A primeira portuguesa a conquistar um torneio do campeonato universitário norte-americano
Mariana Martins tornou-se há uma semana na primeira portuguesa a conquistar um torneio do campeonato universitário norte-americano, o Agnes McAmis Memorial, integrado na Peach Bell Conference, a conferência mais forte da segunda divisão da NCAA.
A coimbrã de 21 anos, a jogar a sua época de “sénior” (a terceira e última) na Universidade de Lander, na Carolina do Sul, somou 151 pancadas, 7 acima do Par do Links Hills Country Club, em Greeneville, no Estado do Tennessee, e depois derrotou no play-off Caitlin Starrs, da Universidade de Wingate.
O feito ajudou a sua equipa, as Bearcats, a vencer também a classificação coletiva e valeu à portuguesa, no passado dia 2, o Prémio de Jogadora da Semana na sua conferência.
Foi o seu primeiro título individual nos Estados Unidos, mas há muito que andava à espreita, com 7 top 10 desde a sua primeira temporada, incluindo dois segundos lugares, no Mount Olive Trojan Invitational em abril de 2014 (+5) e no Lady Cougar Classic powered by TSYS de fevereiro deste ano (+13).
Quando chegou aos Estados Unidos, a menina loura de olhos claros, sempre de sorriso nos lábios, foi um sucesso imediato e recebeu o prémio de Jogadora Mais Valiosa (MVP) da equipa na época de 2011-2012. Em 2012-2013 foi alvo de outra distinção, a de “PBC's Elite 15 Award”, ou seja, fez parte das 15 melhores da sua conferência. E em 2013-2014 foi chamada à Seleção-B da sua conferência (PBC Women's Golf All-Conference Second Team).
Em Portugal, para além de ter integrado sempre as melhores de cada escalão etário – foi campeã nacional de sub-12, sub-14 e sub-16, e vice-campeã nacional de sub-18 – obteve ainda importantes vitórias, coletivas e individuais.
Foi campeã nacional de clubes pela Quinta do Fojo em 2006 e depois voltou a levantar a Taça Nini Guedes Queiroz, já em representação pela Estela, em 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013. Venceu um único torneio do Circuito Liberty Seguros (ou Tranquilidade) na Estela, a jogar em casa, em 2011, mas neste circuito maior da FPG foi por quatro vezes segunda classificada. O seu melhor Campeonato Nacional Amador Absoluto foi uma terceira posição em 2011.
A nível internacional, ao serviço das seleções da FPG, disputou nove torneios. Os mais importantes foram os Europeus Individuais Amadores de 2011 e 2013, e os Internacionais Amadores de Portugal em 2009, 2010 e 2011, nunca tendo passado o cut.
Mariana Martins nasceu e residiu em Coimbra até viajar para os Estados Unidos e agora vive em Greenwood, na Carolina do Sul, onde está sedeada a Lander University, uma instituição com raízes em 1872, acolhendo cerca de três mil alunos de 18 países.
Quando está a apenas dois torneios de concluir a sua última época desportiva, a jogadora conhecida pela sua garra e boa preparação físicaconversou com o GolfTattoo, dias depois da sua vitória histórica.
A equipa das Bearcats que venceu em Greeneville. Mariana no meio /© DOM DONNELY
GOLFTATTOO – Saíste de Portugal com o 12º ano. Que estudos tens feito nos EUA?
MARIANA MARTINS – Eles aqui têm um grau de licenciatura a que chamam de Major. Eu saí de Portugal com o 12º ano e deram-me a oportunidade de fazer uma graduação em Desporto. Agora já tenho os pré-requisitos para tentar ir para uma escola de Medicina quando acabar este curso.
És uma estudante bem sucedida?
Os estudos correm-me muito bem, não tenho tido problemas nenhuns, tenho boas notas. Aliás, se quero entrar em Medicina, tenho de ter boas notas. Aqui, para se ir para Medicina é preciso ter-se tirado antes outra licenciatura qualquer.
Em Portugal, Medicina implica 10 anos de universidade, incluindo os cinco de especialidade obrigatória. Como é aí? Vais ficar mais dez anos nos EUA?
O curso de Medicina é de oito anos, aqui, nos Estados Unidos: quatro de um curso normal e depois quatro da escola de Medicina.
Alguma vez conversaste com a Rita Félix sobre essa tua escolha? Ela foi tua companheira de equipa nos Nacionais de Clubes e também está a estudar Medicina em Portugal.
Por acaso, nunca falei com a Rita Félix sobre isto, porque normalmente falo mais sobre este assunto com os meus pais ou o meu irmão, que também está a cursar Medicina em Portugal e está agora a acabar. Gostava de fazer o curso nos Estados Unidos, porque gosto da mentalidade das gentes daqui. Há coisas na cultura local que posso não apreciar mas gosto das pessoas. Se as coisas não me correrem bem aqui, então, não ponho de parte a hipótese de também cursar Medicina em Portugal.
