uma paragem de sete meses.

Preciso dos prémios para viajar aos torneios. Avalio em cada semana se posso comprar um bilhete de avião para o torneio seguinte. Estou numa situação muito difícil.

Vi que continuas a jogar com a roupa VIP (a marca de portugueses também radicados em França)…

… É o único patrocínio que ainda tenho. Depois de uma paragem de sete meses, é normal que assim seja.

Lembro-me de há uns dois anos, quando regressaste à competição depois de uma longa paragem, já então devido à lesão nas costas, me teres dito que tinha sido fundamental o apoio financeiro que o empresário Joaquim Oliveira te tinha dado apenas por amizade, para poderes voltar a viajar e ires aos torneios…

…O Joaquim continua a ser um grande amigo, mas não posso estar sempre a pedir-lhe ajuda. E sei, naturalmente, como a situação em Portugal está difícil para todos. Nem posso tentar pedir ajuda em Portugal, até porque sei que agora há outros jogadores portugueses de bom nível que merecem apoios. 

Ou seja, de cada vez que vais a um torneio tens uma pressão enorme em cima pela obrigatoriedade de obteres bons resultados.

Ainda hoje me ligaram do banco para falar da minha conta. Foram sete meses em que continuei a ter as despesas habituais da vida do dia a dia, continuei a pagar impostos e não pude ganhar nada. Sei que não é bom ter esta pressão, já falei disso com o meu treinador, mas estou a jogar para sobreviver. A anulação do Open da Madeira, por exemplo, significou um enorme prejuízo para mim. Tive muitas despesas para ir lá e depois não houve prémios. Isso tornou ainda mais complicada a situação para os torneios seguintes. Nunca sei exatamente quantas provas posso jogar nas semanas seguintes. Não é um planeamento fácil, mas é a vida e estou com confiança de que poderei ter uma boa época.

É óbvio que nessas circunstâncias não vou perguntar-te se iremos ver-te a jogar mais em Portugal. Mas pergunto-te se virias a alguns torneios se as organizações pudessem custear as tuas despesas?

É claro que sim. Estou disposto a tudo para ganhar a vida… (riso), bem, a quase tudo.  

 Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.