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Shot Stories: O jogo do povo
Crónica

Sobre a questão de o golfe ser ou não ser um desporto de betos e queques

Tudo pode dar azo a polémica, sururu, bate-bolas e entropia. A questão de o golfe ser um desporto de betos, de queques, de quiques, de Pipinhas e Bernardos, é uma delas. Quando uma discussão se estabelece à volta deste tema o primeiro recurso historicista é recordar as origens da modalidade, ou seja, ir até às pastagens escocesas e da Velha Albion nos idos do século XVIII e lembrar os pastores e guardas da rainha Maria Stuart de andrajos, cajados e sapatos de ráfia às trolitadas a tentar enfiar pedras ditas de gutta percha em buracos cavados por manápulas de unhas pretas e de fairways acamados por vacas ruminantes.

Quem inventou o golfe não foram os aristocratas de polainas, mas sim os subordinados ociosos nas muitas horas passadas ao relento debaixo de chuva, vento e geada. Diz a História que a rainha, mulher de quociente emocional elevado, vendo as tropas desencantadas e enfadadas, distraídas com uma estranha jogatana, desceu ela própria dos seus aposentos para os prados, alçou das saias, arregaçou as mangas de seda, atou os cabelos e logo tratou de assestar pancadas com um swing registado em aguarelas.

O velho Tom Morris e seus amigos agrários eram tudo menos homens de posses e são inúmeras as biografias de craques nascidos em palhas e moradas humildes como o falecido Severiano Ballesteros, filho e irmão de caddies de La Pedreña ou tantos que proliferam hoje pelos campos portugueses sem sonante apelido.

Um dia cheguei a Dublin por minha conta e risco para treinar e jogar debaixo de impiedoso termómetro e por tuta e meia em campos de celtas e druidas. Ao arrumar o saco na bagageira o taxista de tatuagens à Popeye desatou um sorriso e apontou um saco alojado a um canto de ferros Titleist idênticos aos meus e logo ali me desafiou para uma partida nessa semana. Acabámos por jogar em Druid’s Glean num dia de temporal onde aprendi a lição da humildade ao quadrado. Nunca julgar o monge pelo hábito e nunca jogar a 20€ por buraco com um celta.

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* Jornalista e escritor

Site: www.tiagosalazar.com

Facebook: Tiago Salazar (escritor)

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