És uma “senior” da tua equipa. Estás também a terminar os estudos?
Quando se vem para uma universidade nos Estados Unidos tem-se quatro anos para se jogar e estudar, mas eu, como só entrei num mês de janeiro, só tive três anos e meio, ou seja, ainda tenho outro semestre de aulas pela frente. Mas, no próximo ano, como já não posso jogar, estou a tentar ficar e ajudar a equipa e o treinador nos torneios, mas já não poderei competir.
O que te falta em termos competitivos para concluíres a temporada?
Tenho mais um torneio no fim de semana e depois a Final da conferência, nos dias 17, 18 e 19 de abril, que até vai ser no nosso clube.
Em que conferência e divisão jogaste estas três épocas e qual o nível de jogo com que te deparaste?
Estou na Peach Bell Conference, competimos na segunda divisão do NCAA. Esta segunda divisão varia muito de nível. A zona em que estamos inseridos com a Carolina do Sul, Geórgia e Florida, é a mais forte de todas.
Os rapazes portugueses que competiram na Florida apanharam vários compatriotas. E tu?
Sou a única portuguesa e em nenhum torneio vi qualquer português. Mas na minha universidade não acham estranho haver uma portuguesa. Temos uma equipa com muitas jogadoras de outros países e este ano a nossa equipa é só composta por estrangeiras.
No último torneio em Portugal, Agosto 2014, Estoril, Circuito Liberty Seguros / © FILIPE GUERRA
Como foi o teu processo de decisão de vires estudar para os EUA?
Descobri que queria vir meio ano ou talvez um ano antes. Foi um bocado tarde porque o processo demora mais de um ano. Depois de decidir, tive muito trabalho em preencher formulários, enviar currículos, vídeos do meu jogo. Fui tendo algum feedback de treinadores e das oportunidades que me surgiram esta foi a que tinha melhor localização e a que também tinha uma boa combinação de bolsa e estudos. Foi-me dado um valor que me ajudou a pagar as propinas, o alojamento e diversos custos obrigatórios.
Que resultados crês que impressionaram os treinadores das Bearcats?
Sinceramente, não sei quais foram os meus resultados que levaram a universidade em interessar-se por mim. Reuni resultados dos últimos dois ou três anos antes de viajar, sobretudo de torneios internacionais, mas nem sei se terá sido isso ou se terá sido por verem um bom swing. Nunca lhes perguntei qual tinha sido a razão.
Falemos um pouco da tua vitória. Já tinhas conseguido 2.º, 3.º, 4.º, 7.º, 9.º lugares em torneios anteriores. Portanto, sabias que poderias um dia ganhar um torneio.
Este semestre tem sido bastante produtivo. No passado, houve um semestre em que não tive resultados lá muito bons, andei com uns stresses, devido a aulas e assuntos pessoais, mas este último ano tem sido bem aproveitado e, sim, já estava a faltar uma vitória.
Como viveste esta vitória? E a tua equipa?
Como é que foi vivido? Bem, por acaso, em termos de escola, não foi muito celebrado mas soube-me muito bem e foi bom ver em alguns resultados o trabalho que tem sido feito. Este ano tenho encarado as coisas de forma mais descontraída o que me tem ajudado a fazer resultados. Sendo o último ano não tenho assim tanta pressão porque não posso jogar no próximo ano.
Em Portugal ganhaste alguns torneios, designadamente um do Circuito Liberty Seguros e vários Nacionais de Jovens. Como comparas esta vitória nos Estados Unidos? Será o teu ponto mais alto?
É muito diferente comparar esta vitória com outras aí em Portugal, porque aqui vivenciamos muito o jogo como equipa. Uma vitória individual em Portugal tem um sabor diferente, é um bocado difícil de explicar.
Deixa-me colocar então a questão de outra forma: Quando um dia escreveres o teu currículo desportivo em que posição de importância irás colocar esta vitória?
Acho que qualquer 1.º lugar tem sempre um lugar de destaque, mas talvez seja ainda mais importante pelos resultados do que propriamente pelo 1.º lugar. Mas acho que sim, que qualquer vitória tem sempre um carinho especial. Também recebi um troféu como 1.ª classificada e um dia ele irá comigo para Portugal.
Agora representas as Bearcats, mas, no verão, quando vieres competir a Portugal, estarás a representar quem? E que clubes representaste antes?
Primeiro a Quinta do Fojo e depois a Estela. Há duas semanas preenchi os papéis para transferir o meu handicap para o Multiplicas Estrelas Clube de Golfe, do qual a Patrícia Brito e Cunha é vice-presidente. A Patrícia foi sempre a minha treinadora e quando tive de mudar de clubes nunca tive de pensar muito. Sinceramente, estando fora de Portugal, o meu clube será aquele onde a Patrícia estiver. Há de ser sempre a minha treinadora.
Olhando para o teu palmarés em Portugal, quais os títulos que recordas com satisfação?
