Queremos menos casos para discutir nas redes sociais e mais espaço para desfrutar do jogo
As redes sociais amplificam conversas que antes estavam circunscritas ao bar do club house. Esta realidade tem efeitos positivos como a discussão aberta de problemas envergonhados mas também tem um lado negativo que é a inimputabilidade de comentários extremados potenciados pelo anonimato da internet. Devemos evitar caças às bruxas mas também devemos endereçar questões recorrentes.
O handicap é um mecanismo criado para permitir competição justa e equitativa entre jogadores de diferentes habilidades. Trata-se de um fator único entre desportos e crítico para a modalidade porque a democratiza e socializa. Poucos chegaremos a ser scratch, mas todos nos divertimos nas competições dos nossos clubes e em jogos com amigos. O problema surge quando o mecanismo é distorcido por forma a beneficiar e não a nivelar. Trata-se de uma questão tão séria quanto dar um pontapé na bola em campo.
Muitos acreditam que o handicap representa o nível de jogo médio. Mas não é o caso. O handicap representa o melhor resultado para o presente nível. Trata-se de um ciclo: treinamos > jogamos bem > baixamos de handicap > treinamos mais para chegar a outro bom resultado e assim sucessivamente. É importante notar que “pistoladas” ocasionais são naturais e saudáveis, o problema é o excesso. Por exemplo, segundo a EGA um jogador com handicap entre 18,5 e 26,4 só deve jogar para o seu handicap ou melhor em 10% das vezes.
São os próprios jogadores que devem zelar pela correta aferição do seu handicap. O golfe é um desporto especial onde a confiança e a honra são fatores essenciais. Trata-se do único desporto onde podemos marcar uma penalidade a nós mesmos. Este virtuosismo deve estender-se à gestão de handicap. Por muito simpático que seja chegar a casa com um troféu, o primeiro objetivo não deve ser ganhar torneios mas sim melhorar o nível de jogo.
Em segundo lugar estão as comissões de handicap. A responsabilidade destas é mais ampla do que simplesmente clicar no DataGolfe (software da FPG) sempre que um jogador entrega um cartão. As comissões devem conhecer os jogadores, estar atentas à sua evolução e dentro do possível seguir a sua participação em torneios exteriores ao clube – especialmente os que não contam para handicap como é o caso de torneios a pares. Estas devem também monitorizar jogadores que apresentem resultados sistematicamente dentro da zona neutra sem nunca passar a linha mágica dos 36 pontos – situação esta que se torna estatisticamente mais anómala quanto mais alta for a categoria de handicap do jogador.
Mas há uma terceira entidade que pode contribuir mais para o melhor aferimento dos handicaps e essa entidade é a FPG. Alterações dos últimos anos como a introdução do CBA (Computer Buffer Adjustment) e as recomendações de revisão anual do DataGolf são positivas, sendo que esta última não absolve as respetivas comissões de efetuar autonomamente a análise acima referida. Neste sentido a FPG deve sensibilizar as comissões de handicap para a necessidade de uma atuação proactiva. Fica ainda a sugestão de trabalhar com a EGA no sentido de alterar o regulamento para permitir que resultados de torneios jogados com uma percentagem inferior a 100% de handicap contem para aferimento do mesmo. Conheço as bem-intencionadas razões para a existência da regra mas tenho dificuldade em aceitar que uma “pistolada” não conte porque foi jogada em 3/4s.
Com maior responsabilização das comissões de handicap e dos jogadores haverá menos casos para discutir nas redes sociais e mais espaço para desfrutar do jogo.
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*Gestor e sócio fundador do clube de golfe Tigres do Bosque