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“Não tenho problemas em aventurar-me”
31/12/2014 12:18 Rodrigo Cordoeiro
Miguel Lourenço: "Não me assusta ter de continuar fora de Portugal." / © FILIPE GUERRA

Miguel Lourenço quatro anos depois da sua partida para trabalhar no golfe em Angola

Miguel Lourenço e Sean Côrte-Real trabalhavam juntos na direcção do golfe de Vila Sol, no Algarve. Entretanto, em 2010, o resort passou para as mãos do Grupo Pestana. Eles saíram. Continuaram a trabalhar no golfe, mas fora de Portugal. Sean Côrte-Real foi para o Brasil, Miguel Lourenço para Angola. Do primeiro já aqui falámos, numa entrevista publicada a 4 de Dezembro, para assinalar a sua entrada em funções no Las Colinas Golf & Country Club, em Alicante, Espanha. Agora é a vez de Miguel Lourenço, 42 anos, actualmente envolvido na Golf Cup Unitel/BFA, a versão angolana do Expresso BPI Golf Cup. De férias em Portugal, o ex-director do Mangais (o único campo de golfe com relva em Angola) encontrou-se com GolfTattoo no Centro Nacional de Formação de Golfe do Jamor. “Infelizmente, tanto o Sean como eu tivemos de sair do nosso país, para continuar a trabalhar no golfe”, comenta.

GOLFTATTOO – Como é que surgiu a oportunidade de ires trabalhar para Angola, já lá vão, como me disseste, três anos e meio. 

MIGUEL LOURENÇO – A oportunidade surge porque a minha mulher, ao contrário de muitas famílias, foi à frente desbravar terreno. A Cátia esteve 9 meses sozinha em Angola, num projecto turístico na ilha do Mussulo. Eu estava em Vila Sol, apanhei aquele processo de transição do resort para o Grupo Pestana, e saí antes desse acordo, em Novembro de 2010. Fui passar o Natal a Angola, também com o intuito de procurar alguma coisa. Já sabia da existência, em Luanda, de um campo de golfe, o Mangais Golf Resort, e durante essa minha estadia de três meses entrei em contacto com os seus responsáveis, que são portugueses, do Algarve. Acabei por ficar. Comecei a trabalhar em Abril de 2011. 

Como é Angola em termos de golfe? 

Angola tem já uma grande tradição no golfe. Nos tempos coloniais já se jogava golfe em Angola. A família Nunes Pedro, os Oliveira, os Rocha… Ainda há em Luanda uma zona que se chama Golfe 2, onde existia um campo. Mas hoje em dia só existe um campo com relva, o Mangais, na Barra do Kuanza, 70 quilómetros a sul de Luanda. Além deste, há os 18 buracos do Morro dos Veados, um brownie, como são chamados, com greens em areia, misturada com óleo queimado, e capim nos fairways. Fica à saída de Benfica, a 15 quilómetros de Luanda, numa zona deslumbrante em termos de paisagem, em cima do mar, com Luanda ao fundo, do lado direito, e a ilha do Mussulo à tua frente. E é muito fácil em termos de acesso, não tens de fazer cento e tal quilómetros para ires jogar. O governo angolano está em negociações com o European Tour para a organização do Open de Angola em 2016, no Mangais e, se tudo correr bem, faz parte do programa colocar relva no Morro dos Veados. Teria certamente muitos clientes. 

O Mangais tem boas condições para receber um torneio do European Tour? 

Quando ainda estava no Mangais, recebi a visita de um dos directores de torneios do European Tour, o Miguel Vidaor. Seguiu-se-lhe um agrónono do circuito. Disseram: “Temos campo!” Espero que vá para a frente, porque pode dinamizar o golfe em Angola e em termos de promoção turística de Angola é sempre importante.

Nas férias em Portugal, Miguel e Cátia reencontram o filho, Miguel / © FILIPE GUERRA   

Tiveste uma boa adaptação a Angola? 

É sempre complicado para um europeu, habituado à vida que tem cá, chegar a África. Leva sempre com um choque de culturas e de calor. Quando cheguei, fiquei chocado, porque se vê muita miséria, muito lixo no chão. Ao longo destes últimos quatro anos, houve evolução, sobretudo melhores acessos, mas a sociedade angolana mantém-se dividida entre o muito rico e o muito pobre. Começa a haver uma camada social intermédia, mas que quase não se vê. E depois há muito expatriados. 80 por cento dos clientes do Mangais eram expatriados, embora agora para o fim já houvesse mais angolanos interessados no golfe. 