O que me marcou mais foi o primeiro Campeonato Nacional de Clubes que ganhámos pela Estela, na final contra Espinho (2009). Foi o que significou mais para mim. A nível individual tenho na memória uma derrota na final da Taça da FPG/BPI de 2011 (4/2), frente à Susana Ribeiro, e essa custou-me um bocado.
Tem sido um costume teu vir passar férias de verão a Portugal e aproveitar para competires mais. Iremos ver-te mais vezes em torneios portugueses?
O que quero mesmo é ficar cá (EUA) para estudar Medicina, mas nada é garantido e não sei se vou conseguir. Se um dia voltar a Portugal irei sempre continuar a competir. Não me parece que seja a nível profissional. Essa hipótese já foi colocada de parte, mas jogo este jogo há tanto tempo que seria incapaz de deixá-lo completamente. Terei de fazer sempre alguma competição.
"Irei sempre continuar a competir, mas não a nível profissional", diz Mariana / © FILIPE GUERRA
Pensas ainda na seleção nacional? Gostarias de jogar se fosses convocada?
Gostava de participar em seleções nacionais. Eu sigo os resultados da equipa na internet e há sempre um carinho especial em representar Portugal. Estou nos Estados Unidos mas continuo a ser portuguesa e a bandeira de Portugal foi a primeira coisa que coloquei no quarto quando cá cheguei. Este verão não sei se estarei tanto tempo em Portugal, porque tenho o tal exame de acesso à escola de Medicina. Mas irei a Portugal pelo menos um mês e meio e se nessa altura houver competições serei capaz de aparecer, sobretudo se houver algum torneio Liberty Seguros.
Tens mantido contacto com a Federação Portuguesa de Golfe e com o selecionador nacional, Nuno Campino, para colocá-lo a par do que andas a fazer?
Não tenho tido muito contacto. Fiquei um pouco desiludida comigo mesma porque quando chego a Portugal não estou a ser capaz de mostrar tudo o que ando a fazer nos Estados Unidos. Por exemplo, no semestre que terminou antes do verão passado, estava a jogar bastante bem, depois vim a Portugal, joguei um torneio do Circuito Liberty Seguros e correu-me bastante mal. Fiquei desiludida por não conseguir mostrar os resultados que tinha andado a fazer. Não fiquei desiludida de não ter sido convocada para nenhuma seleção nacional por isso mesmo. Nem sei até que ponto não terá sido esse torneio a fazer com que não fosse convocada para alguns torneios no verão. Admito que não tenho tido muito contacto com a FPG porque tenho muito trabalho aqui e é difícil manter o contacto com toda a gente, mas talvez seja eu quem esteja a falhar por isso, por não manter mais a ligação.
Que diferenças foste encontrar no treino nas universidades norte-americanas e nos clubes europeus?
Sem dúvida que aqui há muito mais assiduidade de treino. Temos sempre treinos à tarde, quase todos os dias. Quando estamos em plena época, com mais torneios, treinamos ou jogamos cinco ou seis dias por semana. É um treino diferente porque em Portugal estava muito habituada a treinar sozinha, uma vez que, em Coimbra, não havia muita gente que jogasse. Aqui, ajuda ter uma equipa. É um desporto individual mas treinamos como equipa, o que nos dá mais ânimo para treinar, para trabalhar durante mais tempo, por haver contacto com outras pessoas.
O Pedro Figueiredo e o Ricardo Melo Gouveia disseram-me há uns anos que sentiam que o treino, nas universidades que frequentaram, era mais físico e que havia muita competição, mas que não era tão técnico como na Europa. Concordas?
O treino não é tão técnico como na Europa. É mais a nível de tempo, de quantidade de treino. Não se tenta mudar muitos aspetos técnicos. Toda a gente que vem para a universidade já tem os seus 18 ou 19 anos, já tem um swing que volta sempre ao mesmo, não há muitas mudanças que possam fazer-se. As alterações a nível técnico são pequenas e apenas quando se sente que são necessárias, porque quando se tem o mesmo swing há 15 ou 16 anos os erros são sempre os mesmos. Mas eu percebo o que eles querem dizer quando falam noutro tipo de treino e, sim, concordo com eles.
E quanto à carga competitiva?
Talvez jogue mais torneios do que quando estava em Portugal. Mas é mais concentrado. Acabamos por jogar entre janeiro e fins de abril, com torneios seguidos e jogamos aí uns seis torneios. Todos os torneios são de dois dias. Digamos que, nesse curto período de tempo, jogamos mais torneios.
Sentes-te como melhor jogadora de golfe do que quando partiste de Portugal?
Sinto que, aqui, cresci muito em termos de mentalidade, o que me faltava em Portugal. Em termos de swing, acho que se mantém mais ou menos a mesma coisa, mas sinto que o crescimento em termos mentais ajudou a fazer evoluir o jogo. No passado tinha alguns problemas em esquecer-me dos shots que tinha dado e agora estou mais focada no que vem para a frente e não tanto no que ficou para trás.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince