Sobre decisão de retirar candidatura portuguesa à edição de 2022
O European Tour anunciou na semana passada que a Federação Portuguesa de Golfe (FPG) desistiu de apresentar uma candidatura à organização da Ryder Cup de 2022.
“Gostámos de trabalhar de novo em conjunto com a Ryder Cup Europe e avaliámos a viabilidade de submeter formalmente uma candidatura à organização da Ryder Cup de 2002 em Portugal.
“Estamos seguros de que a Ryder Cup se reveste de enorme importância para Portugal, ao proporcionar a exposição do nosso país como um destino de golfe de topo, ao mesmo tempo que funcionaria como uma oportunidade de desenvolver mais o golfe em Portugal.
“Mas concluímos, relutantemente, que o contexto económico impede-nos de desenvolver uma candidatura tão forte quanto gostaríamos e, por consequência, decidimos aguardar por uma oportunidade futura.”
As declarações pertencem a Manuel Agrellos, o presidente da FPG, e foram divulgadas pelos serviços de media do European Tour, que as publicaram no seu site oficial.
Portugal candidatou-se à Ryder Cup de 2018, apresentou então uma das melhores respostas ao caderno de encargos, mas o evento foi atribuído a França. O anúncio da vitória francesa foi efetuado no dia 17 de maio de 2011 e uma das muitas razões prendeu-se com o facto de a França ter um campo construído (o Le Golf National) e por isso não necessitar de investir tanto quanto países como Portugal e Espanha que estavam ainda em fases iniciais de construção dos seus projetos (campos e demais infraestruturas).
Quando o processo de candidatura se iniciou, ainda a crise económica europeia não tinha tomado os contornos dramáticos daquele ano de 2011 e não esqueçamos que Portugal tinha pedido o resgate de assistência financeira um mês antes.
David MacLaren, o diretor de Imobiliário e Desenvolvimento de Campos do European Tour, explicou na conferência desse mesmo dia 17 de maio de 2011, que “uma das pedras basilares da candidatura de França foi o apoio incondicional dos golfistas franceses que votaram por unanimidade pagar um extra todos os anos para financiar a Ryder Cup em França”.
A Federação Francesa de Golfe (FFG), após votação em Assembleia Geral, elevou as quotas em um euro por membro durante dez anos, calculando uma receita de cerca de quatro milhões de euros no final dos dez anos do programa.
Ou seja, a Ryder Cup Europe – que já tinha recebido a desistência da candidatura da Suécia por falta de verbas, que sabia que Portugal pedira assistência financeira, numa altura em que já se falava da necessidade de um programa europeu de resgate aos bancos espanhóis –, levou bastante em consideração uma possível deterioração da economia europeia nos anos seguintes, antecipou um previsível desinvestimento público na zona euro e escolheu um país que já tinha as infraestruturas e que só pela própria federação nacional assegurava cerca de 400 mil euros por ano.
Os países que não ganharam a organização da edição de 2018 já tinham investido bastante nos seus processos de candidatura – uns poucos milhões de euros – e foi, por isso, com naturalidade que lhes foi dada uma segunda oportunidade para o duelo Europa-Estados Unidos de 2022.
Na minha opinião, a FPG fez bem em manifestar a vontade de concorrer, falando-se de uma pré-candidatura. Fez bem porque há vantagens óbvias para o golfe nacional num projeto deste género, não só pela Ryder Cup em si e o impacto económico que teria durante aquela semana para a chamada indústria do golfe local, mas, sobretudo, pelo programa de dez anos com que cada país deve comprometer-se.
O golfe português não seria o mesmo depois desses dez anos de investimentos constantes que beneficiariam jogadores, treinadores, campos, clubes e todas as atividades intrínsecas à modalidade.
Abstenho-me aqui (isso seria motivo para outro artigo) de dissertar sobre as vantagens para o país. Na altura da candidatura portuguesa a 2018 houve muitos detratores, mesmo no interior do golfe nacional. Não se verificou entre nós a tal unanimidade francesa tão elogiada, e foi pena. Mas para pensar no país há outras entidades. A FPG deve, principalmente, velar pelos interesses da modalidade e para o golfe português só poderia ser positivo.
George O’Grady, o presidente-executivo do European Tour que está de saída, tendo sido entretanto anunciado o seu sucessor, deu, em 2011, vários exemplos recentes das vantagens que o golfe recolheu em países anfitriões da Ryder Cup: “A Assembleia do País de Gales, graças a dois sucessivos Primeiros-ministros, introduziram a Ryder Cup nos currículos escolares. E agora, na Escócia, estão a levar o golfe às escolas e, só em 2010, 70 por cento das crianças tiveram esse contacto com a modalidade, 49 por cento das quais raparigas”.
