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O Gina
Crónica

O ofício de caddie vale ouro, incenso e mirra ou vale a sensatez no lugar da ousadia

O ofício de caddie vale ouro, incenso e mirra ou vale a sensatez no lugar da ousadia disparatada quando tudo diz ataca e o caddie sussurra “aguenta os cavalos”. Numa prova de juniores em 1987, levei o Gina como caddie. Na verdade foi ele a oferecer-se para a viagem com a sua bondade de sempre, fosse para partilhar a bucha de torresmos e presunto, os tacos recuperados ou a Zundapp de atrelado em que um dia nos fizemos à estrada nacional rumo ao Sul. O Gina era o meu companheiro de madrugadas no campo de treinos da Quinta da Marinha, o bate-bolas ou o driving range, à inglesa. 

Nos primórdios do clube havia uma pequena barraca que servia de arrumos e guarita e até de casebre para quando havia problemas em casa. Antes de ir para as aulas do liceu de S. João do Estoril pegava na bicicleta Tip-Top e ia da Avenida de Sintra, do Pai do Vento, pela marginal, fizesse sol, frio, chuva ou ventos rebeldes como os há no Guincho. Sabia como estava o campo e a praia pelos carneirinhos no mar. 

O Gina estava sempre lá antes de eu chegar e mantinha-me os tacos sempre limpos e areados. Guardava-me ainda as bolas melhores e limpava-as para que tivessem o efeito mais próximo de uma bola de alto nível. Sentava-se num tronco enquanto eu batia um par de baldes fazendo do treino um ritual de estratégia. De vez em quando, levantava-se do tronco e dava-me um encontrão e dizia “dá cá o cajado” com voz de coronel. Pegava então no taco e aquecia o swing como se o taco fosse de basebal para me corrigir um pormenor no ataque à bola. O António Dantas e depois o Paul Saunders eram os meus misters, mas o Gina era a minha força kármica. 

Demorámos dois dias a chegar ao Algarve na Zundapp e fizemos amigos entre alentejanos e ciganos e guardas republicanos. Lembro-me de termos dormido numa pensão em Aljustrel e de o Gina estar preocupado com o asseio dos lençóis, pois eu podia ganhar piolhos e seria o cabo dos trabalhos andar a coçar a cabeleira de querubim e distrair-me da prova. Levava um capacete de aviador e tampões para sobreviver ao ruído e duas sacas de batatas recheadas de sumaúma para não chegar ao torneio com uma espandilose. 

Lá chegámos, inteiros e tisnados como dois ciganos primos de sangue. Lembro-me de entrar em Vilamoura na Zundapp e estacionarmos a máquina ao lado dos bólides e de haver uns sururus. No campo, Gina apresentou-se de calções a rigor, pólo e sapatos engraxados, de barba feita e cabelos alisados com gel como um gentleman. Um par de vezes evitou-me o desastre de um ferro a mais e um putt sem linha que ditaria um duplo bogey. Mas foi a linha no 17 que levou a bola a entrar a meio do caneco que ditou a maestria do caddie e o aplauso da geral pois o golfe é um desporto de primus inter pares.

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*Jornalista e escritor

Site: www.tiagosalazar.com

Facebook: Tiago Salazar (escritor)

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