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O golfe estagnado
Crónica
01/08/2014 10:52 Mário Marques Pinto

Em Portugal não necessitamos de ser atingidos por qualquer epifania para descobrir qual a razão principal da carestia de jogadores.

Cerca das 08h30 horas da manhã dum sábado de finais do ano passado, deparei ao chegar ao balneário do meu clube com um aceso e espontâneo debate. As instalações estavam a abarrotar quer de sócios (era dia de torneio em formato “shotgun”) quer de argumentos. Discutiam-se as quotas anuais propostas para vigorarem em 2014.

Ainda que apropriado para a altura do ano, o tema de conversa tinha contornos invulgares pois na sua grande maioria, os clubes propunham a manutenção do valor das quotas do ano transato. E grande parte deles aumentavam os benefícios complementares como a disponibilidade de bolas de treino gratuitas, a redução do aluguer de buggies, os descontos nas lojas e restaurantes, etc.. Outros clubes foram mais longe, ao oferecer direitos de jogo em múltiplos campos. E houve quem tivesse mesmo reduzido o montante das quotas. Os campos e os clubes tentavam assim não perder sócios pois nos últimos anos o contingente de jogadores nacionais tem praticamente estagnado.

Em Portugal não necessitamos de ser atingidos por qualquer epifania para descobrir qual a razão principal da carestia de jogadores. A crise económica e financeira que nos assalta há já vários anos é insofismavelmente a grande culpada. Já na generalidade dos outros países da Europa onde o impacto da crise tem sido bem menor haverá que procurar outros motivos para o crescimento do número de jogadores que também aí tem ficado aquém das expectativas.

O panorama inverte-se apenas nos países do Oriente, com a China à cabeça, onde se registam robustas taxas de crescimento económico. Mas como nessas paragens o golfe só agora começa a ter expressão, está quase tudo por fazer e não será de admirar que o golfe se desenvolva com maior pujança.

Com mais jogadores de golfe do que a soma de todos os outros países, os Estados Unidos da América constituem o mercado incontornável para identificar tendências, diagnósticos e soluções.

Acontece que as notícias não são também propriamente encorajadoras. De facto, as vendas realizadas na recente grande feira anual de material de golfe nos Estados Unidos sofreram um decréscimo face aos valores do ano anterior. Soaram de imediato as campainhas de alarme na indústria, mas em boa verdade a tendência não é de agora. O crescimento da atividade económica ligada ao golfe tem registado valores francamente anémicos, numa tendência que teve início ainda antes da crise desencadeada pelo subprime.

No país das estatísticas e dos estudos, surgem torrentes de explicações. A economia é a arguida principal (“É a economia, estúpido”, como reza o célebre aforismo duma bem sucedida campanha presidencial). Apesar das perspetivas para este ano apontarem para um relativamente saudável crescimento do PIB da ordem dos 2/2,5%, grande parte dos analistas salientam a progressiva redução do poder de compra da classe média, segmento onde poderia ainda haver margem para crescer.

Refere-se com frequência a míngua de novos country clubs i.e. associações cujos membros são igualmente proprietários do campo e instalações anexas. Esta tendência, por ser persistente há já muito tempo, indicia a obsolescência do conceito. E nos outros formatos, como o pay-and-play, o preço médio cobrado pelos green fees continua a aumentar em consequência da acentuada queda da construção de novos percursos.

As farpas dos críticos têm atingido alguns estrangulamentos endógenos da modalidade. Entre eles, avulta a duração excessiva das partidas, cujo combate as cúpulas dirigentes do golfe têm vindo a perder. E também a relutância orgânica dessas autoridades em alterar em tempo útil as regras, regulamentos e procedimentos para facilitar a alavancagem da modalidade.

Ensaiam-se alternativas para mudar este estado de coisas. Eis algumas delas: gestão mais empresarial das associações de golfe; esforço adicional no marketing; divulgação agressiva da redução para nove buracos das partidas de golfe; e até o teste de conceitos esdrúxulos como a utilização polivalente dos campos abrindo-os a jogos “híbridos” como o footgolf (?!).

Numa nota mais prosaica mas quiçá não menos significativa, até a revista americana “Golf Digest” está a enveredar por caminhos heterodoxos. Considerada a “bíblia” dos jogadores mais assíduos (ou “ávidos”, como lhes chamam os americanos), a revista apresenta por via de regra na respetiva capa um jogador dos tours profissionais. Frequentemente também lá aparece um dirigente ou empresário do setor, ou ainda um praticante famoso noutras andanças como os negócios, a política, ou o cinema e TV como ocorreu na edição corrente.

Qual destas personalidades fez grande destaque na capa do número do mês passado? Resposta: nenhuma delas. Outrossim, aparece uma menina que não milita no circuito profissional feminino (na verdade não se conhece qualquer indício ou prova de que saiba sequer pegar no taco), não dirige nenhuma empresa ou entidade, nem é uma celebridade do mundo do espetáculo.

Entre os seus “atributos” consta o atual namoro com um dos melhores jogadores do circuito, a perambulação pelos torneios envergando roupas cada vez mais diminutas, e uns cromossomas herdados do pai que foi um grande atleta noutra modalidade. Mas (e não é difícil adivinhar...) o maior dos seus ativos é a esbelta figura, pontuada por fulva cabeleira a desbordar dum palmo de cara atraente.

Tudo ao jeito das capitosas modelos que abrilhantam muitas das capas de revistas cujo interior versa matérias tão apropriadas como equipamentos informáticos, carros-e-camiões, etc. “Belo” sinal dos tempos!

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Presidente da Federação Portuguesa de Golfe de 1984 a 1999

 

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