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Quando parar é o melhor remédio
Crónica

Terá sido graças a período sabático que Ricardo Melo Gouveia se tornou no jogador que é hoje

Simão da Cunha já trouxe este episódio às crónicas GOLFTATTOO, mas numa perspectiva de amigo da família Melo Gouveia. Renovo o assunto numa perspectiva profissional, uma vez que estava presente no campo madeirense do Porto Santo Golfe, em 2009, quando Ricardo Melo Gouveia, desde segunda-feira última o nº1 do golfe português (é o jogador luso melhor posicionado no ranking mundial, em 433º), lá se sagrou campeão nacional amador absoluto. 

Um ano antes, na edição de 2008 do Campeonato Nacional, Ricardo fizera eagle-hole-in-one-birdie-birdie-par-birdie, a loucura de 7 abaixo do par entre os buracos 2 e 7 do Montado. Tinha iniciado a última volta com uma desvantagem de 8 pancadas para o líder Pedro Figueiredo, e com esta série fabulosa de buracos reduzira a diferença para duas. No entanto, um triplo bogey no 9 arrefeceu-lhe as ideias. Perdeu a embalagem e viria a concluir com 69 pancadas (-3), a que correspondeu o terceiro lugar, a 11 shots de Pedro Figueiredo e a 2 do vice-campeão, José Maria Jóia. 

Em 2009, o jogador do Clube de Golfe de Vilamoura venceu no Porto Santo com 2 de vantagem sobre Manuel Violas Jr. e com 4 à melhor sobre Pedro Figueiredo. No final, disse-me: “Já há muito tempo que esperava por um resultados destes, tenho trabalhado muito para isso. Quero ser um dos melhores do mundo e este triunfo representa uma motivação adicional para lá chegar.” Nos seus planos, estava já a ida, no final do Verão desse ano, para uma universidade nos Estados Unidos, onde iria conciliar o golfe com os estudos antes de eventualmente tentar o profissionalismo. 

Qual não foi a minha surpresa quando, numa entrevista que me concedeu menos de quatro semanas depois, me comunicou que deixara os tacos de lado indefinidamente: “No momento em que ganhei o Campeonato Nacional Absoluto, queria ser um dos melhores do mundo, mas já não estou tão certo. Comecei a pensar duas vezes nos meus objectivos e decidi fazer uma paragem no golfe, para melhor reflectir sobre o meu futuro. Não toco em tacos há já algum tempo.” 

E continuava: “Já o ano passado, aconteceu-me o mesmo, tive de parar durante o Verão, por saturação. A motivação voltou em Setembro. O meu pai nem queria que eu voltasse tão cedo ao golfe, mas eu andava cheio de vontade, e recomecei a treinar e a jogar. No entanto, no início deste ano [2009], voltei a sentir-me descontente, de forma mais intensa. Quando vou jogar torneios lá fora, sinto-me… sem vontade de estar ali, um bocado em sofrimento.” 

Mais: “Se calhar, os últimos dois anos contribuíram para isso, houve muita pressão em cima de mim. Também não é fácil, a Alta Competição. Mas nunca fui de deitar os braços abaixo, sempre me sacrifiquei ao máximo. Ao nível de treino e da preparação física, tenho cumprido com tudo.” 

E concluía: “Tomei a decisão de parar quando estava a atravessar um dos melhores momentos da minha carreira, tinha acabado de vencer o Campeonato Nacional Absoluto. Fácil seria fazê-lo se estivesse a jogar mal. Decidi-me após o estágio da selecção nacional no País de Gales. Vinha aí uma série de torneios internacionais importante e eu sabia que não ia estar bem – e não queria piorar a situação.” 

A paragem de Ricardo não terá durado mais de dois meses, 8 semanas, e quando voltou desatou, aí sim, a jogar o melhor golfe da sua vida, começando por um resultado de duplo dígito abaixo do par no campeonato do clube e continuando por uma época memorável na Lynn University, em Boca Raton, na Florida, no fim da qual recebeu o Phil Mickelson Award, para o melhor “caloiro” na Division II do golfe universitário norte-americano. 

Seguiram-se três anos também memoráveis em representação dos Knights da Central Florida, em Orlando, culminados com a presença, em Junho último, na Palmer Cup, o match que replica a Ryder Cup para o golfe universitário americano. Fazer aqui um rescaldo de todas as marcas notáveis de Ricardo no outro lado do Atlântico seria certamente fastidioso, por serem muitas, mas fico-me por mais duas: 5 vitórias individuais e os quartos-de-final no US Amateur de 2013. 

Finalmente, uma entrada de rompante como profissional: ao fim de cinco meses já venceu uma vez no Challenge Tour e ficou a uma pancada de jogar a Grand Final deste circuito e também de conquistar o cartão do European Tour. 

Quem dúvida de que Ricardo Melo Gouveia tem hoje ambições de ser um dos melhores do mundo? Os portugueses que gostam de golfe e que seguem a actualidade, acreditam hoje nele incondicionalmente, pela sua juventude e pela forma fulminante como se tornou uma referência na segunda linha do golfe profissional europeu. O que impressiona, sobretudo, é que transformou o alto nível de jogo numa rotina, o que, como se sabe, não é fácil no golfe. 

Mas será que a nova “sensação” do golfe nacional teria tido o mesmo sucesso se não tivesse feito aquela pausa, digamos, sabática? Sabática, porque sábia foi. Corajosa, porque lutou contra demónios e exorcizou-os.

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Jornalista

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