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Shot Stories: Tee time
Crónica

Vai longe o tempo em que se tinha de construir um montinho de relva ou areia para bater a bola

É consensual: sem um tee, a vida do golfista (de médios e fracos recursos) seria muito mais complicada. Trata-se de um pequeno objecto, côncavo do lado onde se coloca a bola, e pontiagudo do lado que se crava na relva.

Entre as suas inúmeras funções, a principal é colocar a bola a uma altura apropriada para ser varrida com maior facilidade. Em termos técnicos, se jogar com um driver oversize, não deve enterrar muito o tee no solo, de modo a deixar a bola alta. Se, porém, jogar ferros, este já deve ficar rente ao chão.

A Ciência descobriu, entretanto, que o tee reduz, ainda que minimamente, a velocidade da bola, uma vez que origina uma pequena dispersão de energia quando embate na face do taco.

Antes de haver tees, isto é, até ao final do século XVIII, a zona à volta do green era utilizada como ponto de partida para o buraco seguinte. Os jogadores afastavam-se a uma curta distância do green e colocavam a bola sobre um montinho de relva improvisada para darem a primeira tacada.

Posteriormente, foi criado outro sistema: com areia humedecida, os jogadores construíam uma ligeira elevação onde colocavam a bola. Numa primeira fase, e sem qualquer pudor, retiravam a areia do interior do buraco que acabavam de jogar.

Esta prática começou a preocupar os clubes de golfe, uma vez que contribuía para a destruição dos buracos. Os clubes passaram então a colocar junto aos greens caixas metálicas ou de madeira com areia, a marcar o ponto de partida para cada novo buraco. Os jogadores ou os caddies faziam pequenas elevações sem danificar as condições físicas do campo.

Com o passar do tempo, esta caixa foi evoluindo e passou a ter rodinhas que permitiam uma fácil mobilidade, tendo posteriormente sido adaptada para subir até à altura da cintura, sem ser necessário o jogador agachar-se para preparar o tee. Mas mexer com os dedos na areia húmida veio a revelar-se um incómodo, cada vez menos apreciado e até tido como nefasto na eficácia da pancada.

O ancestral do tee

Foi neste contexto que surgiu a ideia de utilizar um molde metálico em forma de cone que oferecia como principal vantagem permitir que o tee tivesse uma altura relativamente estável e não “feita a olho”.

Em 1898, o inglês Frederick W. Wareing aperfeiçoou o invento. Tornou-o flexível de um lado e colocou-lhe um pequeno orifício que permitia retirar a areia quando o tee já estava formado. Apesar destas modificações, o sistema continuava a ser insatisfatório. Era necessário para cada buraco construir um tee de areia, operação que se revelava bastante desagradável e morosa, sobretudo em dias de chuva.

Mas uma boa solução estava em curso. Dois anos antes da invenção de Wareing, surgiu a primeira notícia de um tee de madeira, cuja patente foi registada em 12 de Dezembro de 1899 por George F. Grant, o primeiro dentista afro-americano licenciado pela Universidade de Harvard.

Nascido em 1846 em Oswego (Nova Yorque), Grant teve um contacto com o golfe diferente de outros afro-americanos, na sua maioria limitados a ser caddies ou apanha bolas. Ao contrário destes, que lutavam pela sua afirmação racial, foi-lhe dada a oportunidade de jogar onde até aqui só entravam brancos.

Apesar do fraco desempenho nos fairways, Grant destacar-se-ia pelo seu invento, ainda que o merecido louvor só lhe tenha sido concedido quase um século depois. A licença número 639.9200 caracterizava o objecto que Grant tinha registado patente como “um material rígido na base, de preferência feito em madeira e de ponta afiada, mas flexível no outro extremo, com uma superfície côncava onde se deve colocar a bola”.

E assim nascia o tee como ainda hoje é conhecido. No entanto, esta invenção não foi bem recebida. A fraca perspicácia de Grant para o negócio também não contribuiu para a implementação do seu invento. Dos tees fabricados em Boston, ofereceu alguns aos amigos e os restantes acabaram esquecidos na garagem. À data da sua morte, em 1910, a invenção de Grant não passava de uma ténue lembrança, perdida no tempo.

O início da década de 1900 foi prodigioso em inventos. Foi neste período que surgiram os tees de papel ou cartão vendidos em cadernos. O jogador arrancava-os por uma linha picotada e enrolava-os conferindo-lhes uma forma cilíndrica.

O golfe conheceu ainda nesta altura os tees de cobre ou latão, espécie de pequenos sinos invertidos, e os de celulose ou plástico, mais económicos visto que não se perdiam tão facilmente. A publicidade não ficou alheia a esta realidade e como os tees eram recuperados depois das tacadas, começaram a veicular mensagens, como marcas a lojas e serviços.

Apesar destes progressos, o hábito de recorrer à areia continuava enraizado entre os jogadores e surgiam novos modelos de recipientes para guardá-la. Contudo, o destino do tee já estava traçado e faltava apenas mais um passo para se impor como um instrumento indispensável no golfe.

Um dentista com jeito para o negócio

Mais uma vez, foi um dentista que contribuiu para tal realidade. William Lowell, um apaixonado pela modalidade, não gostava de ficar com as mãos e a roupa sujas depois de cada jogo e procurou uma solução higiénica. Recorreu aos conhecimentos da profissão que exercia e cruzou-os com as necessidades que sentia no golfe.

Deste cruzamento surgiria o Reddy Tee, o primeiro protótipo feito de gutapercha, um material muito utilizado no fabrico de dentaduras postiças e bolas de golfe. A cor vermelha e o fácil manejo entre os dedos justificaram o seu nome. Ao contrário de Grant, Lowell teve de imediato faro para o negócio.

Em 1922, fechou contrato com a companhia Spalding e vendeu as primeiras quantidades do Reddy Tee, que entretanto começava a ser promovido pelos profissionais Walter Hagen e Joe Kirkwood nas suas exibições mundiais.

Dois anos depois, os lucros da invenção de Lowell ascendiam aos 100.000 dólares, mas nos anos seguintes a concorrência invadiu o mercado com uma grande variedade de tees. O Reddy Tee só tinha sido registado em 1925 e Lowell, até aos últimos dias de vida, em 1954, viu-se a braços com diversos conflitos judiciais contra o plágio da sua invenção.

Na década de 30, com o aparecimento dos tees em madeira, os jogadores de golfe perderam finalmente o hábito de construir montinhos de areia. Quase um século depois, a invenção de Grant transformava-se numa prática corrente. O merecido reconhecimento da sua invenção foi-lhe concedido em 1991 quando a USGA o considerou como o autêntico inventor do tee.

Hoje em dia, existem tees de todos os tamanhos e feitios, adaptados aos diferentes gostos e necessidades dos jogadores. Podem ser de diferentes cores e tamanhos, de materiais ecológicos e biodegradáveis, personalizados ou com a forma sensual de uma silhueta feminina.

À semelhança do que sucede com as bolas, passou ainda a ser um objecto de colecção. Para além da sua utilidade, pode ainda ter inúmeras aplicações no campo. Permite limpar a face do taco, anotar os resultados se tiver um lápis na ponta, controlar os swings (colocado entre o polegar da mão esquerda e a mão direita) e ainda aliviar o stress, roído à medida que aumenta o nervoso miudinho.

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Jornalista e escritor

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