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O golfe como agricultura do turismo
Crónica
03/03/2022 10:53 Henrique Duarte
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Importa desmistificar a imagem que se tenta fazer passar nos meios de comunicação

O Golfe é a única actividade agrícola em que o cliente tem de cá vir para a consumir! 

Esta afirmação, ouvi-a no início dos anos 90 da boca de um amigo que já não está infelizmente entre nós, e que aproveito para homenagear – Deus te guarde José Sousa Martins! 

Em anos de seca é importante aproveitar para discutir o que muitos, teimosamente, querem ignorar: nem sempre chove no nosso país, à beira-mar plantado, e quando chove em quantidade suficiente, nem sempre essa água é bem aproveitada. 

A discussão pública deste assunto é normalmente feita, nos meios de comunicação social, por “líderes de opinião” que não recorrem a dados científicos para justificar as ideias mais abstrusas que divulgam com leviandade. 

Infelizmente, são poucos os casos em que o jornalismo, antes de informar, recorre a fontes tecnicamente fidedignas e necessárias para um debate sério da problemática da falta de água. 

Para exemplificar como a opinião pública em geral, anda, na maioria das vezes alheada da realidade, deixo aqui estes dados recolhidos nos estudos da Universidade do Algarve, sobre a distribuição do consumo de água nesta região que, como sabemos, é onde existem o maior número de Campos de Golfe por Km2 no nosso país:

- Do total de água consumida no Algarve:

56% destina-se ao uso agrícola

37% ao consumo público

7% aos campos de golfe 

Assim sendo, num cenário de falta de água, importa conhecer as principais opções para reduzir o seu consumo: 

A: Reduzir as perdas de água por fugas nas redes de abastecimento ou mal utilizada por falhas ou inexistência do sistema de controlo. 

B: Regar recorrendo a água reciclada após tratamento em ETAR. 

C: Limitar o desenvolvimento de novas actividades, sobretudo daquelas que consomem mais água e com menor impacto para a economia. 

D: Reduzir ou mesmo proibir a utilização da água para regar. 

Assim, perante estas opções vale a pena referir sobre cada uma delas o seguinte:

  1. O consumo público é aquele que mais importa preservar por ser o mais importante para o bem-estar da população, no entanto, é nesta área que o desperdício de água por fugas na rede é mais gritante, chegando em média a valores próximos dos 50% (cerca de 3 vezes a quantidade de água usada em todos os Campos de Golfe da região).
  2. Praticamente toda a água reciclada em ETARs não tem aproveitamento, sendo invariavelmente encaminhada para o mar.
  3. Limitar o desenvolvimento das actividades que mais consomem água é uma medida de prevenção futura, mas em nada nos pode ajudar no curto prazo.
  4. Assim, a opção mais evidente num cenário de escassez de água será a de limitar o uso desta por forma a controlar os volumes disponíveis. Esta opção é a mais drástica pois pode acarretar grandes prejuízos para as respectivas actividades.

Assim, falando apenas do Golfe, por ser a actividade que conheço bem, importa sobretudo desmistificar a imagem que se tenta fazer passar nos meios de comunicação: 

Em relação aos desperdícios de água na rede de distribuição, estes são residuais pois os equipamentos de gestão da rega utilizados nos nossos Campos de Golfe comparam directamente a previsão de consumo programada pelos computadores de rega com o consumo efectivo verificado nas estações de bombagem e cruzando esta informação quaisquer desvios são facilmente detectáveis. Acresce ainda que o controlo da rega é vigiado diariamente por um técnico especializado que ajusta o consumo de água diariamente em função da evapotranspiração da relva, fornecida pelas estações meteorológicas. 

Se considerarmos o golfe uma actividade agrícola onde se produz relva e compararmos as respectivas necessidades de água com a das outras produções agrícolas verificamos que, por exemplo no Algarve, os consumos por área regada não divergem substancialmente das outras culturas, ficando mesmo abaixo de produções como a dos citrinos, dos abacates ou mesmo do arroz. Daí que não se perceba a insistente mensagem de que os Campos de Golfe consomem muita água e são responsáveis pela sua escassez. 

Mas o que é mais gritante, daí a primeira frase deste texto, é a diferença entre o Valor Acrescentado Bruto (VA) comparável entre a Indústria do Golfe e a actividade agrícola no Algarve, respectivamente de 500 milhões vs. 140 milhões de Euros (dados Pordata). 

É que cerca de 80% das voltas de golfe no nosso país é feita por estrangeiros, fazendo com que Portugal, com pouco mais de 80 Campos, seja o segundo maior mercado de Turismo de Golfe no Mundo. 

Assim, se isolarmos o consumo de água utilizada nestas duas actividades, podemos verificar que para um consumo 8 vezes superior, o VAB da Agricultura no Algarve é 3,5 vezes inferior ao do Golfe. E numa análise muito pragmática ficamos a saber que cada metro cúbico de água usado para regar os Campos de Golfe no Algarve produz 28 vezes mais valor que a mesma quantidade de água utilizada na rega agrícola Algarvia.

Em conclusão, é óbvio que o objectivo não é promover o Golfe em detrimento da Agricultura, mas somente salientar que uma mentira insistentemente afirmada pode facilmente ser entendida como uma verdade.

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*Gestor

 

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