Em que estado encontraste o Mangais? 

Tive um trabalho praticamente a partir do zero. 9 buracos estavam a ser construídos outros 9 já tinham aberto, mas ainda muito rudimentares. A recepção e a club house era no campo de treinos: uma mesa com chapéu de sol e umas cadeiras. A partir daí, foi fazer o trabalho normal de desenvolvimento de um campo de golfe, angariação de sócios, negociação de buggies, publicidade para o driving range, torneios, enfim, tudo o que envolve a operação de um campo. Acompanhei também a construção dos terceiros 9 buracos, que foram feitos numa zona que o arquitecto descobriu, por detrás de um grande mangal adjacente. 

O arquitecto do campo foi o português Jorge Santana da Silva. Deste o teu contributo? 

Ele às vezes pedia-me opiniões, mas não interferi em nada. O que eu fiz foi ir ao terreno, ver como estavam as movimentações de terra. Cheguei a jogar no campo quando este ainda era só areia, com o arquitecto sempre a acompanhar-me. Ele próprio mudou algumas coisas no campo consoante o comportamento do jogador, que no caso era eu. 

A seguir a Mangais houve outro projecto… 

Em Janeiro deste ano fui encarregado pela mesma empresa do Mangais da construção de um campo de golfe de 18 buracos longe da capital, a cerca de 1000km de Luanda, na província do Kuando Kubango, mais propriamente em Menongue. Fica no interior, numa zona de planícies, muito bonita, mas muito remota. As pessoas que trabalhavam no campo eram quase tribais, viviam do que colhiam e cultivavam. Foram cinco meses complicados, mas enriquecedores em termos de currículo e de experiência de vida. No tempo que lá passei conseguimos desbravar todo o terreno dos primeiros 9 buracos, fizemos muito trabalho a pé, no mato, sem coordenadas, nem mapas, apenas com um lay out do Google. O terreno foi aí implementado e então partimos à descoberta dos buracos e do tees, do percurso na generalidade. Liderava uma equipa de 24, 25 pessoas, 4 portugueses (2 manobradores e 2 shapers) e os restantes eram todos locais.

Miguel Lourenço é um jogador scratch. O filho segue as pisadas / © FILIPE GUERRA 

E agora encontramos-te fazendo parte da organização da Golf Cup Unitel/BFA, uma prova para empresas que replica para Angola o que por cá se faz com o Expresso BPI Golf Cup. 

Saí. Disse que tinha de pôr um ponto final nesse projecto em Menongue, mas comecei a abraçar um outro, que passa pela organização de eventos desportivos, neste caso ligado ao golfe. O grande projecto neste momento passa pela Golf Cup Unitel/BFA, que tem tido bastante sucesso. Enquadra-se num torneio de empresas, com 4 eliminatórias. Em cada eliminatória apuram-se 3 equipas de 2 jogadores para uma final na África do Sul, em Sun City, de 12 a 15 de Fevereiro. A aceitação das empresas tem sido muito boa. No primeiro torneio, em Novembro, ficámos nas 32 equipas e no segundo torneio, a 13 de Dezembro, já tivemos de recusar equipas. Estou convencido de que a terceira prova vai ser um sucesso, a 17 de Janeiro. A última é a 31 de Janeiro. Sempre em Mangais, que ainda é o único campo com relva do país. Mas o projecto para o próximo ano, e consoante o feedback que iremos ter até ao final do torneio, poderá passar por fazer outras provas fora de Angola. E neste caso falo, por exemplo, da Namíbia, perfeitamente acessível; e passará sempre pela África do Sul, pela história que este país tem no mundo do golfe. Depois logo se verá outros destinos. A Cakola-Ni, com larga experiência na publicidade, foi a empresa que teve a ideia, que pegou neste projecto. Eu estou a apoiá-los na parte de back-office do golfe. 

Está nos teus horizontes voltar a trabalhar num campo de golfe? 

