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Cidadãos de segunda classe
Crónica

Do recente processo instaurado pelos caddies contra o PGA Tour e não só

A fortíssima tempestade que, na semana passada, caiu sobre o The Honda Classic obrigando jogadores, caddies e espectadores a procurar abrigo, veio deitar achas sobre uma fogueira que já se encontrava particularmente agitada. Enquanto os jogadores correram para o clubhouse, os caddies foram dirigidos para uma barraca de alumínio aberta de um lado. Num mundo em que o social media é ubíquo, demorou pouco até que fotografias e comentários começassem a proliferar pela internet acusando a PGA de falta de condições e de tratar os caddies como “cidadãos de segunda classe”.

A tensão começara semanas antes quando um grupo de mais de 80 caddies (que conta com veteranos como Mike Hicks, que carregou os sacos de Greg Norman e Steve Stricker) instaurou um processo contra a PGA Tour, no valor de 50 milhões de dólares. Os caddies referem que são obrigados a usar conteúdos publicitários sem auferirem qualquer contrapartida e reclamam danos por falta de condições de trabalho como a que se verificou em Palm Beach. 

A questão da publicidade resume-se ao seguinte: Os caddies trabalham para os jogadores mas têm de cumprir regulamentos do Tour que incluem regras de indumentária. No entanto, é permitido aos caddies apresentar logos na roupa, pelo que estes podem assinar contratos de publicidade com as marcas que entenderem. Até aqui tudo bem. O problema é que os caddies são obrigados a usar “bibes” que tapam as suas camisas e onde tipicamente está representado o logótipo do patrocinador do evento. A questão que se põe é se os caddies têm direito a uma parte desse rendimento publicitário. 

A questão dos “cidadãos de segunda classe” é mais profunda e a meu ver mais sensível. Há mesmo quem, talvez de forma abusiva, refira o que ocorreu no Open da Madeira de 2014 para ilustrar a tese. Isto porque quando o caddie Iain McGregor colapsou nos fairways, o torneio não foi cancelado. Será que o mesmo teria ocorrido se um jogador tivesse falecido em vez de um caddie?  

Em Portugal há poucos campos que mantêm a velha tradição dos caddies, pelo que a sua presença não é um hábito e talvez por isso a sua importância possa passar despercebida. Isto sem referir que os caddies que acompanham os jogadores do Tour evoluíram muito nas últimas décadas não tendo nada a ver com os clássicos da era de Jones e Hogan. Já lá vão os tempos em que o caddie era uma pessoa de um estrato socioeconómico baixo, com grande conhecimento de um campo, a quem os jogadores pagavam à peça pelos seus serviços. 

Hoje em dia os jogadores de alto nível encaram a relação com o seu caddie como uma parceria, uma equipa. O caddie é um ativo crítico para chegar à vitória e as suas funções vão muito para além de carregar os tacos. O caddie ajuda na leitura do campo e em particular dos greens. Este é responsável por aferir as distancias e o impacto de elementos como o vento e a chuva. Para além do apoio técnico há ainda o apoio psicológico. Um bom caddie sabe quando deve falar e quando deve ficar calado. Sabe quando contrariar o jogador e quando é melhor deixar andar. E sabe que o jogo mental é a essência do golfe, pelo que por vezes é necessário umas palavras para acalmar e noutras, umas palavras para incentivar. 

Dito isto, o que mais surpreende nesta saga que promete dar que falar é que as estrelas que tanto dependem dos seus caddies tenham permitido que estas questões se arrastassem ao ponto de acabar em tribunal. Afinal de contas, não foi assim há tanto tempo que jogadores profissionais também eram proibidos de entrar nos clubhouses – que o diga Walter Hagen que no Open de 1920 registou o seu protesto estacionando um carro, para servir de vestiário, à porta do clubhouse do Royal Cinque Ports. 

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*Gestor e sócio fundador do clube de golfe Tigres do Bosque

 

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