Há outra razão, mais pessoal, que me leva a apoiar a pré-candidatura portuguesa a 2022: O presidente da FPG, Manuel Agrellos, gostaria certamente de terminar o seu último mandato com uma notícia tão mediática quanto seria uma Ryder Cup em Portugal.
Repito, na minha opinião, a FPG esteve bem em mostrar interesse. Depois disso, iniciaram-se os necessários contactos com a administração central (secretarias de Estado do Turismo e do Desporto e Juventude, Instituto Português do Desporto e Juventude, Turismo de Portugal) e com eventuais patrocinadores privados.
Volto agora atrás, à tal conferência de imprensa de 17 de maio de 2011 para salientar uma frase de David MacLaren referente ao processo de 2018: “quando visitámos Portugal, verificámos um nível muito elevado de apoio governamental”.
Esse apoio é fundamental. Estamos perante o terceiro evento mais mediático do globo, logo depois do Campeonato do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos.
Veja-se alguns exemplos das candidaturas à edição de 2022:
Na Alemanha, a Ryder Cup Europe foi recebida por Peter Altmaier (o ministro federal para Assuntos Especiais, antigo chefe de gabinete da Chancelaria, antigo ministro do Ambiente) e por Michael Müller (o presidente da Câmara Municipal de Berlim).
Em Espanha, o próprio Rei, Filipe VI, aceitou o cargo de presidente honorário da candidatura e os anfitriões foram Miguel Cardenal (presidente do Conselho Superior dos Desportos) e Xavier Trias (presidente da Câmara de Barcelona).
Em Itália, os delegados da Ryder Cup europeia foram recebidos no palácio de Quirinale, a residência oficial do Presidente da República, Sergio Mattarella.
Finalmente, na Áustria, os anfitriões foram Doris Bures (a presidenta do parlamento austríaco) e Michael Häupf (o presidente da Câmara Municipal de Viena) no palácio de Hofburg, a sede do parlamento.
Não foi por acaso que a candidatura portuguesa a 2018 tinha como presidente honorário o antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, e como presidente da Comissão Executiva de Candidatura o ex-ministro da Economia, Manuel Pinho.
Portanto, para Portugal apresentar, como disse Manuel Agrellos, “uma candidatura tão forte quanto gostaríamos”, precisávamos de dinheiro (público e privado) mas também deste suporte inequívoco da administração central. Eu diria que, não só do Governo, mas da nação, como nos países em que a Ryder Cup visitou os parlamentos ou a Presidência da República, símbolos do próprio Estado.
Estava Portugal em condições de transmitir nos próximos meses essa perceção de desígnio nacional à Ryder Cup Europe? Não creio. Estamos a meses de eleições legislativas e as presidenciais são em 2016. Vivemos num ambiente de dupla campanha eleitoral e o golfe seria um bombo de festa demasiado apetecido para bater nos partidos ou candidatos que eventualmente se comprometessem agora com uma candidatura à Ryder Cup de 2022.
E sejamos também pragmáticos. Num contexto de austeridade continuada e prolongada, com a população massacrada, será politicamente correto embarcar num projeto destes?
É essa noção do politicamente correto que tem levado os apoios privados a escassearem quando se envolvem verbas vultuosas em atividades que não são demasiado populares e são ainda vislumbradas como elitistas, mesmo que erradamente.
Estive profissionalmente envolvido em alguns dos maiores eventos desportivos nacionais (extrafutebol) que viram importantes patrocínios bancários desaparecerem. Os gestores e os diretores de marketing desses bancos acreditavam nos eventos, percebiam-lhes as virtualidades, mas explicaram que seria demasiado penoso estarem ligados a grandes acontecimentos de determinadas modalidades, quando estavam em plenos processos de reestruturação (leia-se, despedimentos e cortes salariais) e de recapitalização com recurso a uma linha pública.
A este panorama não deveremos deixar de adicionar a realidade que é a dívida privada ser em Portugal tão ou mais aflitiva do que a pública. Quantas grandes empresas e poderosos grupos em Portugal, capazes de alavancar uma séria candidatura à Ryder Cup, estão livres de planos de reestruturação ou, pelo menos, de reformas estruturais que impliquem sacrifícios dos seus funcionários?
Foram estes, quanto a mim, os grandes obstáculos que a FPG encontrou e foi neste contexto que interpretei as declarações de Manuel Agrellos ao European Tour. É uma análise meramente pessoal, dado que a FPG soube manter em segredo todas as negociações em que esteve envolvida nos últimos meses.
E se concordei com a pré-candidatura, estou igualmente conivente com a decisão de não ser apresentada qualquer candidatura formal. Mas estou seguro de que, mais tarde ou mais cedo, a FPG voltará a avaliar uma futura candidatura à organização do evento. Assim a recuperação do país o permita.
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* Comentador de ténis e de golfe no Eurosport, que de golfe pouco percebe mas muito se interessa.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.