Infelizmente, em Portugal, as coisas estão como estão, e arranjar aqui emprego não é fácil. Tive de optar por uma área em que não estou tão confortável, mas, tendo apoio de empresas ligadas à publicidade, será mais fácil conseguir trabalhar nessa área de eventos, e claro, se o golfe for um desses mercados, por que não? Mas não vou desistir de procurar alguma coisa na minha área, aliás, estou a pensar brevemente voltar à Europa, nos meses de Março e Abril, fazer formações ligadas a áreas de gestão de campos de golfe. Em Portugal, a única coisa que existe em termos de formação, que eu conheça, é na Universidade do Algarve, e é um curso de 3 anos ou mais. 

Trabalhaste vários anos em Vila Sol, no Algarve, com Sean Côrte-Real, que foi trabalhar para um campo no Brasil na mesma altura em que foste para Angola. Mantiveste contacto com ele? 

Sempre. Inclusivamente, jantámos faz hoje uma semana. Aprendi muito com ele em Vila Sol, mas é uma amizade mais antiga. Já jogo golfe há 35 anos, e, infelizmente, tanto o Sean como eu tivemos de sair do nosso país para continuar a trabalhar no golfe. O Sean foi para o Brasil e agora está em Espanha. Vamos ver se eu também tenho sorte nesse aspecto, encontrando trabalho mais perto. Mas não me assusta ter de continuar fora, sou uma pessoa que não tem problemas em se aventurar, caso contrário, nunca teria saído daqui de Portugal, da chamada zona de conforto.

Chegou a Portugal dia 22, regressa a Angola a 10 de Janeiro / © FILIPE GUERRA   

Fala-nos da tua trajectória no golfe. 

O meu avô jogava em África, mais concretamente em Moçambique, onde nasci. Ele chegou a ter plus 4 de handicap, era um muito bom jogador, depois teve um acidente grave que o impossibilitou de continuar a jogar como jogava. Quando viemos para Portugal, tinha eu dois anos, fui viver para o Porto. O meu avô entretanto tornou-se director do já extinto campo do Estoril-Sol e numas férias grandes com o meu irmão foi lá que começámos a jogar, com um saco de golfe é que era rudimentar e construído pelo pessoal da manutenção. Foi cinco anos depois de chegar de África, tinha eu 7 anos. O meu avô é que nos ensinou. Entretanto mudámo-nos do Porto para Lisboa e fomos para a Carregueira [Lisbon Sports Club, em Belas]. Foi lá que me fiz jogador, mas onde comecei a jogar bom golfe, já mais velho, pois entretanto estive sete anos sem jogar, foi na Quinta da Beloura. Mas sempre tive consciência de que o golfe era um desporto que eu, mais tarde ou mais cedo, iria praticar para sempre. 

Em termos competitivos quais são as tuas melhores memórias? 

A minha melhor prestação no golfe foi no Campeonato Nacional de Clubes de 2009, em representação da equipa de Vila Sol, no Morgado do Reguengo, quando fiz uma volta de 69 pancadas, 4 abaixo do par-73. Houve mais dois jogadores que também fizeram tal marca nesse dia e um deles, se não estou em erro, foi o Ricardo Melo Gouveia. Ganhámos o stroke play por 6 de diferença. Joguei muito bem nesse torneio, apesar de não termos vencido – perdemos para Vilamoura na final. No meu percurso, aliás, as grandes vitórias foram sempre por equipas. Fui campeão nacional de clubes em juniores em 1989 pela Carregueira; e, em 2007, venci por Vila Sol – que tinha a designação de Morgadinhos Golf Club – o Campeonato Nacional de Clubes em homens e também o Nacional de Clubes Mid-Amateur. Agora com o Sean [Côrte-Real] mais perto, em Espanha, vamos ver se retomamos a equipa, inclusivamente pondero tirar férias em Agosto para jogar. 

Em Angola jogas com frequência? 

Agora menos, mas quando estava no Mangais jogava bastante. Não durante o dia, mas a seguir ao horário normal de trabalho: pegava nos tacos e ia jogar. Eu morava no campo, era fácil sair do escritório com os tacos às costas e ir jogar. Nessa altura cheguei a 0,1 de handicap. 

Estás de férias em Portugal desde dia 22 e regressas a Angola a 10 de Janeiro. Como tens passado estes dias? 

O meu filho esteve connosco em Angola até há um ano, altura em que ele próprio decidiu que queria voltar para Portugal. Portanto, os momentos que passamos cá são com o nosso filho, em família. Claro que há sempre tempo para ver e rever os amigos – logo no dia em que cheguei fui jantar com um grupo ligado ao golfe.