Em 2005, a espanhola Amen Corner organizou os Opens de Portugal e da Madeira em castelhano
Lembrei-me de escrever esta crónica ao ouvir ontem na televisão um dos vários jogadores espanhóis do Futebol Clube de Porto, o Tello, no rescaldo do jogo com o Gil Vicente. Pensei: não há nada a fazer, a lata não tem limites. Os futebolistas portugueses que vão para Espanha passam imediatamente a falar castelhano, mas os futebolistas e treinadores espanhóis que vêm para Portugal continuam impunemente a falar a língua deles. Não há aqui qualquer tipo de reciprocidade, antes uma subjugação de Portugal em relação ao país vizinho, que merecia estudo.
Por cá, os espanhóis podem continuar a agir como se estivessem em casa, ao passo que nós, por lá, ficamos nos conformes. Seria, com efeito, impensável que Cristiano Ronaldo, ou Fábio Coentrão, ao serviço do Real Madrid, falassem português, por exemplo, nas conferências de imprensa. Mas, por parte dos espanhóis em Portugal, e isto já vem do tempo de Camacho como treinador do Benfica, falar português com os portugueses é para eles, aparentemente, algo de impensável. Não há o mínimo esforço visível. Está fora de questão, como se Portugal e os portugueses não merecessem a pena.
Aliás, achei muita graça àquele episódio em que o treinador do FCP, o “Lotopegui” (é assim?), se indignou com o seu homólogo do Benfica, o Jesus, por este se referir incorrectamente ao seu nome, sabendo nós que “Lopotegui” (ou será assim?), ao fim de uma época inteira em Portugal, ainda não é capaz de soletrar uma palavra em português.
A culpa, em primeiro lugar, é dos clubes, que nada fazem neste capítulo e permitem esta situação. Não seria a coisa mais natural que um funcionário estrangeiro de um clube, de uma instituição ou de empresa portuguesas fizesse questão de aprender português? Mourinho, quando foi para Milão, aprendeu italiano. Quando foi para Madrid, passou a falar castelhano. Guardiola, quando deixou o Barcelona há dois anos rumo ao Bayern Munique, aprendeu alemão. Acredito que Guardiola, grande como é, aprenderia português se treinasse um clube nacional. É, mais do que uma questão de brio, uma questão de profissionalismo.
Depois, dá-se aquela coisa extraordinária de a comunicação social portuguesa, na televisão, nem se dar ao trabalho de traduzir os ditos futebolistas e treinadores espanhóis quando eles falam castelhano. No fundo, é como se todos os portugueses fossem fluentes no castelhano ou mesmo como se esta língua fosse também a nossa. Ou seja, é suposto os portugueses perceberem lindamente o castelhano e os espanhóis nada entenderem de português.
Mas isto vai para além do futebol – e já agora passemos ao golfe, que é o que nos traz aqui: em 2005, há uma década certa, portanto, o Open de Portugal e o Open da Madeira, depois de 12 anos sob a responsabilidade da João Lagos Sports, foram organizados (e comercializados) pela empresa espanhola Amen Corner, do mítico golfista – já falecido – Severiano Ballesteros.
É das regras do European Tour que toda a informação no local, indicações, folhetos, credenciais e outra parafernália sejam bilingues, em inglês e na língua do país anfitrião do torneio. Pois o que aconteceu nesse ano, em ambas as provas cá em Portugal, foi que tudo estava em inglês e em castelhano. Parece inacreditável, mas é verdade.
Agora, imaginai que era uma empresa portuguesa a organizar dois torneios do principal circuito europeu de profissionais em Espanha, e que apresentava ambos em inglês e em português. Seria, com toda a certeza, um escândalo nacional lá para aquelas bandas.
No entanto, no Open de Portugal, nesse ano de 2005, numa edição realizada em Oitavos Dunes, em Cascais, ninguém pareceu incomodado com isso. No Open da Madeira, uma semana depois, repetiu-se a ignomínia e aí denunciei a situação num artigo para o jornal Público. Caso contrário, e muito provavelmente, seria um assunto que passaria despercebido para sempre e que seria até alvo de reincidência. Deu frutos, porque, nos anos seguintes, enquanto a Amen Corner os organizou, não voltou a repetir-se o descaramento.
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Jornalista