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Pontos ou euros? Eis a questão!
Crónica

Gosto menos desta Race to Dubai mascarada em que os euros se transformam em pontos

O European Tour decidiu em 2015 estabelecer uma equivalência entre os prémios monetários que os jogadores embolsam e os pontos atribuídos para a Corrida para o Dubai. 

A medida é, aparentemente, inócua, até porque a equivalência é directa, ou seja, o número de pontos é o resultado do somatório do número de euros angariados por cada jogador. 

No press release enviado aos media pelo European Tour não se avança com nenhuma razão especial para esta alteração, embora Keith Waters, o COO (director de operações) desta entidade tenha considerado que “a mudança para um sistema de pontos ajuda a simplificar a estrutura narrativa da Race to Dubai, sobretudo no que se refere à Final Series”

Quando li esta notícia, pareceu-me algo do género de “tudo deve mudar para que tudo fique como está”, uma frase famosa do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa. 

Depois, reflecti um pouco mais e pareceu-me que havia algo de politicamente correcto nesta medida, mas também de alguma sensibilidade face ao momento em que vivemos. 

A crise económica internacional que se manifestou com mais acuidade a partir de 2008 tornou chocante para muitos sectores da sociedade as elevadas verbas movimentadas no desporto profissional. 

E se algumas modalidades, como o futebol, não parecem aparentemente sofrer na sua popularidade, apesar de divulgarem verbas de centenas de milhões de euros por transferências de jogadores, outras, como o golfe, não podem dar-se ao mesmo luxo. 

Veja-se como, entre nós, o poder político não tem qualquer problema em surgir ao lado de Cristiano Ronaldo, mas manifesta pudor em deslocar-se aos nossos mais relevantes eventos de golfe. Para mim, continua a ser inaceitável que nenhum secretário de Estado do Desporto e Juventude tenha marcado presença nas cerimónias de entrega de prémios do Portugal Masters! 

Ora muitos dos torneios do European Tour são financiados por investimentos públicos. É o caso dos nossos Madeira Islands Open BPI e Portugal Masters – e bem, não há que temer dizê-lo, pelo retorno directo e indirecto que proporcionam à nossa economia – e de muitos outros, sobretudo de países em que o golfe depende do turismo externo. 

Em determinadas culturas, como a britânica e irlandesa, o investimento público (e até mesmo privado) no golfe é bem visto pela população em geral, mas noutras há quase a tentação de deixar passar despercebidos esses apoios no mercado interno, apostando mais na divulgação mediática internacional. 

Lembro-me, por exemplo, de, há uns anos, no desempenho do cargo de press officer do Open de Portugal, um director de marketing de um dos patrocinadores dizer-me taxativamente: “Não me interessa nada os resultados do seu trabalho no mercado nacional. Só me guio pelo retorno mediático internacional para os nossos clientes estrangeiros.” 

Posso estar errado, mas senti que aquele director não estava a referir-se apenas à insignificância da dimensão do mercado nacional. Ele tinha a percepção de que os clientes portugueses poderiam até levar a mal que a marca procurasse promover-se no golfe, como se, para a maioria, esse dinheiro passasse de um investimento para uma mera despesa. 

Neste contexto, é completamente diferente para o público que não liga ou não gosta de golfe ouvir na TV e na rádio, ou ler nos media escritos que Rory McIlroy foi o nº1 de 2014 da Corrida para o Dubai com 7,15 milhões de euros, ou com 7.149.503 pontos. Convenhamos que, não obstante “cheirar” a politicamente correcto, choca menos e cria menos anti-corpos ao golfe. 

É claro que os media especializados continuarão a falar das verbas auferidas pelos jogadores, até porque, felizmente, são oficiais e públicas. 

Há umas semanas, em conversa com um jogador português, ele queixava-se de não compreender porque razão só no golfe se sabia quanto ganhava um jogador. Não é verdade. Em muitas modalidades individuais altamente profissionalizadas essa informação é pública. Acontece no ténis, no surf e em muitas outras. 

E ainda bem que assim é. Há muitos anos, no início da minha carreira jornalística, trabalhei durante quatro anos a cobrir o futebol para o extinto jornal A Capital. Nunca me adaptei à cultura de secretismo vigente em tudo o que respeitasse às verbas envolvidas. 

Não concordo que exijamos transparência a quase todos os sectores da sociedade mas que depois admitamos sem questionar o panorama nebuloso que frequentemente vigora no desporto. O golfe, nesse aspecto, é claríssimo e basta ir aos sites oficiais do PGA Tour, European Tour, etc., para sabermos quanto ganhou determinado jogador. 

Há, no entanto, aspectos negativos nesta transparência. Confesso que nunca tinha pensado nisso, mas o tal jogador com que conversei alertou-me para a tendência crescente de raptos de familiares de desportistas famosos. São alvos fáceis e podem pagar resgates. 

Esta preocupação é, obviamente, compreensível, até porque na esmagadora maioria dos casos os desportistas não beneficiam de protecção permanente como sucede com os políticos e os empresários mais destacados. 

Foi uma observação que me deu que pensar… até esta semana sermos todos atingidos pela brutalidade do ataque ao Charlie Hebdo. Das várias respostas possíveis ao ataque terrorista, não ouvi ninguém defender que se devesse calar os cartoons, nem mesmo dos que consideraram que, muitas vezes, haveria mau gosto naquele género satírico. 

A reacção generalizada foi a de que o medo deve ser combatido e que as liberdades de expressão e de imprensa são pedras basilares da cultura democrática. 

Ora, seguindo a mesma linha de raciocínio, se defendo que a transparência é igualmente um valor fundamental da nossa sociedade, tenho de professar que, apesar dos perigos, não nos deveremos render ao medo. Prefiro uma Corrida para o Dubai que divulgue os ganhos monetários do que esta nova Race to Dubai (mal) mascarada, na qual o número de pontos é igual ao número de euros. 

Em contrapartida, preferiria inequivocamente que os circuitos profissionais de golfe não tivessem as suas ordens de mérito ligadas directamente a money-lists. Esta é outra questão completamente diferente. 

Gosto mais de hierarquias como o ranking mundial em que há uma tabela de distribuição de pontos, em que um torneio atribui mais ou menos pontos para o ranking de acordo com a importância e o prestígio de que esse evento goza no circuito, e não tanto pelo poder económico dos seus promotores em oferecerem avultados prémios monetários. 

Valorizo mais um ranking em que o nº1 somou pontos nos torneios mais relevantes. Não aprecio tanto um ranking em que o nº1 foi aquele que venceu os torneios que mais dinheiro ofereceram. 

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* Comentador de ténis e de golfe no Eurosport, que de golfe pouco percebe mas muito se interessa. Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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